Do Canal do analista político Bob Fernandes:
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quinta-feira, 29 de agosto de 2019
O Brasil é "esse lixo", diz Bolsonaro... E procuradores de Curitiba debocham dos falecidos da família de Lula. Análise em vídeo de Bob Fernandes
Steve Schwarzman, apoiador de Donald Trump, impulsiona o desmatamento na Amazônia tendo em Bolsonaro o fantoche ideal. Artigo de Ryan Grim para o The Intercept
Por Ryan Grim — 28 de Agosto
Steve Schwarzman é o CEO do Grupo Blackstone, controlador de uma empresa brasileira que está ajudando a transformar a Amazônia em área de cultivo.
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The Intercept:
DUAS EMPRESAS BRASILEIRAS têm uma parcela significativa de responsabilidade sobre a destruição em curso na floresta amazônica, que se desdobrou em queimadas que chamaram a atenção mundial. Ambas são controladas por um dos principais doadores da campanha de Donald Trump e do líder da maioria no Senado americano, Mitch McConnell.
Essas empresas tomaram posse das terras, promoveram o desmatamento e ajudaram a construir uma controversa estrada até o seu novo terminal portuário, localizado numa área que antes era de mata, com o único objetivo de facilitar o cultivo e a exportação de grãos e de soja. O porto de Mirituba, localizado em meio à floresta amazônica no Pará, permite aos produtores escoar a soja em barcas, que a levam então até portos maiores, de onde é enviada para o resto do mundo.
O terminal amazônico é operado pela Hidrovias do Brasil, uma empresa da qual a Blackstone, um dos maiores grupos de investimento dos EUA, é relevante acionista. Outra empresa da Blackstone, chamada Pátria Investimentos, detém mais de 50% da Hidrovias, e a própria Blackstone possui diretamente mais 10% de participação. O co-fundador e CEO da Blackstone, Stephen Schwarzman, é um aliado bastante próximo de Trump, e doou milhões de dólares para McConnell recentemente.
“A Blackstone está comprometida com o gerenciamento ambiental responsável”, declarou a empresa em um comunicado. “Nosso foco e nossa dedicação estão embutidos em cada uma das decisões de investimento que tomamos e guiam nosso modo de agir como operadores. Neste caso, embora não tenhamos controle operacional, sabemos que a empresa promoveu uma importante redução no total das emissões de carbono por meio da redução dos congestionamentos, e permitiu aos agricultores brasileiros um fluxo mais eficiente de produtos agrícolas.”
O porto e a estrada geraram muita controvérsia no Brasil, e foram alvo de uma investigação pelo The Intercept Brasil em 2016. A Hidrovias anunciou no começo de 2016 que em pouco tempo começaria a exportar soja do Mato Grosso por transporte rodoviário pela BR-163. A estrada, à época, quase não estava pavimentada, mas a empresa disse que pretendia continuar a aprimorá-la e desenvolvê-la. Em meados de 2019, o governo de Jair Bolsonaro, eleito no final de 2018, anunciou uma parceria com a Hidrovias para privatizar e desenvolver centenas de quilômetros da BR-163. A expansão da rodovia, por si só, já causa desmatamento, mas principalmente possibilita uma transformação mais ampla da floresta amazônica em área de cultivo.
A BR-163 teve um efeito perceptível sobre o desmatamento. Depois da devastação que se iniciou na ditadura militar e se intensificou ao longo das décadas de 1970 e 1980, o índice de desmatamento se reduziu à medida que uma aliança entre comunidades indígenas e outros defensores da preservação da floresta começou a lutar contra a ocupação. Esse progresso começou a ser revertido em 2014, quando as tendências políticas convergiram à direita e os preços mundiais das commodities se elevaram. E o desmatamento passou a avançar de verdade depois do golpe branco que removeu do poder a Presidenta Dilma Rousseff, do PT, em 2016. O governo de direita que tomou o poder, liderado por Michel Temer, nomeou Blairo Maggi, magnata da soja e ex-governador do Mato Grosso, como ministro da Agricultura.
No entanto, mesmo durante o período de redução no desmatamento, antes do golpe, a área do entorno da rodovia estava sendo destruída. “Ao longo de todos os anos entre 2004 e 2013, exceto 2005, enquanto o desmatamento total na Amazônia se reduzia, o da região no entorno da BR-163 aumentava”, noticiou o jornal Financial Times em setembro de 2017. Isso desencadeou uma reação dos defensores indígenas da Amazônia. Em março, a Hidrovias admitiu que seus negócios estavam sofrendo com o aumento dos bloqueios na BR-163, em que pessoas colocavam seus corpos no caminho da destruição. Apesar disso, a empresa está avançando. Recentemente, declarou que, graças a um alto investimento, planejava dobrar sua capacidade de movimentação de grãos para 13 milhões de toneladas.
A Amazônia, que vem ardendo em um número recorde de queimadas, é a maior floresta tropical do mundo. Ela absorve um volume significativo de dióxido de carbono, um dos principais causadores da crise climática. A Amazônia tem uma vegetação tão densa que produz em torno de um quinto do suprimento mundial de oxigênio. A umidade que evapora da floresta amazônica é importante para a agricultura não apenas da América do Sul, mas também do Meio Oeste americano, onde chega como chuva. A proteção da Amazônia, cujo território está 60% localizado no Brasil, é essencial para a continuidade da existência da civilização como a conhecemos.
A tentativa de transformar a floresta amazônica em fonte de lucro para o agronegócio é o cerne do conflito, e está diretamente ligada às queimadas que hoje fogem do controle. A linha de frente da invasão da floresta é capitaneada pelos grileiros, que atuam ilegalmente com motosserras. Eles então vendem a terra recém-desmatada para os interessados do agronegócio, cuja colheita é levada pela rodovia até o terminal portuário antes de ser exportada. Bolsonaro há muito propõe que a Amazônia seja entregue ao agronegócio, e foi rápido em desmobilizar as agências responsáveis pela proteção da floresta e empoderar os líderes do agronegócio que pretendiam devastá-la. Os grileiros se sentiram encorajados.
“Com Bolsonaro, as invasões pioraram e vão piorar ainda mais”, disse Francisco Umanari, 42, um cacique apurinã, a Alexander Zaitchik, em uma matéria recente do The Intercept. “O projeto dele para a Amazônia é o agronegócio. Se ninguém fizer nada, ele vai atropelar os nossos direitos e permitir uma invasão enorme da floresta. A grilagem não é nenhuma novidade, mas agora virou uma questão de vida ou morte.”
As queimadas na Amazônia, muitas delas provocadas por fazendeiros e outras pessoas que pretendem liberar a terra para cultivo ou pastagem, estão produzindo uma devastação considerada sem precedentes. Bolsonaro inicialmente minimizou as queimadas como algo que não era digno de atenção. Há algumas semanas, o presidente demitiu Ricardo Galvão, um dos principais cientistas do governo, alegando que os números de um relatório do INPE sobre o intenso aumento do desmatamento durante seu mandato teriam sido falsificados.
Desde a ditadura militar, quando o agronegócio se tornou integralmente fortalecido, até meados dos anos 2000, aproximadamente 20% da floresta já havia sido destruído. Se a Amazônia perder mais um quinto de sua massa, existe o risco de que se atinja um ponto sem volta, um ciclo vicioso chamado dieback, em que a floresta se torna tão seca que acaba, como descreve Zaitchick, “além do alcance de qualquer intervenção ou arrependimento humano”.
SCHWARZMAN, UM DOS FUNDADORES da Blackstone, detém aproximadamente um quinto da empresa, o que o torna um dos homens mais ricos do mundo. Em 2018, ele recebeu aproximadamente 568 milhões de dólares, o que foi, na verdade, uma redução em relação aos 786 milhões que recebera no ano anterior. Ele tem usado essa riqueza para apoiar generosamente McConnell e Trump. Em 2016, fez uma doação de 2,5milhões de dólares para o Fundo de Liderança do Senado, nome do fundo de campanha de McConnell, e colocou Jim Breyer, o cunhado bilionário de McConnell, no conselho da Blackstone. Dois anos depois, Schwarzman entregou mais 8 milhões de dólares para o fundo de McConnell.
Os funcionários da Blackstone já doaram mais de 10 milhões de dólares para McConnell e seu fundo de campanha ao longo dos anos, o que os tornou a principal fonte de financiamento direto da carreira do senador. A campanha de McConnell ao Senado se recusou a comentar.
Schwarzman é amigo próximo de Trump e seu consultor, e foi membro do conselho do Fórum Estratégico e de Políticas até sua desintegração, na esteira da manifestação neonazista em Charlottesville – o conhecido episódio em que Trump afirmou existirem “ótimas pessoas de ambos os lados”. Em dezembro de 2017, enquanto estavam sendo negociados os últimos detalhes da redução de impostos promovida pelo Partido Republicano, Schwarzman ofereceu um jantar em benefício de Trump, com entradas ao custo de 100 mil dólares por cabeça. Alguns dos companheiros de jantar do presidente reclamaram do projeto de lei tributária, e dias depois Trump cortou a alíquota máxima do pacote final, de 39,6% para 37%.
Nos últimos meses, a família Sackler, cujos membros fundaram a indústria farmacêutica Purdue Pharma e continuam a ser seus proprietários, tornou-se proscrita por seu papel de facilitadora na crise dos opiáceos e na morte de dezenas de milhares de pessoas. As contribuições de Schwarzman para a destruição da Amazônia, uma das últimas fronteiras entre a humanidade e um planeta inabitável, podem ao fim torná-lo um pária tão ostracizado quanto os Sacklers, dada a escala das consequências da destruição da floresta tropical.
EM DEFESA DO projeto, um representante da Blackstone observou que ele havia sido aprovado pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), uma afiliada do Banco Mundial, que determinou que o projeto iria, na verdade, reduzir as emissões de carbono. A Blackstone encaminhou ainda um comunicado creditado à Hidrovias, que também enfatizava o apoio da IFC:
A Hidrovias sempre atuou dentro dos mais estritos padrões Ambientais, Sociais e de Governança (“ASG”), continuamente avaliados em auditorias de agências multilaterais internacionais, tais como a IFC (Corporação Financeira Internacional) do Banco Mundial. Além disso, a Hidrovias mantém todas as licenças ambientais exigidas pelas autoridades competentes.
A IFC financiou alguns dos projetos mais ecologicamente destrutivos do mundo, por isso sua aprovação não é especialmente convincente. Mas, mesmo nesse contexto, o estudo do projeto da Blackstone feito pela IFC questiona sua sustentabilidade. De fato, como a IFC observou corretamente em seu relatório, transportar soja e grãos por meios hidroviários é um método de transporte com menos uso de carbono. Ainda segundo o relatório, porém, essa avaliação não leva em conta a realidade de que “a construção do porto de Mirituba, próximo a áreas ainda intactas da floresta amazônica, tende a reduzir os custos de transporte dos produtores, e, dessa forma, a acelerar a conversão de habitats naturais em áreas agrícolas, especialmente voltadas para a produção de soja”.
O banco defendeu que o projeto está aceitável porque é possível confiar que a Hidrovias e seus clientes serão responsáveis, e que “o porto de Mirituba está sendo construído com o propósito de escoar a soja negociada apenas por produtores responsáveis e sensíveis à preservação dos habitats naturais”. O banco assegurou que “100% da capacidade de escoamento do Sistema Norte está contratada por grandes produtores, que atendem a altos níveis de governança e respeitam a Moratória da Soja na região amazônica. A Moratória, que proíbe a compra de soja produzida em terras desmatadas de forma ilegal, foi originalmente negociada em 2006 entre os grandes produtores, a organização Greenpeace e as autoridades brasileiras. Ela vem sendo renovada anualmente desde então.”
A força dessa moratória, porém, depende da capacidade do governo de monitorar seu cumprimento. É extremamente difícil comprovar que a soja foi cultivada em áreas de desmatamento ilegal, uma vez que os grileiros são rápidos em derrubar a floresta e vender a área recém-desmatada para fazendeiros e operadores do agronegócio. Estes logo iniciam o cultivo nas terras, e alegam depois que não tinham como saber que havia sido desmatada ilegalmente. O esquema também presume que o governo esteja interessado em regular o agronegócio; o governo Bolsonaro, porém, tem deixado bastante claro que não está interessado em fazê-lo, ao colocar importantes representantes do agronegócio em posições de autoridade e minguar o financiamento das agências regulatórias.
Ainda que fosse verdade, em alguma medida, que toda a soja transportada pelo porto da Hidrovias cumpre integralmente os requisitos da moratória, os mercados de commodities são fluidos. Um novo porto para os grandes produtores reduz os congestionamentos e os custos de transporte dos pequenos produtores em outros locais, o que encoraja mais desenvolvimento e mais cultivo. (A IFC destacou que a Hidrovias se comprometeu a observar de perto seus clientes de soja: “A HDB irá criar e manter procedimentos internos para revisar o cumprimento pelos clientes de todas as disposições da Moratória da Soja na Amazônia e de quaisquer outros requisitos legais relevantes destinados a prevenir a comercialização de soja produzida em áreas ilegalmente desmatadas. Caso o objetivo do porto ou a carteira de clientes da HDB mude, a IFC será notificada pela empresa dessas mudanças, e poderá requerer que sejam tomadas outras medidas de auditoria e controle para assegurar que disso não decorram impactos indiretos indesejáveis.”)
A justificativa final dada pela IFC para o projeto se resume na ideia de incrementalismo. Outros tipos de desenvolvimento também estão acontecendo, reportou o banco, e por isso esse único porto não tem como causar tanto dano. Eles concluem dizendo que “a contribuição incremental do porto para a redução total dos custos de transporte é considerada marginal, dada a miríade de outros fatores (pavimentação da BR-163, instalação de outros portos no distrito de Mirituba, etc.) que estão contribuindo para o desenvolvimento da região”. Bolsonaro tem planos de pavimentar diversas outras estradas na Amazônia, que atualmente permanecem inutilizáveis boa parte do ano, um projeto viabilizado pelo financiamento internacional.
Obviamente, a Hidrovias também está envolvida na pavimentação da BR-163 e nos demais projetos de desenvolvimento da região. Esses projetos, como o asfaltamento da rodovia, têm outras consequências indiretas – embora completamente previsíveis – à medida que estimulam a abertura de estradas vicinais que permitem que a mineração, a exploração madeireira e ainda mais desmatamento atinjam áreas da floresta que permaneciam até então de difícil acesso.
Um representante da Blackstone destacou que o fundo detém apenas 9,3% da Hidrovias. Esse número ignora, porém, que 55,8% da Hidrovias é de propriedade da Pátria Investimentos. No site da Hidrovias, a Pátria é descrita como “parceira da Blackstone”, e é conhecida no setor financeiro como uma empresa do grupo Blackstone. Um artigo de novembro de 2018 na revista Private Equity News sobre a eleição de Bolsonaro trazia a seguinte manchete: “A democracia brasileira não corre perigo, diz a Pátria, da Blackstone.”
A matéria cita o principal economista da empresa, assegurando ao público que “a descida ao autoritarismo é extremamente improvável”. Essa previsão não se mostrou muito confiável, mas a Blackstone aparentemente permanece firme no apoio a Bolsonaro. O presidente brasileiro viajou a Nova York em maio para ser homenageado em um jantar de gala, patrocinado pela Refinitiv – uma empresa de que a Blackstone é acionista majoritária.
Ryan Grim é autor do livro “We’ve Got People: From Jesse Jackson to Alexandria Ocasio-Cortez, the End of Big Money and the Rise of a Movement” (“Nós temos o povo: de Jesse Jackson a Alexandria Ocasio-Cortez, o fim do grande capital e a ascensão de um movimento”, ainda sem tradução no Brasil).
Tradução: Deborah Leão
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CONTEÚDO RELACIONADO
Dallagnol mentiu: Lava Jato vazou sim informações das investigações para a imprensa — às vezes para intimidar suspeitos e manipular delações. Do The Intercept
As mensagens secretas da Lava Jato
Glenn Greenwald, Rafael Neves — 1h33
Em chats, procuradores admitem ‘vazamentos’. Num episódio, Dallagnol antecipou passo da operação ao Estadão para pressionar suspeito.
Do The Intercept:
Procuradores da força-tarefa da Lava Jato usaram vazamentos com o objetivo de manipular suspeitos, fazendo-os acreditar que sua denúncia era inevitável, mesmo quando não era. O intuito, eles disseram explicitamente em chats do Telegram, era intimidar seus alvos para que eles fizessem delações.
Além de eticamente questionável, esse tipo de vazamento prova que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, mentiu ao público ao negar categoricamente que agentes públicos passassem informações da operação. Dallagnol participou de grupos nos quais os vazamentos foram planejados, discutidos e realizados. Em um deles, o próprio coordenador efetuou o tipo exato de vazamento que ele negou publicamente que partisse da força-tarefa.
Um exemplo ilustrativo desse método ocorreu relativamente cedo nas operações. Em 21 de junho de 2015, o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, no grupo FT MPF Curitiba 2, que reúne membros da força-tarefa: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando, mas, com escancarada franqueza, afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.”
Pela lei das organizações criminosas (que estipulou regras para as delações premiadas), o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha colaborado “efetiva e voluntariamente”. Mas o procurador confessou aos colegas que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir delações por meio de manipulação — o que interfere em seu caráter voluntário.
21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2
Orlando Martello – 09:03:04 – CF(leaks) qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?
Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:10:08 –http://m.politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-mira-do-chefe-,1710379
Santos Lima – 09:12:21 – Nem sei do que está falando, mas meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.
Santos Lima – 09:15:37 – Li a notícia do Flores na outra lista. Apenas noticia requentada.
Santos Lima – 09:18:16 – Aliás, o Moro me disse que vai ter que usar esta semana o termo do Avancini sobre Angra
Martello – 09:25:33 – CFleaks, não queremos fazer baem Angra e Eletrobrás? Pq alertou para este fato na coletiva?
Martello – 09:26:00 – Para não perder o costume?
A conversa ocorreu dois dias depois da 14ª fase da Lava Jato (voltada às empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez). Os procuradores estavam debatendo estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus escapou da operação, porque havia se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão preventiva com alerta da Interpol.
No chat, Santos Lima assume, sem qualquer constrangimento, que vazava informações para a imprensa. Além disso, o seu próprio comentário, insinua que se tratava de uma prática habitual, dado que ele se refere aos vazamentos no plural — “meus vazamentos”. E o procurador afirma com aparente orgulho e convicção que agia assim com objetivos bem definidos: induzir os suspeitos a agirem de acordo com seus interesses.
É relevante ressaltar que o comentário do procurador não suscitou qualquer manifestação dos outros membros da Lava Jato. No decorrer das conversas, os demais membros do grupo permaneceram calados.
No mesmo dia, Deltan e Orlando anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, como forma de pressionar o investigado. Eles estavam antecipando a um jornalista uma movimentação da investigação. Foi Dallagnol o responsável pelo vazamento, como mostra sua conversa como o repórter do jornal.
21 de junho de 2015 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 11:43:49 – O operador da Odebrecht era o Bernardo, que está na Suíça. Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA relacionado aos depósitos recebidos por PRC. Isso é novidade. Vc tem interesse de publicar isso hoje ou amanhã,SUPRIMIDO, mantendo meu nome em off? Pode falar fonte no MPF. Na coletiva, o Igor disse que há difusão vermelha para prendê-lo, e há mesmo. Pode ser preso em qualquer lugar do mundo. Agora com os EUA em ação, o que é novidade, vamos ver se conseguimos fazer como caso FIFA com o Bernardo, o que nos inspirou.
SUPRIMIDO – 11:45:44 – Putz sensacional! !!!! Publico hj!!!!!!!
A conversa prossegue, e o repórter avisa que a matéria sobre a ajuda dos americanos no caso Odebrecht (que não estava formalizada à época) seria manchete do Estadão no dia seguinte.
De volta ao grupo FT MPF Curitiba 2, uma conversa entre os dias 21 e 22 detalha as intenções da força-tarefa em relação a Bernardo:
21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2
Deltan Dallagnol – 20:33:52 – Amanhã cooperação com EUA pro Bernardo é manchete do Estadão
Dallagnol – 20:34:00 – Confirmado
Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:55:16 – Tentei ler, mas não deu. Amanhã vejo. Vamos controlar a mídia de perto. Tenho um espaço na FSP, quem sabe possamos usar se precisar.
A informação vazada pela força-tarefa de fato virou manchete do jornal, e os métodos de pressão sobre o delator são retomados pouco depois, no mesmo chat:
22 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2
Deltan Dallagnol – 01:56:40 – Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça
Dallagnol – 01:56:48 – Conta, Imóvel e outros ativos
Dallagnol – 01:57:00 – Ir lá e dizer que ele perderá tudo
Dallagnol – 01:57:20 – Colocar ele de joelhos e oferecer redenção. Não tem como ele não pegar
No fim das contas, a estratégia fracassou, e Bernardo Freiburghaus não delatou.
O que faz disso ainda mais relevante é que Dallagnol tem negado publicamente que os membros da Lava Jato tenham feito qualquer vazamento. Numa entrevista para a BBC Brasil, após um discurso que ele proferiu em Harvard, em abril de 2017, Dallagnol “disse que agentes públicos não vazam informações — a brecha estaria no acesso inevitável a dados secretos por réus e seus defensores”. Quando perguntado diretamente se a força-tarefa havia cometido vazamentos, o procurador respondeu: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.
A assessoria de imprensa da Lava Jato negou que os procuradores tenham vazado informações no caso do Estadão, dizendo ao Intercept que a força-tarefa “jamais vazou informações sigilosas para a imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido”. Para justificar essa negativa, a força-tarefa argumenta que uma informação passada à imprensa deve ser ilegal ou violar uma ordem judicial para ser caracterizada como “vazamento”. Nesse sentido, a força-tarefa argumenta que o material enviado por Dallagnol ao Estadão não violou, na sua visão, nem a lei nem ordem judicial, e que por isso não pode ser considerado vazamento.
Entretanto, essa reportagem não alega nem sugere que Dallagnol ou Santos Lima tenham cometido o crime de violação do sigilo funcional ou desobedecido ordens judiciais ao vazar para a imprensa informações que não eram de conhecimento público. O argumento da reportagem é que eles fizeram exatamente o que Dallagnol afirmou à BBC que nunca faziam: vazaram informações privilegiadas sobre as investigações que o público e a mídia desconheciam para atingir seus objetivos.
‘Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?’
Para defender Dallagnol das evidências claras de que ele mentiu, a força-tarefa está tentando inventar uma nova definição de “vazamento”, um significado que só considera vazamento o que envolve uma violação da lei ou de uma ordem judicial. Mas não é isso que a maioria das pessoas entende como vazamento. Em sua entrevista à BBC Brasil, Dallagnol não negou que a força-tarefa realizasse vazamentos ilegais: ele negou que a força-tarefa tenha realizado quaisquer vazamentos: “agentes públicos não vazam informações”, ele disse, completando: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.
A insistência da força-tarefa de que nunca realizou nenhum vazamento é especialmente bizarra tendo em vista que o próprio Santos Lima alardeou ter feito exatamente isso, usando a justamente palavra vazamento: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração”, escreveu, o que demonstra que nem os próprios procuradores entendem a palavra “vazamento” da forma que eles agora definem. Além disso, em sua conversa com o repórter do Estadão, Dallagnol descreveu a informação que ele estava enviando, sobre a proposta de colaboração com os EUA, como “novidade”, e por essa razão insistiu que a informação que ele enviou só poderia ser publicada “mantendo meu nome em off”. Se a informação já era pública, como defende a Lava Jato por meio de sua assessoria, por que pedir off?
Além disso, a própria nota enviada ao Intercept admite que os procuradores adiantaram uma ação da investigação ao Estadão – uma informação privilegiada, portanto, ainda que não protegida por sigilo judicial formalizado. “O único caso mencionado na consulta à força-tarefa se refere a uma reportagem do Estadão que combinava dados disponíveis em processos públicos e uma informação nova, igualmente sem sigilo, sobre possíveis estratégias que se cogitavam adotar no futuro, em relação à formulação de pedido de cooperação a ser enviado, o que não caracteriza vazamento”, diz a nota. De fato, a colaboração com a Suíça citada na reportagem era pública, mas a “informação nova” (o pedido de ajuda aos EUA que foi a manchete do jornal) não era pública porque nem sequer havia sido formalizada até a publicação do texto.
Dessa forma, a negativa da força-tarefa de que os procuradores fizeram exatamente o que Deltan falsamente insistiu que nunca fizeram — vazar para a mídia informações que não eram de conhecimento público — é desmentida pelas próprias palavras dos procuradores, conforme publicadas no chat acima, em que eles mesmos descrevem suas ações como “vazamentos”. É também desmentida pela insistência de Dallagnol ao repórter que as informações passadas ao Estadão não fossem atribuídas a ele. É desmentida ainda pelos repetidos episódios em que os procuradores admitem ter vazado à mídia informações sobre as investigações, quase sempre usando especificamente a palavra “vazamentos” que eles agora buscam redefinir. E é desmentida, por fim, pela nota enviada ao Intercept.
VAZAMENTO SELETIVO
ESSES VAZAMENTOS NÃO ERAM casos isolados. Em 2016, procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre o uso de “vazamento seletivo” para mídia com a intenção de influenciar e manipular um suposto pedido de liberdade para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha:
12 de dezembro de 2016 – Grupo Filhos do Januario 1
Carlos Fernando dos Santos Lima – 18:45:31 – Recebi do russo : Off recebi uma notícia que não sei se é verdadeira que haveria uma articulação no STF para soltura do Cunha amanhã
Roberson Pozzobon – 18:51:49 – Essa info está circulando aqui a PGR tb
Paulo Roberto Galvão – 18:57:24 – O Stf seria depredado. Não acredito
Athayde Ribeiro Costa – 18:57:40 –toffi, lewa e gm. nao duvido
Santos Lima – 18:58:37 – É preciso ver quem vai fazer a sessão.
Jerusa Viecilli – 18:58:39 – Pqp
Santos Lima –19:00:58 – Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?
Costa – 19:01:35 – vazamento seletivo …
Os diálogos provam que ele mentiu à BBC. A negativa aconteceu depois de Dallagnol ter participado de várias conversas nas quais seus colegas de força-tarefa discutiram explicitamente fazer aquilo que ele negava publicamente. Isto é, promover vazamentos e usar a mídia para seus próprios interesses. Ironicamente, o próprio Dallagnol observou à BBC o quão complexa é a tarefa de provar que houve vazamentos, pois, segundo ele, os envolvidos sempre negam: “É muito difícil identificar qual é o ponto (de origem do vazamento), porque se você ouvir essas pessoas, elas vão negar”, afirmou.
As conversas fazem parte de um pacote de mensagens que o Interceptcomeçou a revelar em 9 de junho — série conhecida como Vaza Jato. Os arquivos reúnem chats, fotos, áudios e documentos de procuradores da Lava Jato compartilhados em vários grupos e chats privados do aplicativo Telegram. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais.
João Felipe Linhares colaborou com pesquisa nesta reportagem.
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