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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Globo comanda a marcha da insensatez nacional e o Tribunal da Inquisação do Jornal Nacional, por Luis Nassif


"Será que os gênios que definem a linha editorial das Organizações Globo não têm noção do que estão plantando? Ou julgam que criminalizando todos os políticos, mostrariam isenção? Não querem mostrar isenção, querem mostrar poder, um poder que os coloca acima do Executivo, que os permite manobrar o Judiciário e a Procuradoria Geral da República. O que pretendem não é a isenção, é se colocar como um poder maior, acima da política, dos partidos e dos candidatos. "

Antes do texto, veja primeiro o vídeo com o próprio Luis Nassif, intitulado "O Tribunal da Inquisição do Jornal Nacional":





Do Jornal GGN:



Globo comanda a marcha da insensatez nacional, por Luis Nassif

As Organizações Globo tornaram-se uma estrutura tão sem-noção, inclusive sobre seu poder de influência, que fica-se sem saber o que pretende com essas entrevistas com candidatos no Jornal Nacional. É de uma irresponsabilidade a toda prova, desde a forma de tratar os entrevistados até a intenção explícita de criminalizar mais ainda a política.
Ontem, a entrevista com Geraldo Alckmin foi o ápice dessa estratégia anti-jornalística. O PT comemora quando o PSDB é atacado. O PSDB comemora (e conspira) quando o PT é poder. Ambos celebram quando o alvo é Ciro Gomes ou Marina. Que tiram suas casquinhas quando o tiro é disparado contra adversários.
Não se dão conta, todos eles, que o alvo central da Globo é a política. Sua obsessão em criminalizar alianças políticas – sabendo que são essenciais para garantir a governabilidade do eleito -, sua ênfase única em denúncias e suspeitas, seu desinteresse em discutir propostas, sua arrogância, de se apresentar como a representante maior dos eleitores, tudo isso têm um efeito fulminante sobre a imagem da política.
O que querem? Entregar o país a Bolsonaro? Eleger um candidato sem alianças, sem governabilidade, para ser melhor manobrado?
As entrevistas atropelam regras mínimas de entrevistas. Nelas, cabe aos entrevistadores buscar o maior número possível de informações dos entrevistados. Consegue-se isso com perguntas objetivas sobre temas relevantes. E, principalmente, com a educação de não utilizar o entrevistado como escada para se promover, sendo senhores do espaço e do tempo do programa.
Em todas as entrevistas sobressaíram perguntas longuíssimas, pegadinhas, com a intenção objetiva de encurralar os convidados e nenhuma objetividade para extrair o que mais importa para o eleitor: as propostas de campanha.
O que pretendem? Consagrar Bolsonaro? Ele foi o único que escapou do bom-mocismo de não confrontar os donos da casa. E venceu o debate. Afinal, ele representa tudo o que a Globo considera virtude na política: não faz alianças, é de uma sinceridade brucutu nas suas posições.
Não é necessário nenhum tirocínio em especial para prever o que seria o governo Bolsonaro. Ao menor embate com a política – ou com a mídia – convocaria imediatamente as Forças Armadas. Até agora elas não se imiscuíram na política porque não foram convocadas pelo chefe maior, o Presidente da República. É um fio tênue de legalidade que impede sua volta, ante a desmoralização completa das instituições, Judiciário, Executivo, Legislativo e MÍDIA.
Os valentes da Lava Jato, do Judiciário, da Procuradoria Geral da República – e da mídia -, imediatamente se recolheriam ao primeiro toque de clarim.
Será que os gênios que definem a linha editorial das Organizações Globo não têm noção do que estão plantando? Ou julgam que criminalizando todos os políticos, mostrariam isenção? Não querem mostrar isenção, querem mostrar poder, um poder que os coloca acima do Executivo, que os permite manobrar o Judiciário e a Procuradoria Geral da República. O que pretendem não é a isenção, é se colocar como um poder maior, acima da política, dos partidos e dos candidatos. Por acaso julgam que sairiam incólumes do caos nacional que se seguiria à desmoralização final da política?

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Sobre hipocrisia política, Lawfare e perseguição judicial no Brasil e na América Latina atendendo interesses imperialistas externos. Por Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz



"Desatou-se em todo o continente um processo de criminalização e perseguição dos governos e frentes políticas progressistas e populares. O nome técnico utilizado para essa estratégia é lawfare, o uso do sistema judicial contra o inimigo, numa espécie de guerra judicial. Não há casualidades, isso é parte da política de dominação para a América Latina impulsada pelos Estados Unidos e suas agências." - Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz



26 DE AGO DE 2018 — 
Publicado em Carta Maior e no Change.org
Desatou-se em todo o continente um processo de criminalização e perseguição dos governos e frentes políticas progressistas e populares. O nome técnico utilizado para essa estratégia é lawfare, o uso do sistema judicial contra o inimigo, numa espécie de guerra judicial. Não há casualidades, isso é parte da política de dominação para a América Latina impulsada pelos Estados Unidos e suas agências. Há alguns anos, as embaixadas norte-americanas da região vêm trabalhando muito próximas a setores dos nossos poderes judiciários, através de financiamentos, convites a eventos nos Estados Unidos e celebrações com embaixadores. Os resultados são claros: os que sempre viajam, recebem financiamentos e visitam embaixadores são os mesmos que, com simultaneidade inusitada, estão atacando os direitos básicos (e consequentemente os direitos políticos) de figuras como Lula da Silva, Cristina Kirchner e Rafael Correa.

Na maioria dos casos, esses mecanismos atentam contra o Estado de direito em nome do Estado de direito, um paradoxo semelhante ao de declarar guerra em nome da paz. Porque o objetivo principal não é o de fazer justiça, e sim o de gerar suspeitas, desacreditar e condenar antes do julgamento. Como em qualquer guerra, não se pode vencer sem a propaganda massiva dos grandes meios de comunicação, que executam as campanhas de desprestigio contra os ex-mandatários e a ex-mandatária que souberam desenvolver políticas de justiça social e soberania nacional, como há muito tempo não acontecia na Pátria Grande.

Estes empregados judiciais locais das embaixadas dos Estados Unidos são atores/ diretores midiáticos, que dirigem cenas de diligências policiais invasivas, que prepararam confissões de supostos arrependidos (que logo se dementem) ajustadas aos relatos que interessam e aos tempos políticos dos governos neoliberais. O show que dirigem se chama “bailando para prender a(o) presidenta(e)”. Mas os diretores passam, e os canais de televisão ficam. Por isso, ao dar nome à guerra judicial no Brasil é preciso dizer “Rede Globo”, no caso da Argentina se diz “Grupo Clarín”, e no Equador “diário El Universo”.

Este processo não começou com a guerra judicial, e sim com os “golpes brandos” parlamentares em Honduras (2009), no Paraguai (2012) e no Brasil (2016); com blocos legislativos que também atacaram o Estado de direito, cancelaram a presunção de inocência dos mandatários e os deslocaram, para impor uma agenda de governo radicalmente oposta ao que os eleitores haviam consagrado nas urnas.

Os objetivos finais desta guerra são a consolidação de democracias restritas, onde o povo só possa optar por alternativas neoliberais de ajuste, privatização, endividamento e submissão da sua política exterior à dos Estados Unidos, como fazem Michel Temer, Mauricio Macri e Lenín Moreno. Em síntese, é a transferência de recursos do povo aos ricos, e a perda de soberania nacional para a recolonização continental dos nossos recursos naturais.

Esta péssima película, carregada de hipocrisia e ódio, eu acabei de reviver quando viajei ao Brasil, para visitar Lula na prisão. Ele é acusado injustamente por um delito que não cometeu, e sua condenação é usada para impedir que seja candidato presidencial nas eleições deste ano, pelos que têm medo dele. Medo, porque sabem que Lula pode ganhar as eleições e voltar a lutar por maior justiça redistributiva e mais soberania nacional. Por isso, ele não tem direito sequer a ser entrevistado pelos meios de comunicação, enquanto muitos presos por motivos de sangue aparecem na televisão o tempo todo. Lula é um preso político, e até a Organização das Nações Unidas (ONU), através de sua Comissão de Direitos Humanos, teve que expressar, dias atrás, que o Estado brasileiro está atentando contra os seus direitos mais elementares, ao não aceitar sua candidatura.

A falta de responsabilidade ético-jurídica e social nos espanta e nos faz lembrar dos piores momentos vividos no país e na região. A degradação a que são submetidos o povo e as instituições do Estado viola os direitos humanos e coloca em risco as democracias que tanto nos custaram construir.

A corrupção deve ser combatida, mas dentro dos parâmetros do Estado de direito, com responsabilidade, sem atropelar os direitos das pessoas. Ninguém é culpado até que o acusador demonstre o contrário, toda pessoa tem o direito a um juízo justo e a não cair nas mãos de um juiz que demonstra falta de equidade e equilíbrio para fazer justiça. Aqueles que respeitam a democracia esperam que o Poder Judiciário argentino respeite esses princípios e investigue também as contas offshore do presidente Mauricio Macri e de vários dos seus ministros, a causa do Correio Argentino (em que o governo perdoou uma dívida bilionária da Família Macri com o Estado), a das verbas não declaradas e usadas no financiamento ilegal de campanhas governistas, entre tantas outras.

Como povo, nos dói profundamente ver tamanha degradação dos valores e da equidade. Necessitamos fortalecer os direitos de viver em democracia para todos e todas, e resistir na esperança de que outro país e outra Pátria Grande sejam possíveis.

Adolfo Pérez Esquivel é ativista social argentino, lutador pelos direitos humanos e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1980
*Publicado originalmente no Página12 | Tradução de Victor Farinelli
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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Eleições 2018: quem planta injustiça colhe impasses, por Fábio Palácio



  "A campanha eleitoral de 2018 foi deflagrada com fatos auspiciosos às forças progressistas e de esquerda. Pesquisas eleitorais não apenas atestam o crescimento do apoio e a queda da rejeição a Lula, mas sugerem a provável presença de Fernando Haddad no segundo turno quando apresentado como candidato de Lula na hipótese de impedimento deste. Ao mesmo tempo, vem a público o estrondoso pronunciamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU. O órgão multilateral recomendou ao Estado brasileiro, por meio de liminar, que “não o impeça [Lula] de concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos cabíveis perante os tribunais tenham sido concluídos em processos judiciais justos”."

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Do Jornal GGN:


Eleições 2018: quem planta injustiça colhe impasses
por Fábio Palácio
A campanha eleitoral de 2018 foi deflagrada com fatos auspiciosos às forças progressistas e de esquerda. Pesquisas eleitorais não apenas atestam o crescimento do apoio e a queda da rejeição a Lula, mas sugerem a provável presença de Fernando Haddad no segundo turno quando apresentado como candidato de Lula na hipótese de impedimento deste. Ao mesmo tempo, vem a público o estrondoso pronunciamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU. O órgão multilateral recomendou ao Estado brasileiro, por meio de liminar, que “não o impeça [Lula] de concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos cabíveis perante os tribunais tenham sido concluídos em processos judiciais justos”.
Quebra da legalidade internacional
A recomendação da ONU decorre do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ao qual aderiu o Brasil em 1992. O país ainda assinou dois protocolos facultativos ao pacto, incorporados à legislação pátria pelo decreto legislativo nº 311 de 2009. O país reconhece, assim, a legitimidade jurisdicional do Comitê de Direitos Humanos para julgar eventuais violações ao PIDCP. Como explicou recentemente o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, toda vez que o Legislativo brasileiro aprova um tratado internacional, este ganha o status de “norma com vigência supralegal, na jurisprudência dominante do STF. Vale mais do que lei ordinária e complementar, por força do art. 5°, § 2°, da Constituição” (1). Em outras palavras, o pacto da ONU encontra-se, na hierarquia jurídica, em posição superior à de leis como a da Ficha Limpa.
O PIDCP abriga o mesmo princípio inscrito no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988 com a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É o princípio da presunção de inocência, que goza de relativa universalidade na tradição democrático-republicana. Não há, contudo, qualquer motivo razoável para se pensar que o preceito será acolhido pelas autoridades do Estado brasileiro. Afinal, por que iriam os tribunais superiores de nosso país seguir o entendimento da ONU quando já se recusaram, em tantas oportunidades, a cumprir idêntica determinação prevista na Constituição Federal de 1988?
No entanto, ao contrário da narrativa adotada pelas forças de sustentação ao projeto neoliberal — que transbordam feito espuma tóxica dos ministérios e agências do governo Temer —, está claro que a decisão da ONU vincula obrigatoriamente os poderes públicos brasileiros. Descumpri-la acarretará nova quebra da legalidade, desta vez junto ao sistema das Nações Unidas. Tampouco cabe alegar, como fez o Ministério da Justiça, uma suposta “interferência externa” sobre a soberania nacional. Afinal, foi por sua soberana vontade que o Brasil aderiu ao pacto proposto pela ONU. A violação da soberania não se daria pelo cumprimento, mas precisamente pelo descumprimento daquilo que o próprio país, por meio de seus poderes constituídos, considerou justo e legítimo (2).
O saudoso Renato Archer — político, militar e intelectual maranhense, primeiro ministro de Estado da Ciência e Tecnologia — enumerava duas condições imprescindíveis à viabilização de um autêntico projeto nacional: planejamento de longo prazo e atuação internacional capaz de lhe dar respaldo (3). Archer sabia do que falava. Como pupilo dileto do célebre embaixador San Tiago Dantas, não desconhecia o valor estratégico do prestígio internacional. Nenhum país consegue impor seus interesses sem cultivar boas relações e ambiência favorável. A negligência em relação a esses aspectos é já, em si mesma, reveladora da qualidade da nova hegemonia liberal-conservadora, assim como de seus quadros dirigentes.
A liminar da ONU representa o ápice de um processo que já se desenrola há certo tempo: a ampliação do isolamento internacional do ciclo político neoconservador deflagrado no Brasil em 2016. Esse desgaste pode ser conferido quase diuturnamente no noticiário internacional. A preocupação com o Brasil não ocorre por acaso. Em contexto de avanços da extrema-direita no plano mundial, o certame eleitoral brasileiro ganha importância transcendente. Uma guinada brasileira a la Trump, com eventual vitória de uma candidatura como a de Jair Bolsonaro, teria peso suficiente — pelas dimensões do país e por sua posição de líder da América Latina — para influenciar a correlação de forças em todo o mundo.
É assim que, a cada artigo publicado em jornais como Times ou Guardian, mais se esgarçada a legitimidade do campo neoconservador em nosso país. Reforça-se progressivamente em todo o mundo, mas também internamente, a impressão de que vivemos um período de exceção e anomalia institucional, com a hipertrofia do complexo policial-judiciário e dos poderes midiáticos que se agigantam, bloqueando alternativas legítimas, reprimindo anseios e escolhas, sufocando, enfim, a boa e velha política democrática, naquilo que Giorgio Agambem (4) definiu como totalitarismo moderno. Nesse paradigma, dispositivos do estado de exceção são apresentados como técnica normal de governo, configurando-se um campo em que a aplicação da lei é suspensa, embora as normas jurídicas, como tais, permaneçam formalmente válidas.
O Centauro maquiavélico
Desde Gramsci, pelo menos, sabe-se que o poder político, nas modernas sociedades civis, envolve mais do que coerção. O italiano evocou a metáfora maquiavélica do Centauro (5) — figura híbrida da mitologia grega, metade ferina, metade humana — para descrever a dupla natureza do poder político. Este se compõe de força e consenso, autoridade e hegemonia, violência e civilidade. Em síntese, o poder político encontra-se assentado não apenas em mecanismos coercitivos, mas também na legitimidade. A força bruta pode muito, mas não pode tudo. É necessário trabalhar, a todo tempo, no plano dos significados, buscando justificar e validar determinado projeto político.
Em nossos dias, embora não sejam novas, tornam-se ainda mais evidentes as conexões entre discurso e poder. Verifica-se, mesmo, a imbricação entre esses dois aspectos, com a crescente importância política dos funcionamentos simbólicos. A situação contemporânea coloca com força, como problema chave da prática política, a questão dos valores e da ideologia, fontes de prestígio e vigor político. Nesse contexto, é necessário buscar sempre a mais eficiente combinação entre hard e soft power. O abandono do poder discursivo — a liderança exercida através do pensamento — conduz inevitavelmente à falência de um projeto político.
Reside em última instância nas intrincadas relações entre discurso e poder a principal chave explicativa para os movimentos que se ensaiam na presente batalha político-eleitoral. O ciclo iniciado com o golpe de 2016 sofre hoje, de maneira precoce e acelerada, verdadeira sangria de legitimidade. Se no plano internacional esse processo encontra-se em estado avançado, no plano interno caminha de maneira lenta, mas firme. O povo brasileiro parece acordar, aos poucos — ainda grogue —, do “boa noite cinderela” que lhe foi ministrado pelos meios de produção massiva de valores, ideias e comportamentos. O despertar da consciência nacional tem sido catalisado por dois fatores: (a) a percepção do caráter enviesado e parcial dos processos tocados no âmbito da operação lava-jato, repletos de inconsistências e ilegalidades, e (b) o acirramento do debate programático de ideias e propostas para o Brasil, que avança com o processo eleitoral e torna-se premente à medida que se aproxima o 1º turno das eleições.
A emergência do primeiro fator já podia ser constatada — ao menos pelos mais atentos — a partir de pesquisas realizadas nos últimos meses. Chamo atenção para o Barômetro Político, enquete realizada pelo Instituto Ipsos em parceria com o jornal O Estado de S.Paulo, cuja metodologia, interessante e diferenciada, permite medir variáveis não eleitorais que possuem incidência sobre o jogo eleitoral (6). É o caso da popularidade do juiz Sérgio Moro, cuja imagem praticamente confunde-se com a da operação lava-jato. A aceitação de Moro caiu de 69%, em maio de 2017 — antes da condenação de Lula em segunda instância —, para 41% atualmente, após ter visitado taxas de 37% em junho deste ano. A rejeição do juiz alcança hoje 48%, mas já chegou a 55% em seu pior momento, logo após a prisão de Lula. Moro não é candidato, é verdade, mas esses números dizem muito do humor dos eleitores em relação ao processo político recente, que teve a operação lava-jato como protagonista.
A mesma pesquisa Ipsos que revela a queda acentuada da popularidade de Moro apresenta Lula como o candidato mais apoiado (47%) e menos rejeitado (51%). Todos os seus adversários tiveram, em agosto de 2018, rejeição muito maior: Ciro Gomes, 65%; Jair Bolsonaro, 61%, mesmo número de Marina Silva. Geraldo Alckmin alcança, no survey, a estrepitosa marca de 70% de rejeição, atrás apenas dos 74% de Fernando Henrique Cardoso e dos 94% do presidente Michel Temer.
Igualmente significativos, embora pouco badalados pela imprensa, são os resultados da pesquisa de percepção pública sobre os significados do encarceramento do ex-presidente Lula. Realizada pelo mesmo Instituto Ipsos e publicada em 14 de abril de 2018 — pouco após a prisão do líder petista —, a pesquisa revela que 69% das pessoas acham que Lula teve alguma participação nos esquemas investigados pela lava-jato. No entanto, apenas 57% consideravam o ex-presidente culpado dos crimes atribuídos a ele, e um número ainda menor — metade dos entrevistados — era favorável à prisão do ex-presidente. Ao mesmo tempo, 73% concordavam com a frase “os poderosos querem tirar Lula da disputa eleitoral”, e 55% pensavam que “a lava-jato persegue Lula”.
Como entender esses números aparentemente contraditórios? A chave para essa compreensão pode estar nas intrincadas conexões entre verdade “epistêmica” e verdade “sociológica”. Ao que tudo indica, estamos diante de um modo bastante peculiar de relacionamento entre essas duas dimensões. Ocorre que, embora a causa do combate à corrupção seja vista como “justa” pela sociedade — e a lava-jato seja, aos olhos de muitos, eficaz nesse propósito —, essa percepção parece coexistir com a ideia de que a operação é mobilizada para propósitos inconfessáveis. Sedimenta-se, na compreensão popular, uma distinção entre o que é verdadeiro do ponto de vista jurídico-formal (“Sim, ao que tudo indica Lula fez algo errado”) e o que é justo do ponto de vista político-prático (“Mas, por todo o contexto, e para o bem do país, ele não merece ser condenado”).
A variável programática
Quanto ao segundo fator mencionado acima, a questão programática, é necessário sublinhar, antes de mais, aquilo que, por óbvio que pareça, muitos ainda preferem esquecer: não estamos diante de uma eleição indireta no Congresso Nacional — decidida em larga medida pelas lideranças partidárias — ou de um julgamento no Tribunal Federal da 4ª Região. Ao contrário de semelhantes jogos de cartas marcadas, uma eleição direta abrange enorme complexidade de elementos e atores, trazendo à tona, com frequência, os acertos e desacertos, as congruências e incongruências de uma narrativa política.
O que dizer ao povo? Mais especificamente, como poderão as forças defensoras da chamada Ponte para o futuro — nome que camuflou, nos últimos tempos, o velho programa neoliberal — apresentar-se de maneira desvinculada do rejeitado governo de Michel Temer? Segundo se lê na imprensa, a principal chapa da direita, encabeçada por Geraldo Alckmin — candidato no qual o mercado financeiro aposta a maior parte de suas fichas — tentará desatar-se do governo Temer. Se conseguir, estaremos diante de façanha digna de um “alckmista”. Afinal, seu partido não apenas ostentou inúmeros ministérios no governo Temer, como também apoiou privatizações predatórias como a da Embraer; regozijou-se com a redução do salário mínimo; lambrecou-se com a PEC “do fim do mundo” e a redução dos investimentos em educação, ciência e tecnologia, e aboletou-se na primeira fila do trem da reforma trabalhista e de outros ataques aos direitos dos trabalhadores. Como se não bastasse, a coalizão liderada por Alckmin mais parece uma gigantesca “arca de Noé” da fauna cativa do governo Temer.
Ainda que tudo corra como espera o mercado financeiro, e Geraldo Alckmin — catapultado por sua generosa aliança e seu inigualável tempo de TV — consiga chegar ao segundo turno, terá de enfrentar um debate programático polarizado ao extremo, que tende a assumir ares plebiscitários. É claro que a campanha tucana tentará fazer desse momento um referendo sobre os desacertos do governo Dilma, mas há forte tendência de que o centro do debate seja a Ponte para o futuro, fracassado programa apresentado como panaceia em 2016. Nesse caso, o programa neoliberal seria inevitavelmente contrastado com as conquistas e realizações do ciclo de governos progressistas que vigorou no país entre 2003 e 2016.
Tudo somado e descontado, não é absurdo constatar que, por incrível que pareça,  a candidatura de Jair Bolsonaro — malgrado suas insanáveis fragilidades — pode ser a mais conveniente para as elites conservadoras em eventual disputa de 2º turno. Nem tanto por ser hoje a mais apoiada e menos rejeitada — pois isso pode mudar —, mas sobretudo porque, entre os candidatos viáveis da direita, Bolsonaro é o que tem condições reais de demarcar com o governo de Michel Temer, da mesma forma que, hoje sabemos, Trump mostrou-se o candidato republicano mais bem talhado para demarcar com o establishment na eleição norte-americana.
Atentos a essas tendências, setores das elites econômicas já cogitam desembarcar na candidatura de extrema-direita. E, sinto-me tentado a destacar, seria cômico assistir à direita yuppie sendo devorada pelo monstro das profundezas que ela própria criou. Mas é aí que sobrevêm, para o campo liberal-conservador, novos e mais profundos dilemas: afinal, vale a pena vencer com Bolsonaro? A questão pode parecer, a muitos analistas políticos, de uma ingenuidade pueril. Afinal, diriam, para o campo conservador qualquer coisa vale a pena, desde que impeça a volta ao poder de um projeto democrático-popular.
Com efeito, a história não deixa de dar razão a quem pensa dessa forma.  Em seus estudos sobre a experiência fascista na Itália, o pensador marxista peruano José Carlos Mariátegui mostra como, diante da polarização entre o movimento operário e os camisas negras, a burguesia italiana sequer titubeou: assustada com as chances da revolução, não apenas estimulou, mas financiou e armou as brigadas fascistas, empurrando-as a uma postura truculenta contra a esquerda e as organizações trabalhistas.
No entanto, por mais importante que seja vencer as eleições, elas não representam o armagedão; há sempre um day after. Uma vez no poder, os movimentos de cunho fascistoide não se limitam a conservar o status quo; dedicam-se a renegar o presente e restituir o passado. Truncam, dessa forma, o funcionamento normal do liberalismo econômico e das instituições burguesas. Renegam “o tipo transacional de Estado capitalista e empresário: tendem a restaurar o tipo clássico de Estado coletor e gendarme” (7). É claro que a alta burguesia não se inclina por esse tipo de programa, e é nesse momento que ganham nitidez os traços ambíguos de seu comportamento diante do fascismo político. Como explica Mariátegui,
[...] Enquanto a reação se limita a decretar o ostracismo da Liberdade e a reprimir a Revolução, a burguesia bate palmas; mas logo, quando a reação começa a atacar os fundamentos de seu poder e de sua riqueza, a burguesia sente a necessidade urgente de censurar seus bizarros defensores. (8)
Sempre se poderá dizer que o protofascismo de Bolsonaro é mais “proto” que fascismo, que Bolsonaro é conservador apenas na política e nos costumes, que o programa do economista Paulo Guedes é mais do mesmo liberalismo radical. Mas a verdade é que as coisas não se separam tanto assim. Há muitos aspectos do funcionamento normal da economia capitalista e das instituições burguesas que não são do domínio estrito da política econômica, mas incidem sobre ela. E é por isso que são reais os dilemas das elites econômico-financeiras quando confrontadas com candidaturas como a de Bolsonaro. Um eventual governo da extrema-direita traria de volta a desejada estabilidade? Ou apenas detonaria novo ciclo de turbulência política, ademais agravado pela degradação da imagem de um país que se coloca na contramão das augustas tendências civilizatórias?
Dilemas insolúveis
São crescentes os sinais de que as forças do golpe de 2016 vão navegar, girar e perambular; perambular, girar e navegar, e acabarão novamente confrontadas com aquela que é a fonte última de todos os seus impasses: a questão programática. Em face do terrível embaraço de defender um programa que não pode ser exposto ao escrutínio popular — pelo menos não sem ser maquiado até o ponto de tornar-se irreconhecível —, a nova hegemonia liberal-conservadora caminha para dilemas cada vez mais profundos.
Em situação tal, a fim de evitar aquela que pode ser uma estrondosa e humilhante derrota, é possível que não reste às forças conservadoras outra alternativa senão dobrar a aposta em seus próprios fundamentos, apelando, uma vez mais, à judicialização da política e, no limite, a novas golpes contra a legalidade. Dizia Marx, referindo-se às ambivalências da legalidade burguesa, que “a espada que a devia proteger [à burguesia] tem que pender ao mesmo tempo sobre a sua própria cabeça como a espada de Dâmocles” (9).
Desnudadas em seus intentos antipopulares pela resistência democrática, as forças do autoritarismo 4.0 são arremessadas a todo momento contra as falésias rochosas da Constituição de 1988 e de seções democráticas do ordenamento jurídico. Obrigam-se, dessa forma, à quebra da legalidade liberal-burguesa — e, diga-se, também da normatividade jornalística, como fica claro no vergonhoso silêncio da grande mídia em relação à liminar da ONU. Não é possível seguir esse caminho de forma proveitosa para quem busca o lago de águas plácidas da governabilidade inconteste. Pelo contrário: ao levar a cabo novas e mais ousadas medidas de exceção, a dominância conservadora perde nacos de prestígio e eleva seus próprios dilemas a novo patamar. Ainda que dobre a aposta no uso da força bruta e vença as eleições, governará o país em cenário de contestação crescente — uma contestação enraizada, afinal, no próprio caráter antinacional e antipopular de seu programa político.
Titanic imponente, porém fragilizado pela própria qualidade da matéria-prima de que se constitui, o bloco conservador apressa-se em singrar as águas do processo político brasileiro rumo à consecução da plenitude de seus inefáveis objetivos. Nem parece dar-se conta de que navega em águas turvas, ponteadas de icebergs e outros perigos. Parafraseando Gonçalves Dias, valham-nos os versos d’O gigante de pedra (10), em que nosso poeta maior afirma:
Com soberba indiferença [...]
Nem vê que duras desgraças,
Que lutas de novas raças
Se lhe atropelam aos pés!
A fim de efetivar seus desígnios, a ditadura judicial-midiática deixou pelo caminho um rastro de hipocrisia e iniquidades. É agora chamada a um acerto de contas com seus próprios desajustes ontológicos, e começa a colher o resultado do que plantou. Um resultado que brota dia a dia sob a forma de dilemas insolúveis. Todos eles podem ser reduzidos a um único: quanto mais perde legitimidade, mais o bloco conservador é obrigado ao uso da força bruta; quanto mais usa a força bruta, mais se condena à perda de legitimidade. Não é preciso ser adivinho para perceber que esse círculo não se pode retroalimentar indefinidamente.
Fábio Palácio é jornalista, professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão.
Notas:
(1) ARAGÃO, Eugênio. “O direito de Lula concorrer à eleição e o amesquinhamento de obrigações internacionais do Brasil”. Diário do Centro do Mundo  [online]. 18 ago. 2018. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-direito-de-lula-concorrer-a-e....
(2) Os mesmos que hoje veem “interferência indevida” da ONU jamais enxergaram qualquer problema nas controversas missões de “cooperação” que o Ministério Público brasileiro estabeleceu nos últimos anos com seu congênere norte-americano, como parte de seu ativismo na operação lava-jato. Em nosso país, firmar cooperações com Estados estrangeiros é função do Poder Executivo. Não é demais lembrar que surgiu de uma dessas “cooperações” — como reconheceu o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot —, a denúncia que culminou na condenação, a 43 anos de prisão, do almirante Othon Pinheiro da Silva, um dos pais do programa nuclear brasileiro. Othon é o homem por trás da construção das ultracentrífugas de urânio que tanta preocupação acarretaram ao complexo industrial-militar norte-americano.
(3) Cf. AZEVEDO, Fábio Palácio de. Renato Archer, 90 anos : legado e atualidade. São Paulo: Fundação Maurício Grabois / Ed. Anita Garibaldi, 2012. p. 67.
(4) AGAMBEM, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004.
(5) GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. Volume terzo – Quaderni 12-29. Edizione critica dell’Istituto Gramsci – A cura di Valentino Gerratana. 2ª edizione. Torino: Giulio Einaudi editore, 1977. p. 1576.
(6) Para acessar os dados da pesquisa Barômetro Político Estadão-Ipsos, Cf. BRAMATTI, Daniel. “Jair Bolsonaro é desaprovado por 64%, afirma Ipsos”. O Estado de S. Paulo [online]. 23 jun. 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/
noticias/eleicoes,bolsonaro-e-desaprovado-por-64-afirma-ipsos,70002362989. Mesmo datada de junho, a matéria contém gráficos que trazem as atualizações mensais da pesquisa até agosto de 2018.  
(7) MARIÁTEGUI, José Carlos. Biología del fascismo. Lanús Oeste: Nuestra América, 2012. p. 24.
(8) Id. Ibid. p. 49.
(9) MARX, Karl. “O 18 de Brumário de Louis Bonaparte”. In: Marx e Engels: Obras Escolhidas. V. I. Portugal/URSS: Avante!/Progresso, 1982. p. 458.
(10) DIAS, Gonçalves. “O gigante de pedra”. In:__________. Poesia e prosa completas. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.

A direita em ação: Vaticanista ultraconservador admite ter ajudado a escrever panfleto de ex-núncio contra o papa Francisco



Publicado no IHU e no DCM:
O vaticanista ultraconservador Marco Tosatti revelou que ajudou Carlo Maria Viganò a redigir e a divulgar em meios afins sua brutal acusação contra o Papa Francisco, e que foi ele quem convenceu o ex-núncio a torná-lo pública após o escândalo da Pensilvânia.
A reportagem é de Religión Digital, 28-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em declarações à Associated Press, Tosatti explicou que ajudou Viganó a escrever, reescrever e editar seu testemunho de 11 páginas, observando que eles passaram três horas sentados ao redor de uma mesa de madeira na sala de estar do repórter no dia 22 de agosto passado.
Viganò, que ele conhecera antes, ligou para ele algumas semanas antes pedindo-lhe uma reunião, contou Tosatti, um promissor conservador crítico ao papa.
O prelado, então, contou-lhe as histórias que serviram de base para seu testemunho contra o pontífice. O documento de Viganò defende que o pontífice argentino sabia desde 2013 das acusações de abuso sexual que o ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick, enfrentava, mas, apesar disso, reabilitou-o das sanções impostas pelo seu antecessor, Bento XVI.
Viganò pediu a renúncia de Francisco, pelo que qualificou como cumplicidade para encobrir os crimes do ex-cardeal McCarrick. No entanto, há ampla evidência de que o Vaticano fez o mesmo sob o comando de Bento XVI e de João Paulo II, e de que as sanções do papa anterior, caso tenham existido, nunca foram aplicadas, muito menos por Viganò.
O ex-núncio guarda silêncio desde a publicação de seu ataque contra o papa, e seu paradeiro é desconhecido. Assim, a reconstrução oferecida por Tosatti é a única versão sobre a elaboração do documento. Tosatti foi correspondente do jornal La Stampadurante anos, mas atualmente só escreve em blogs ultraconservadores.
Na conversa com a Associated Press, Tosatti afirma que, depois do seu primeiro encontro há algumas semanas, Viganò não estava preparado para tornar pública a sua denúncia. Mas o repórter o telefonou depois da publicação do relatório da Pensilvânia, que mostra como mais de 300 “predadores sexuais” abusaram de mais de mil menores nos últimos 70 anos.
Tosatti afirma ter dito ao arcebispo: “Eu acho que, se o senhor quer dizer algo, agora é o momento, porque tudo está de cabeça para baixo nos Estados Unidos. Ele disse: ‘Ok’”. Então, os dois se reuniram no apartamento de Tosatti em Roma. “Ele havia preparado uma espécie de rascunho do documento e se sentou aqui ao meu lado”, disse Tosatti à Associated Press atrás de sua escrivaninha, apontando para uma cadeira de madeira à sua direita.
“Eu lhe disse que tínhamos que trabalhar nele, porque não tinha estilo jornalístico.” Tosatti afirma ter convencido Viganò a eliminar as denúncias que não podiam ser sustentadas ou documentadas, “porque tinha que ser absolutamente irrefutável”.
Em seu escritório romano, ambos trabalharam durante três horas na redação da nota. Para Tosatti, Viganò teve muita dificuldade para tomar essa decisão. “Eles (os diplomatas da Santa Sé) são criados para morrer em silêncio”, enfatizou, “então o que ele estava fazendo era algo absolutamente contrário à sua natureza”.
Com o documento em mãos, o veterano jornalista procurou publicações dispostas a publicá-lo na íntegra: o pequeno jornal italiano La Verità, o National Catholic Register, que é editado em inglês, e, em espanhol, o InfoVaticana, todos meios de comunicação ultraconservadores que, como o próprio Tosatti, fizeram da crítica a Francisco o seu leitmotiv e que decidiram publicar a carta durante a viagem do papa à Irlanda, para que o impacto da “bomba” se multiplicasse.
Foto: Wikimedia Commons

O catolicismo nos Estados Unidos e a tentativa de golpe contra o Papa Francisco



 "O ataque ao Papa Francisco do último fim de semana também deve ser lido dentro da luta pela supremacia dentro do catolicismo estadunidense conservador, entre a velha escola neoconservadora e o novo integralismo medievalista. O ataque contra o Papa Francisco fracassou, mas não está claro o que acontecerá com a cultura católica conservadora nos Estados Unidos: se ela recuará para um neoconservadorismo que ainda mantém algum sentido das instituições (eclesiásticas ou não), ou se tomará o caminho de um jacobinismo católico que não tem medo de flertar com a ideia de um novo cisma do Ocidente."

]A US flag billows in front of a mural of Pope Francis across the street from Madison Square Garden in New York. (Timothy A. Clary/AFP/Getty Images)

Publicado originalmente no Instituto Humanitas Unisinos. Republicado pelo DCM:
“Hoje a nova geração de católicos estadunidenses de direita (tanto leigos quanto padres e seminaristas, mas também alguns bispos) interpreta um catolicismo teologicamente neo-ortodoxo, moralmente neointegralista, politicamente antiliberal e anti-internacionalista, esteticamente neomedieval.”
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado em HuffPost.it, 27-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na sua carta de 20 de agosto a todo o povo de Deus, Francisco identificou no clericalismo a verdadeira chaga da Igreja: prova disso é a tentativa de golpe de Estado do fim de semana, com o memorial publicado pelo ex-núncio nos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò.
A manobra foi estudada minuciosamente tanto nos tempos quanto nos modos – especialmente olhando para os jornalistas hostis a Francisco que se prestaram a isso – e fracassou, pelo menos quanto à tentativa de empurrar o papa a renunciar. Mas, para entender o que está acontecendo na Igreja, este momento deve ser analisado na rota entre os Estados Unidos e o Vaticano.
Por um lado, a manobra mostra uma soldagem entre uma agenda pessoal, fruto de sonhos de carreira despedaçados por parte de grupelhos adversos no pequeno mundo vaticano, e um vasto projeto ideológico e teológico que toma forma nos Estados Unidos desde as primeiras semanas do pontificado de Francisco.
Ainda em julho de 2013, antes mesmo de Francisco tomar a iniciativa mais significativa do pontificado, uma parte da Igreja e do episcopado estadunidense não hesitou em manifestar o seu descontentamento em relação a um pontificado, o de Francisco, não suficientemente conservador e alinhado com o conservadorismo político que havia se radicalizado desde 2008, ou seja, após a eleição à presidência de Barack Obama. Esses bispos e intelectuais católicos veem no Papa Francisco, desde o início, uma espécie de Obama da Igreja e adotam com Francisco uma tática semelhante à adotada para Obama: a deslegitimação.
Lidando com o escândalo dos abusos sexuais nos Estados Unidos desde 2002, os bispos estadunidenses nomeados por João Paulo II e Bento XVI não podem se irritar com o papado por ter criado uma classe episcopal inepta para tratar da única questão em relação à qual deveriam ser confiáveis, ou seja, “lei e ordem”. O momento oportuno para atacar Francisco foi oferecido pela tempestade perfeita do verão de 2018 – o rescaldo da viagem ao Chile, as revelações sobre o ex-cardeal Theodore McCarrick, as investigações sobre alguns seminários nos Estados Unidos e, finalmente, o relatório do Grande Júri da Pensilvânia.
Quem pensou essa operação aceita o risco de apontar para o Papa Francisco sem se importar com o fato de que um ataque a Francisco sobre a questão dos abusos necessariamente envolveria os seus dois antecessores imediatos. A tentativa de golpe contra Francisco fala sobre o estado em que se encontra a oposição extremista contra Francisco, especialmente nos Estados Unidos: o fato de a ala tradicionalista aceitar o risco de prejudicar Bento XVI João Paulo II – no panteão católico estadunidense, vistos como o oposto de Francisco – diz muito sobre o seu desespero.
A escolha do Papa Francisco de não se defender das acusações contidas no memorial, durante a coletiva de imprensa da volta da Irlanda, também deve ser lida como uma recusa a levar em consideração as acusações contra outros – incluindo Bento XVI – formuladas nesse documento.
Muitos no Vaticano, mais cedo ou mais tarde, terão que dar explicações: mas essa é uma questão que não afeta Francisco em primeira pessoa, que sempre se manteve longe dos grupelhos curiais postos em questão pelo ex-núncio. Viganò e um certa direita católica nos Estados Unidos, que o núncio em Washington frequentou entre 2011 e 2016, às vezes dando a impressão de trabalhar mais pelos ideólogos daquela ala do que pelo papa (como no caso do encontro entre o papa e Kim Davis, durante a visita de Francisco aos Estados Unidos), usaram-se reciprocamente.
Tanto Viganò quanto essa parte da Igreja contestam Francisco por uma atitude diferente da Igreja em relação à questão homossexual, que, na opinião deles, faz parte do problema da pedofilia na Igreja. Mas é uma convergência de interesses que não tem nada a ver com a luta contra a chaga dos abusos sexuais.
Depois, há um segundo elemento da operação. Além dessa convergência entre a agenda pessoal de Viganò e a agenda ideológica do mundo estadunidense e anglo-saxão hostil a Francisco, o outro elemento-chave para compreender a operação e o motivo pelo qual ela fracassou é a transição de um certo tipo de catolicismo conservador para outro nos Estados Unidos.
Observando as publicações e os artigos de jovens jornalistas e intelectuais da nova geração de católicos estadunidenses (nascidos nos anos 1980-1990), é perceptível como eles não representam mais o catolicismo neoconservador “das antigas” (um nome acima de todos: George Weigel), aquele que chegou ao poder com o Partido Republicano, especialmente com George W. Bush em 2000 e nos Estados Unidos pós-11 de setembro de 2001.
Mas hoje a nova geração de católicos estadunidenses de direita (tanto leigos quanto padres e seminaristas, mas também alguns bispos) interpreta um catolicismo teologicamente neo-ortodoxo, moralmente neointegralista, politicamente antiliberal e anti-internacionalista, esteticamente neomedieval.
É o catolicismo cada vez mais visível na revista-farol da reação conservadora à teologia liberal, First Things, na qual as duas tendências e as divergências entre si são visíveis. Nessa transição de um tipo de conservadorismo católico para outro, nota-se uma diferença de ênfases nas críticas ao Papa Francisco. Ambos são muito críticos à teologia do Papa Francisco. A nova ala extremista e neointegralista, que lembra em alguns aspectos a Action Française de Charles Maurras nos anos 1920 (condenada por Pio XI), não hesita em identificar no Papa Francisco um papa herege ou não católico. Mas a velha geração de católicos neoconservadores não está disposta a arruinar a Igreja a fim de se livrar do Papa Francisco: e foi aí que faltou o apoio à operação Viganò.
O ataque ao Papa Francisco do último fim de semana também deve ser lido dentro da luta pela supremacia dentro do catolicismo estadunidense conservador, entre a velha escola neoconservadora e o novo integralismo medievalista. O ataque contra o Papa Francisco fracassou, mas não está claro o que acontecerá com a cultura católica conservadora nos Estados Unidos: se ela recuará para um neoconservadorismo que ainda mantém algum sentido das instituições (eclesiásticas ou não), ou se tomará o caminho de um jacobinismo católico que não tem medo de flertar com a ideia de um novo cisma do Ocidente.