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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Cancelamentos históricos, historicidade de conceitos, reavaliação do passado com olhos do presente e o racismo atribuído a Allan Kardec, por Dora Incontri

 

“…do estudo dos seres espirituais, ressalta a prova de que esses seres são de natureza e origem idênticas (…) chega-se à consequência capital da igualdade de natureza e, a partir daí, à igualdade dos direitos sociais de todas as criaturas humanas e à abolição dos privilégios de raça. Eis o que ensina o espiritismo.” - Allan Kardec (Revista Espírita, junho de 1867).


Do Jornal GGN:


Cancelamentos históricos e o racismo de Kardec, por Dora Incontri

Mesmo entre os críticos do sistema e dos que estão trabalhando para mudanças radicais, há um tal patrulhamento e atitudes de cancelamento, que impedem a necessária união para avançarmos.

Cancelamentos históricos e o racismo de Kardec, por Dora Incontri

Na sua Encíclica mais recente, Fratelli Tutti – Todos irmãos, que brilha em sua coerência humanista, em sua crítica ao sistema capitalista e em suas proposições de um mundo mais fraterno, o Papa Francisco toca em várias feridas contemporâneas. Uma delas é o “jogo de desqualificações” no cenário de polarização, que se estabeleceu em toda parte, impedindo um diálogo para um projeto comum para a humanidade.

Mesmo entre os críticos do sistema e dos que estão trabalhando para mudanças radicais, há um tal patrulhamento e atitudes de cancelamento, que impedem a necessária união para avançarmos.

Penso nisso agora, quando estamos no tema inquietante do racismo genocida em nossa sociedade brasileira. Não faltam estudos atuais, dentro da linha do pensamento decolonial, que mostram o quanto o projeto de colonização partiu de premissas, óbvias para o homem branco europeu, de superioridade racial e de domínio e extermínio dos povos colonizados. O primeiro a denunciar isso foi justamente um homem branco, europeu, que havia participado no início de sua vida como proprietário escravocrata na América Central, mas depois, tendo sofrido uma espécie de conversão, passou a defender a causa indígena e a apontar o genocídio que estava sendo perpetrado: o dominicano Bartolomé de las Casas. Entretanto, esse homem branco, europeu, era um homem, do seu tempo, da Igreja do século XVII. Então, se formos fazer sua leitura a partir das perspectivas do século XXI, vamos encontrar inúmeras contradições, que chocam a nossa sensibilidade atual. Em seu livro A Conquista da América, Tzvetan Todorov faz essa leitura, numa brilhante análise histórica. Mostra que, embora Las Casas defendesse a não-agressão e a não-escravização dos indígenas, ainda assim, participava do projeto de colonização religiosa e cultural dos povos originários e, ao mesmo tempo, não era tão claro na defesa dos africanos. Mas então, trata-se de uma leitura histórica, documental, em que Tzvetan desvenda em que aspectos Las Casas se destacava por sua generosidade, sinceridade e em que pontos estava representando a mentalidade colonialista, na qual estava culturalmente enraizado.

Penso que devemos fazer assim com as grandes personalidades da história, que deram alguma contribuição importante em sua época. Apreendê-las em seu contexto, sem praticar anacronismos históricos, mostrando em que avançaram e deram passos na direção de nossa compreensão de hoje e em que não conseguiram escapar de seus condicionamentos e suas contradições humanas.

Digo isso também em relação a Allan Kardec, que tem sido trazido para a discussão, às vezes furiosa, sobre a questão do racismo. Sim, Kardec teve também seus enraizamentos históricos, seus condicionamentos culturais de um homem branco, nascido numa França que tinha colônias na África e isso se reflete em algumas passagens de sua obra, que revelam a ideia de superioridade da “raça branca, europeia, civilizada”… Mas o projeto do espiritismo não é um projeto colonialista e de opressão de povos e etnias, porque o que ressalta do conjunto da obra é uma afirmação firme da igualdade entre todos e todas. Veja-se, por exemplo, essa citação:

“…do estudo dos seres espirituais, ressalta a prova de que esses seres são de natureza e origem idênticas (…) chega-se à consequência capital da igualdade de natureza e, a partir daí, à igualdade dos direitos sociais de todas as criaturas humanas e à abolição dos privilégios de raça. Eis o que ensina o espiritismo.” (Revista Espírita, junho de 1867).

Há inúmeras outras citações nesse sentido nos livros de Kardec e, ao mesmo tempo, outras, com um desagradável ranço etnocentrista, eurocentrista e racista – palavras e conceitos, aliás, que nem existiam em meados no século XIX. Mas o que isso significa? Apenas que Kardec era humano. Como todos nós. Um homem que podia em alguns aspectos enxergar além do seu tempo e dar contribuições que nos servem até hoje – pelo menos àqueles que se identificam com suas propostas – e simultaneamente ainda manifestar, talvez sem perceber, a mentalidade de toda uma época colonialista, em que a ciência, considerada oficial, arranjava teorias racistas para louvar uma suposta superioridade do homem branco.

O cancelamento histórico ou atual – digo com personalidades do passado ou com pessoas do presente – por encontrarmos no meio de boas ideias e atuações positivas e inspiradoras, contradições ou incoerências é o que considero bastante empobrecedor, radical e intolerante em nossos tempos. Fazem isso também por exemplo com Gandhi, Martin Luther King ou qualquer pessoa que se põe em cena para dizer algo. E se alguém tenta fazer uma análise mais serena e mais compreensiva é logo acusado “de estar passando pano”.

É claro que existem seres humanos, que se afastam tanto de um padrão humano, como um Adolf Hitler ou Brilhante Ustra e outros que tais por aí, que não há como aproveitar nada do que disseram ou fizeram a não ser para cumprir um ditado, por coincidência alemão, que diz: “ninguém é tão ruim que não possa servir como um mau exemplo”. Mesmo com esses criminosos, sádicos, que não tiveram outra atitude que a de torturar e matar, não me apetece ter discurso de ódio. Mas sim um lamento, uma perplexidade, uma interrogação filosófica e existencial de como um ser humano pode chegar tão abaixo de sua própria humanidade. Não quero que esses exemplos quase absolutos do mal me piorem por dentro, deixando-me possuir por ódio.

Compreendo que na posição de um negro, de um indígena, assim como na posição de uma mulher – e essa posso assumir no tão propalado “lugar de fala” – podemos nos ressentir, nos indignar, quando fazemos leituras históricas que mostram o que já se sabe sobejamente: que o racismo e patriarcado são estruturais há milênios. Então, não nos cabe destruir as personalidades que trabalharam sinceramente pelo progresso humano, porque ainda tiveram ressonâncias dessas ideias estruturais. Cabe sim, fazer sempre uma leitura crítica, histórica, com equilíbrio. E com nossos contemporâneos, paremos com esse cancelamento burro. Podemos dialogar, sem impor nossas cartilhas ideológicas, cancelando quem delas se afasta uma vírgula!

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Leonardo Boff: eleições de 2020 mostraram o quanto o Brasil é machista e vítima de um analfabetismo (politico) imposto pelas oligarquias da Casa Grande

 

"Estas eleições me deixaram abatido pelo quanto de machistas ainda somos", afirmou o teólogo Leonardo Boff. "É uma sociedade conservadora, vítima de uma analfabetismo imposto para as oligarquias prolongarem a dinâmica da Casa Grande", disse

Leonardo Boff

Leonardo Boff (Foto: Valter Campanato/ABr)

247 - O teólogo Leonardo Boff criticou o conservadorismo no País ao comentar as eleições municipais. O estudioso destacou ofensas contra candidaturas femininas. 

"Estas eleições me deixaram abatido pelo quanto de machistas ainda somos, pois às mulheres se negaram votos. É uma sociedade conservadora, vítima de um analfabetismo imposto para as oligarquias prolongarem a dinâmica da Casa Grande internalizada em suas cabeças. Desanimar? NUNCA!", escreveu o estudioso no Twitter.

O Brasil teve apenas uma mulher eleita para comandar uma prefeitura. Trata-se de Cinthia Ribeiro (PSDB), prefeita de Palmas e reeleita ainda no primeiro turno.

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domingo, 29 de novembro de 2020

Sérgio Camargo, chefe da Fundação Palmares, agradece ex-secretário Roberto Alvim, que foi destituído por apologia ao nazismo

 

Em um vídeo de janeiro deste ano, Alvim citou Joseph Goebbels, ministro da propaganda na época da Alemanha nazista

Sérgio Nascimento de Camargo

Sérgio Nascimento de Camargo (Foto: Reprodução)

247Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, fez uma postagem em seu Twitter onde agradece, entre outros, o ex-secretário da Cultura Roberto Alvim, destituído do cargo por fazer apologia ao nazismo.

Confira a postagem:

Em janeiro deste ano, Alvim gravou um vídeo de 6 minutos sobre uma "nova arte" no Brasil, onde fez referências ao ministro da propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. Em fevereiro, Camargo afirmou que a fundação que chefia seguiria “a linha de Alvim”.

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sábado, 28 de novembro de 2020

A vida como centro: a necessária biocivilização e o cuidado necessário na pós–pandemia, por Leonardo Boff

 

 "O conhecido cosmólogo da Califórnia Brian Swimme junto com o antropólogo das culturas e teólogo Thomas Berry afirma em seu livro The Universe Story (1999): Somos incapazes de nos libertar da convicção de que, como humanos, nós somos a glória e a coroa da comunidade terrestre e perceber que somos, isso sim, o componente mais destrutivo e perigoso dessa comunidade”. Esta constatação aponta para a atual crise ecológica generalizada afetando o inteiro planeta, a Terra." - Leonardo Boff



Na compreensão dos grandes cosmólogos que estudam o processo da cosmogênese e da biogênese, a culminância desse processo não se realiza no ser humano. A grande emergência é a vida em sua imensa diversidade e àquilo que lhe pertence essencialmente que é o cuidado. Sem o cuidado necessário nenhuma forma de vida subsistirá (cf. Boff, L., O cuidado necessário, Vozes, Petrópolis 2012).

É imperioso enfatizar: a culminância do processo cosmogênico não se dá no antropocentrismo, como se o ser humano fosse o centro de tudo e os demais seres só ganhariam singificado quando ordenados a ele e ao seu uso e desfrute. O maior evento da evolução é a irrupção da vida em todas as suas formas, também na forma humana consciente e livre.

O conhecido cosmólogo da Califórnia Brian Swimme junto com o antropólogo das culturas e teólogo Thomas Berry afirma em seu livro The Universe Story (1999): Somos incapazes de nos libertar da convicção de que, como humanos, nós somos a glória e a coroa da comunidade terrestre e perceber que somos, isso sim, o componente mais destrutivo e perigoso dessa comunidade”. Esta constatação aponta para a atual crise ecológica generalizada afetando o inteiro planeta, a Terra.

Biólogos (Maturana, Wilson, de Duve, Capra, Prigogine) descrevem as condições dentro das quais a vida surgiu, a partir de um alto grau de complexidade e quando esta complexidade se encontrava fora de seu equilíbrio, em situação de  caos. Mas o caos não é apenas caótico. É também generativo. Esconde dentro de si novas ordens em gestação e várias outras complexidades, entre elas a vida humana.

Os cientistas evitam definir o que seja a vida. Constatam que representa a emergência mais surpreendente e misteriosa de todo o processo cosmogênico. Tentar definir a vida, reconhecia Max Plank, é tentar definir a nós mesmos, realidade que, em último termo, não sabemos definitivamente o que e quem somos. 

O que podemos afirmar seguramente é que a vida humana é um sub-capítulo do capítulo da vida. Vale enfatizar: a centralidade cabe à vida. A ela se ordena a infra-estrutura físico-química e ecológica da evolução que permitiu a imensa diversidade de vidas e  dentro delas, a vida humana, consciente, falante e cuidante.

De mais a mais, somente 5% da vida é visível, os restantes 95% é invisível, compondo o universo dos micro-organismos (bactérias, fungos e virus) que operam no solo e no subsolo, garantindo as condições de emergência e manutenção da fertilidade e vitaldade da Mãe Terra.

Tenta-se entender a vida como auto-organização da matéria em altíssimo grau de interação com o universo, com a teia incomensurável de relações de todos com todos e com  tudo o mais que está emergindo em todas as partes do universo.  

Cosmólogos e biólogos sustentam: a vida comparece como a suprema expressão  da “Fonte Originária de todo o ser” ou “Daquele Ser que faz ser todos os seres”, o que  para a teologia representa a metáfora, talvez a mais adequada, para Deus. Deus é tudo isso e mundo mais. É Mistério em sua essência e também é mistério para nós. A vida  não vem de fora mas emerge do bojo do processo cosmogênico ao atingir um altíssimo grau de complexidade.

O prêmo Nobel de biologia, Christian de Duve, chega a afirmar que em qualquer lugar do universo quando ocorre tal nível de complexidade, a vida emerge como imperativo cósmico (Poiera vital:  a vida como imperativo cósmico,Rio de Janeiro 1997). Nesse sentido o universo estaria repleto de vida não somente na Terra.

A vida mostra uma unidade sagrada na diversidade de suas manifestações pois todos os seres vivos carregam o mesmo código genético de base que são os 20 aminoácidos e as quatro bases nitrogenadas, o que nos torna a todos parentes e irmãos e irmãs uns dos outros como o afirma a Carta da Terra e a Laudato Si do Papa Francisco. Cada ser possui um valor em si mesmo.

Cuidar da vida, fazer expandir a vida, entrar em comunhão e sinergia com toda a cadeia de vida,  celebrar a vida e acolher, agradecidos, a Fonte originária de toda a vida: eis  a missão singular e específica e o sentido do viver dos seres humanos sobre a Terra. Não é o chimpanzé, nosso primata mais próximo, nem o cavalo ou o colibri que cumprem esta missão consciente, mas é o ser humano. Isso não o faz o centro de tudo. Ele é a expressão da vida, dotada de consciência, capaz de captar o todo, sem deixar de sentir-se parte dele. Ele continua a ser Terra (Laudato Si,n.2), não fora e acima dos outros mas no meio dos outros e junto com os outros como irmão e irmã dentro da grande comunidade de vida. Assim prefere chamar o “meio ambiente” a Carta da Terra.

Esta, a Terra, vem entendida como  Gaia, super-organism0 vivo que sistemicamente organiza todos os elementos e fatores para continuar e se reproduzir como viva e gerar a imensa diversidade de vidas. Nós humanos emergimos  como a porção de Gaia que no momento mais avançado de sua evolução/complexificação começou a sentir, a pensar, a amar, a  falar  e a venerar. Então irrompeu no processo evolucionário quando 99,99% estava tudo pronto, o ser humano, homem e mulher. Em outras palavras, a Terra não precisou do ser humano para gestar a imensa biodiversidade. Ao contrário foi ela que o gerou como expressão maior de si mesma.

A centralidade da vida implica uma biocivilização que,por sua vez, comporta concretamente assegurar os meios de vida para todos os organismos vivos e, no caso dos seres humano: alimentação, saúde, trabalho,  moradia,  segurança, educação e lazer. Se estandartisássemos para  toda a humanidade os avanços da tecnociência já alcançados, teríamos os meios para  todos gozarem dos serviços com qualidade que hoje somente setores privilegiados e opulentos têm acesso.

Na modernidade, o saber foi entendido como poder (Francis Bacon) a serviço da dominação de todos os demais seres, inclusive dos humanos e da acumulação de bens materiais de indivíduos ou de grupos com a exclusão de seus semelhantes, gestando assim um mundo de desigualdades, injusto e desumano.

Postulamos um poder a serviço da vida e das mudanças necessárias e exigidas pela vida. Por que não fazer uma moratória de investigação e de invenção em favor da democratização do saber e das invenções já acumuladas pela civilização para beneficiar a todos os seres humanos, começando pelos milhões e milhões destituídos da humanidade? São muitos que sugerem esta medida, a ser assumida por todos e, entre nós, proposta palo economista-ecologista Ladislau Dowbor da PUC0-SP.

Enquanto isso não ocorrer, viveremos tempos de grande barbárie e de sacrificação do sistema-vida, seja na natureza seja na sociedade humana mundial.

Este constitui o grande desafio para o século XXI, construir uma civilização cujo centro seja a vida. A economia e a política a serviço da vida em toda a sua diversidade. Ou optamos por esta via ou podemos nos autodestruir, pois construímos já os meios para isso ou podemos também começar, finalmente, a criar uma sociedade verdadeiramente justa e fraternal junto com toda a comunidade de vida, conscientes de nosso lugar no meio dos demais seres e da missão singular de cuidar e de guardar a herança sagrada recebida do universo ou de Deus (Gn 2,15).

                                             ADENDO

O ano cósmico, o universo, a Terra e o ser humano

Tentemos imaginar que os 13.7 bilhões de anos,  idade do universo, sejam um único ano (apud Carl Sagan). Veremos como ao longo dos meses desse ano imaginário foram surgindo todos os seres até os últimos segundos do último minuto do último dia do ano.Qual é o lugar que nós ocupamos?

         A primeiro de janeiro ocorreu a Grande Explosão.

         A primeiro de março       surgiram  as estrelas      vermelhas

         A 8 de maio, a Via Láctea

         A 9 setembro, o Sol

         A 1 de outubro, a Terra

         A 29 de outubro, a vida

         A 21 de dezembro, os peixes

         A 28 de dezembro  às 8.00 horas, os mamíferos

         A 28 de dezembro às 18,00 horas, os pássaros

         A 31dezembro  às  17.00   horas   nasceram os                             antepassados pre-humanos

         A 31 de dezembro às 22.00 horas entra em cena            o ser                          humano primitivo, antropoide.

        A 31dezembro  às  23  horas,   58          minutos    e               10            segundos   surgiu   o  homem       sapiens            sapiens.

        A 31 de dezembro às 23.00 horas, 59 minutos e                   56                 segundos nasceu Jesus Cristo

        A 31 de dezembro às 23.00 horas 59 minutos e                                  59,segundos  Cabral chegou ao Brasil

       A 31 de dezembro às 23 horas, 59 minutos e     59,54                   segundos,  se fez a Independência   do Brasil.

      A 31 de dezembro às 23  minutos e     59.59   segundos  nós            nascemos.

Somos quase nada. Mas por ínfimos que sejamos é através de nós, de nossos olhos,ouvidos, inteligênci a Terra contempla  a grandeur do universo, seus irmãos e irmãs cósmicos. Para isso todos os elementos durante todo o processo da evolução  se articularam de tal forma que a vida pudesse surgir  e nós pudéssemos estar aqui e falar disso tudo. Se tivesse havido alguma pequena modificação as estrelas ou não se teriam formado ou, formadas, não teriam explodido e assim  não teria havido o Sol, a Terra nem os 20 aminoácidos e as quatro bases nitrogenadas e nós não estaríamos aqui escrevendo sobre estas coisas.

Por esta razão testemunha o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson:” Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que o universo, de alguma maneira, devia ter sabido que estávamos a caminho” (1979).

Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor e escreveu Covid-19:a Mãe Terra contra-ataca a humanidade, Vozes, 2020.




sexta-feira, 27 de novembro de 2020

J.P. Cuenca x o demônio da censura evangélica judicializada, por Fábio de Oliveira Ribeiro

 

É evidente que o escritor pode recorrer da decisão. Não tenho dúvida de que ela será reformada. Mesmo assim usarei esse espaço para comentar o episódio.

Jornal GGN:

J.P. Cuenca x o demônio da censura evangélica judicializada

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Após publicar um Twitter satírico, o escritor J.P. Cuenca começou a ser sistematicamente perseguido por pastores. Dezenas de ações de indenização foram ajuizadas contra ele por todo o Brasil.

Hoje o caso dele se tornou ainda mais grave. Atendendo ao requerimento do autor de uma destas ações, o juiz concedeu liminar para determinar a remoção ou bloqueio do perfil do escritor no Twitter. O fundamento utilizado pelo juiz foi o suposto risco à idoneidade moral e religiosa do autor do pedido.

É evidente que o escritor pode recorrer da decisão. Não tenho dúvida de que ela será reformada. Mesmo assim usarei esse espaço para comentar o episódio.

Há alguns anos, a revista que eu mantinha na Internet foi inteiramente removida por causa de um e-mail enviado ao provedor por um Delegado de Polícia. A ação de indenização por dano moral ajuizada por mim contra o Estado de São Paulo em virtude deste abuso foi julgada improcedente. O Acórdão reconheceu a existência de um suposto poder/dever do Delegado de Polícia de mandar remover o conteúdo considerado abusivo (vide o PDF do Acórdão do TJSP).

Levei o conhecimento deste caso à Comissão de Direitos Humanos da OEA. Até a presente data nenhuma providência foi tomada por aquele órgão.

Me parece evidente que o caso envolvendo J.P. Cuenca é parecido com o meu. Todavia, no caso dele o abuso não foi cometido por um policial e sim por um juiz.

O fundamento dado para a censura é mais ou menos semelhante. No meu caso uma instituição israelense se sentiu ofendida por causa de um texto e pediu sua remoção à autoridade policial. Ao receber o e-mail do Delegado o Provedor decidiu banir a revista inteira. No caso dele, ao invés de mandar suprimir o conteúdo considerado ofensivo o juiz mandou bloquear ou remover o perfil dele Twitter.

Ao descobrir o que ocorreu minha reação foi hospedar a revista em outro provedor e denunciar o ocorrido no Observatório da Imprensa. No caso dele, porém, o dano que ele sofrerá é irreparável. Não existe um microblog semelhante ao Twitter através do qual ele possa se comunicar com seus amigos, admiradores e seguidores.

Minha atividade era lúdica. Minha revista não visava qualquer lucro. No caso dele o dano será econômico, pois como escritor ele depende de visibilidade e de comunicação com os leitores para poder vender seus livros.

É nesse ponto que a decisão judicial se torna especialmente intrusiva. A Constituição Cidadã garante a liberdade de expressão a todos os cidadãos. Isso significa que tanto um pastor quanto alguém que combate a religião dele tem o mesmo direito de se comunicar com o público. Esse direito de J.P. Cuenta não poderia ser cassado, mas foi exatamente isso o que ocorreu.

A decisão não apresenta um fundamento e sim um pretexto. O juiz não poderia impor uma “capitis diminutio” virtual no escritor só para agradar o pastor que não gosta dele. O perfil de J.P. Cuenca é uma extensão da personalidade dele e esta não pode ser mutilada em virtude de preconceitos religiosos que ele não está obrigado a defender.

Na verdade, não é difícil perceber o absurdo jurídico da decisão comentada. Ninguém poderia, por exemplo, deduzir no Judiciário pretensão visando uma ordem judicial para calar a boca de um pastor que vomita ódio contra os princípios laicos do Estado brasileiro. Por mais que seja pernicioso propagandear a tese “Mais Béééébria, menos Constituição”, o pastor tem liberdade para divulgar sua mensagem politicamente hedionda.

O inverso também é verdadeiro. Nenhum pastor deveria ter o privilégio de silenciar os adversários de sua religião. Até porque ninguém é obrigado a se submeter ao credo que ele tenta impor como se nosso país fosse uma teocracia e não um Estado de Direito que assegura a todos, inclusive aos que odeiam todas as religiões, o direito de ridicularizar preconceitos religiosos.

A liminar trata J.P. Cuenca e seu adversário como desiguais. Em virtude dela o primeiro não tem mais o direito de se expor ao mundo porque o segundo disse que a permanência dele no Twitter é ofensiva. Sou advogado desde 1990 e nunca havia visto um juiz fazer algo tão teratológico.

No meu caso, mesmo tendo sido provocado por mim através de um e-mail, o Delegado de Polícia não ousou mandar remover a revista republicada em outro provedor de internet. O conteúdo considerado abusivo continuou em circulação. Minha reação pública à tentativa de censura foi suficiente para inibir a prática de novos abusos. Mesmo que eu tenha perdido a ação de indenização mencionada, minha personalidade virtual não foi mutilada, silenciada ou destruída (algo que ocorrerá no caso de J.P. Cuenca).

Seria interessante investigar qual a vida pessoal juiz que censurou J.P. Cuenca. A decisão dele não para em pé diante da Constituição Cidadã e só pode ter sido proferida sob a influência de fatores extrajurídicos. Se for amigo do pastor ou pertencer à mesma religião que ele, o juiz deveria ter se dado por suspeito assim que recebeu a petição inicial. Nesse caso, a liminar poderá ser revogada em virtude da ausência de parcialidade de quem a concedeu.

Bob Fernandes: O DNA do bolsonarismo e os pacientes psiquiátricos que querem distância do bolsonarismo-raiz que usam “Transtornos” como desculpa para todo tipo de violência racista, homofóbica ou classista

 Do Canal do analista político Bob Fernandes:


CRÉDITOS Direção Geral: Bob Fernandes Direção Executiva: Antonio Prada Edição: Yuri Rosat Câmera: Miguel Breyton Som: Miguel Breyton Arte e Vinhetas: Lorota Música de abertura e encerramento: Gabriel Edé Este é o canal de Bob Fernandes. Vídeos novos todas terças e quintas, sempre, e demais postagens a qualquer momento necessário.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Precisamos discutir o neofascismo – Entrevista de Lourdes Nassif com Odilon Caldeira Neto

 

Entender o fenômeno na Ucrânia e suas ramificações pelo mundo, e entender como funcionam esses grupelhos que se baseiam no discurso de ódio classista, racista, machista no Brasil ajudam no seu combate.

Jornal GGN O tema do dia é o Neofascismo. E, na esteira, o Fascismo. Entender o fascismo em seu contexto histórico e o neofascismo como uma corruptela daquele movimento, muito importante no mundo atual. Se os neofascistas não encampam toda a ideologia, acomodaram elementos que não podem ser ignorados.

O renascimento da extrema-direita pelo mundo não foi o detonador do neofascismo, mas um componente extra para sua saída das sombras.

Entender o fenômeno na Ucrânia e suas ramificações pelo mundo, e entender como funcionam esses grupelhos no Brasil ajudam no seu combate.

Odilon Caldeira Neto é professor adjunto de História Contemporânea na Universidade Federal de Juiz de Fora. É doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Veja a entrevista a seguir:

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Quando a tecnologia de ponta nos envia ao pior do passado

 

Mais polêmica sobre Inteligência Artificial. Cientista etíope provoca: concebidos por grupos dominantes, algoritmos eternizam desigualdade e preconceitos; é preciso reescrevê-los. Mas corporações da internet rejeitam abrir suas caixas pretas

Abeba Birhane, entrevistada por Joe Humphreys, no Irish Times | Tradução de Simone Paz

Os humanos crêem que é muito difícil livrarem-se do preconceito. Poderia a inteligência artificial (IA) sair-se melhor, ao tomar decisões que não distinguem gênero, cor ou credo?

As primeiras impressões não são nem um pouco encorajadoras. Pesquise na internet por fotos aleatórias de “CEO” e você será bombardeado por dezenas de fotos de homens, principalmente brancos. Se as configurações de dados forem tendenciosas desde o começo, seus resultados também serão contaminados, reforçando percepções antiquadas.

Agora, pense em todas as áreas nas quais estamos começando a ceder espaço aos algoritmos: no recrutamento de empregos (aplicativos de triagem), policiamento (identificação de suspeitos), bancos (aprovações de empréstimos)… a lista é imensa. E isso acontece em um momento em que a tecnologia ainda está engatinhando.

Os testes demonstraram que mesmo sistemas de reconhecimento facial de alto desempenho identificam os negros erroneamente, em proporções de cinco a dez vezes mais altas do que os brancos. Apesar disso, essa tecnologia já está sendo implementada — inclusive em Londres, onde a polícia começou a usá-la no início deste ano.

Alguns cientistas de dados — principalmente mulheres — vêm alertando sobre o preconceito algorítmico já há algum tempo; mas, mesmo assim, a corrida em direção a um futuro controlado pela IA continua.

Apontando para a falta de transparência em torno dos algoritmos e também sua capacidade de ampliar o racismo e o sexismo, a matemática norte-americana Cathy O’Neil cunhou a frase “algoritmos são opiniões embutidas em código”. Em sua pesquisa, Shoshana Zuboff, uma estudiosa de Harvard, destaca o impulso comercial que sustenta a IA e como os sistemas algorítmicos estão sendo usados para turbinar o “capitalismo de vigilância”.

Outra grande crítica é Abeba Birhane, cientista cognitiva nascida na Etiópia e hje baseada na Universidade de Dublin (Irlanda). Ela ajudou recentemente a descobrir termos racistas e misóginos em uma biblioteca de imagens do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que era utilizada para o treinamento da IA. O MIT, desde então, retirou o banco de dados — uma pequena vitória no que deve vir a ser uma longa guerra.

Birhane, que é doutoranda (PhD) no Laboratório de Softwares Complexos da Escola de Ciências da Computação da UCD e no Lero: Centro de Pesquisa de Software da Fundação de Ciências da Irlanda, é nossa entrevistada de hoje.

Abeba Birhane: crença na neutralidade dos algoritimos baseia-se na ilusão de que é possível fazer Ciência enxergando o mundo a partir de um ponto de vista universal

Por que não entregar a tomada de decisões aos algoritmos, se eles podem ser programados para serem mais objetivos do que nós?

Esse é um dos pensamentos mais persistentes — a ideia de que se trabalharmos o suficiente e tivermos dados ou algoritmos bons o suficiente, colheremos resultados melhores e menos tendenciosos do que os de seres humanos. Mas acho que esse é um dos maiores equívocos, em vários aspectos.

Filosoficamente falando, quando abordamos questões sociais — seja sobre a projeção de um algoritmo para encontrar o melhor candidato a uma vaga; ou na esfera da justiça criminal, para identificar pessoas com maior probabilidade de cometer crimes — qualquer uma dessas aplicações pressupõe que podemos, de alguma maneira, consolidar dilemas sociais dinâmicos, ambíguos e em constante mutação, e resolvê-los, encontrar uma “solução” para eles… Isso parte de um pensamento muito reducionista.

Mas deixando a filosofia de lado, esta ilusão também é muito problemática do ponto de vista ético. Os modelos de IA são muito bons em encontrar padrões e semelhanças, e a maioria dos modelos preditivos são construídos com base em dados históricos, em modelos nos quais esses padrões históricos são tomados como verdade fundamental. Só que nós sabemos que o passado está cheio de injustiças e de práticas discriminatórias.

Além disso, a integração de sistemas algorítmicos na esfera social muitas vezes surge da necessidade de tornar a vida mais fácil para aqueles que já estão em posições de poder, não do desejo de proteger e beneficiar o usuário final.

Há algo que possa ser feito para o uso de algoritmos em tarefas limitadas?

Não quero ser totalmente inflexível e dizer que de nada adianta construir sistemas preditivos. Mas tudo se resume ao que você vai tentar fazer com eles, qual é seu objetivo e a quem seu modelo acaba fortalecendo.

Meu lema é que, a menos que um sistema algorítmico tenha sido examinado e passado por uma avaliação crítica, você pode assumir que ele perpetua o status quo, repete o passado e prejudica minorias, indivíduos e comunidades desfavorecidas.

As grandes corporações de tecnologia de informação recusam-se a revelar como seus algoritmos funcionam em bases comerciais. Precisamos transformar esses mecanismos em propriedade pública ou, pelo menos, torná-los transparentes

Sim, às vezes me parece realmente um absurdo termos empresas privadas tomando decisões políticas e éticas sobre assuntos que temos debatido por tanto tempo na esfera pública e onde não há uma única resposta correta. Usando sistemas de reconhecimento facial para monitorar “atividades criminosas”, por exemplo, ou usando uma ferramenta para decidir quem merece receber assistência social.

São desafios contínuos e questões em aberto. Por mais que as empresas privadas, que vêm com seus algoritmos, tratem deles como meras questões matemáticas ou técnicas que podem ser “resolvidas” de uma vez por todas.

Seus algoritmos substituem cada vez mais — ou, melhor, acabam com o debate e diálogo em andamento, sem que sejam responsabilizados ou examinados. Por quê? Porque eles se escondem atrás de direitos de propriedade, reivindicando o direito de manter seu código e dados ocultos. Juízes ou órgãos do Estado que tomassem decisões semelhantes estariam sujeitos a uma fiscalização muito maior. Agora, temos essas empresas tomando decisões, escondidas atrás de um algoritmo — como se estivessem apenas fornecendo uma solução técnica, e não decidindo sobre questões sociais e políticas.”

Há uma consciência crescente da discriminação racial e de gênero na ciência. As coisas estão começando a mudar?

Tenho uma opinião bem dividida sobre isso. Às vezes me sinto muito otimista. Vejo muitos trabalhos encorajadores, principalmente vindos de mulheres negras de várias áreas. As pessoas que mais sofrem os impactos negativos, parecem fazer o maior trabalho para sublinhar esse impacto do racismo e os problemas em torno da tomada de decisão algorítmica. É que, quando algo não te afeta, é muito difícil de perceber — logo, as chances de desenvolver uma solução para isso são muito menores. Portanto, vejo muitas comunidades produzindo um trabalho brilhante, que vem mudando a atitude e o discurso. Isso me dá esperança.”

“Por outro lado, vejo que o problema está tão arraigado, que estamos apenas arranhando a superfície. E há muito pensamento redutivo e simplista, como desvenviezar os conjuntos de dados, para algoritmos que, em primeiro lugar, nem deveriam existir. Ou criar um conselho de diversidade e inclusão para lidar com questões raciais profundamente arraigadas, só que composto predominantemente por mulheres brancas.

Podem ser bons primeiros passos, em alguns casos — embora possam fazer mais mal do que bem, em outros — mas precisamos olhar para além disso. Precisamos interrogar as injustiças históricas. Precisamos fazer perguntas difíceis. Por exemplo, a de como as estruturas atuais na academia, tecnologia e sociedade em geral, permitem que certas pessoas — aquelas que satisfazem o status quo — obtenham um passe fácil, enquanto criam obstáculos para aqueles de fora. Como podemos ir além do pensamento em termos de soluções individualistas (como pedir às pessoas que façam testes de preconceito implícito), para pensar em termos mais amplos. Como, por exemplo, criar um ambiente que acolha e preserve estudantes egressos de grupos sociais minoritários?

Você ainda encontra certa atitude defensiva de cientistas que, profissionalmente falando, gostam de pensar que estão acima de qualquer viés ou preconceito?

Falando a partir de minha experiência própria, sim. Você encontra muitas pessoas aderindo a essa ilusão de objetividade — essa ilusão de que estão fazendo ciência “a partir de um ponto de vista neutro”, enquanto muitas vezes “o ponto de vista neutro” é a visão do status quo mascarada como uma visão neutra.

“Infelizmente, grande parte da ciência ocidental é construída sobre as bases dessa ilusão de que podemos nos dissociar de nosso objeto de investigação e medir e analisar as coisas como observadores desinteressados, de longe. Mas, também, cada vez mais você encontra pessoas percebendo que essa ideia de neutralidade é uma ilusão.”

“Culturalmente falando, a sociedade tem uma imagem estereotipada de como um cientista é: um homem branco, usando algum tipo de jaleco branco. Isso significa que aqueles que não se enquadram nesta imagem enfrentam um desafio quando se trata de serem levados a sério como cientistas ou professores.

“Mas eu acho que há cada vez mais compreensão, percepção e conversas com mais nuances, pelo menos no meu círculo da academia. Isso me traz novamente esperanças e me dá coragem.”