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quinta-feira, 1 de março de 2012

Para entender a Crise Econômica, 3ª Parte

    

        - Por que a crise chegou à Europa?

                - Porque a Europa é uma parte muito clara do mundo neoliberal, travada por seus tratados, pelo estatuto do Banco Central. O Banco Central americano é independente dentro do governo, mas partilha com o governo uma série de políticas públicas para atender ao crescimento e a criação do emprego. Quando o Banco Central europeu diz que seu objetivo principal é a estabilidade dos preços, com essa estabilidade, sacrifica todos os outros objetivos. E os tratados da EU dizem que nenhum estado pode estabelecer acordos com o Banco Central Europeu para pactuar medidas de política econômica.

                - E como ficam os países de economia mais frágil?

                - Se um país mais débil entra em crise na Europa, há uma transferência de soberania e todos perdem. Perdem  a soberania econômica, monetária, cambial e em matéria de pesca e política agrícola, em política de transportes. Mas essa perda de soberania não foi transferida para nenhum órgão de soberania europeia comum, porque não há órgão de soberania europeia com competência para desempenhar uma política de solidariedade de combate à crise (afinal, o neoliberalismo incentiva a competição e a individualização dos lucros, apenas isso).

                - Por que essa divergência de tratamento entre os países do mesmo pacto?

                - Porque o credo monetarista e neoliberal alemão atual e os tratados da União Europeia dizem que os Estados devem reduzir as despesas, aumentar os impostos, retirar direitos sociais dos trabalhadores, diminuir o tempo em que se recebe auxílio desemprego, cortar direitos da seguridade social, diminuir os salários, ou seja, tudo o que Kaynes havia proposto como despesa benéfica do Estados e como transferência para as pessoas, para as famílias, para que estas possam um poder de compra para evitar o declínio da economia. Mas os neoliberais fazem tudo ao contrário, aumentando a crise, e é isso que estão fazendo todos os países. Por isso já se verificou que a Grécia não tem condições de cumprir suas metas. Portugal também não vai cumprir. Estamos em recessão e vamos continuar em recessão. Espera-se que o desemprego em Portugal em 2015 tenha o mesmo índice atual, 11,1% ou 11,2%.

                - Vamos chegar aonde com essa perspectiva?

                - Como é que vamos crescer para pagar juros de 5,1% se os juros do mercado são ainda superiores? Não vamos. Evidentemente que esse não é o caminho. Esse é o caminho sim para liquidar com os direitos dos trabalhadores, liquidar o estado social, partir de novo para a estaca zero. E depois se verá. E nessa altura vão pensar que a solução será renegociar a dívida. Como os autores e pensadores de esquerda têm proposto desde o início da crise grega. Só há uma solução: renegociar a dívida. A Grécia tem que ter mais tempo para pagar e tem que se baixar a taxa de juros e eventualmente têm que lhe perdoar alguma dívida. Senão, ela não paga. Portugal está na mesma situação, a Espanha corre os mesmos riscos. Agora se contaminar a Itália e a Espanha, a Itália vai dar um berro, porque os compromissos dessas nações contaminariam todo o sistema europeu.

                - Essa crise chegará aos países em desenvolvimento, aos emergentes?

                - Há um caso específico entre os emergentes que é o da China, que tem quase 2/3 da dívida dos Estados Unidos, além dos interesses americanos na China (com sua mão de obra barata) e dos interesses chineses em território americano. Se há uns anos os Estados Unidos tivessem chegado a uma situação de não pagamento, o que  a China faria? O problema é que muitas vezes, nas relações internacionais, o maior devedor está mais protegido que o maior credor e aquele, assim, tem de ser tratado com o maior cuidado, como era o Brasil, que foi um grande devedor e tudo era feito para que ele NÃO pagasse nunca suas contas, deixando-o nas mãos dos interesses financeiros internacionais. Antigamente os credores invadiam os devedores à força, agora isso é menos possível. Creio que estamos no mundo que as coisas não me deixam com muito otimismo.

                - Vem mais aperto para o trabalhador em relação à suas suadas conquistas sociais?

                - Isso é o que vem ocorrendo. É absolutamente claro. Na Grécia e em Portugal há uma forte resistência aos partidos de esquerda, aos movimentos sindicais e isso vai continuar. Os socialistas e sociais democratas da Europa são hoje dependentes do neoliberalismo como verdadeiros dependentes químicos, os partidos comunistas praticamente desapareceram, mas creio que as coisas vão chegar a um ponto que alguma coisa deve ser feita.

                - Mas que avaliação pode se fazer dessa perspectiva que só aponta para a crise?

                - O problema é que nessas conjunturas se gera a cultura do medo, promovida especialmente pelas classes dominantes. As pessoas têm medo das incertezas. Penso que estamos à beira de um cataclismo, que pode ser uma guerra mundial ou outra coisa qualquer e pode, inclusive à ditaduras de direita, exatamente como após 1929.

                - E o Brasil nesse contexto?

                - Penso que países como o Brasil estão um tanto protegidos disso, porque se adotar políticas adequadas, o Brasil tem um espaço de segurança própria que é o seu grande mercado interno. Se a agricultura brasileira se voltar mais para a produção de alimentos que para o que chamo de cultura de sobremesa e a indústria se voltar mais para as necessidades de seu mercado interno há uma grande possibilidade de superar a crise, porque, afinal de contas, é um mercado de 180 milhões de pessoas. O Brasil pode ter nesse mercado interno uma espécie de escudo para se proteger. É o caso da China e da Índia também. Os mercados internos desses países permitem uma expansão grande.

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