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quinta-feira, 30 de julho de 2015

Bob Fernandes: Petrolão, HSBC e Zelotes - barulho e manchete intensiva para uns, silêncio obsequioso para outros



Segue vídeo e texto com a análise de Bob Fernandes sobre os dois pesos e medidas de divulgação da justiça e mídia política para uns e silêncio estrondoso, para outros:





Na investigação do megaescândalo Petrobras há uma lógica nas ações do juiz Moro e procuradores: o garrote aperta de baixo para cima.
Pouco tempo de cadeia para quem delata. Essa é, tem sido a mensagem para donos das multinacionais Andrade Gutierrez, de atuação em 40 países, Odebrechet e OAS.
No rastro da Lava Jato, a OAS reduziu sua presença no mundo de 21 para 15 países. A Odebrechet, em 21 países, faturou R$ 107 bilhões em 2014.
César Mata Pires, genro de Antônio Carlos Magalhães, controla 90% da OAS. A fortuna de Mata Pires, que já bateu em R$ 7 bilhões, hoje está abaixo do bilhão.

Léo Pinheiro, sócio na construtora, está preso há 8 meses. Léo e Marcelo Odebrechet acompanharam delações, e o prêmio: pouquíssimo tempo de cadeia para quem delata.
Léo e Marcelo vivem dilema imposto pela lógica dos que comandam a Lava Jato: ou delatam, ou longa cadeia.
A reação a esse dilema é fazer uma conta, um balanço, numa outra lógica...
Por um lado, delatar parceiros nesse ramo significa fechar portas mundo afora, e mais fecha quanto mais suja for a porta.
Mas, por outro lado, se o escândalo minguar os negócios, ficar em silêncio já não terá sentido.
Empreiteiras corrompem Brasil afora. Sabido isso, surge a pergunta: ninguém delatou negociatas de empreiteiras com governadores e prefeitos, por exemplo?
Não há indícios ou provas de corrupção na relação entre empreiteiras, estados e prefeituras nos milhares de documentos apreendidos, ou recebidos da Suíça?
Legalmente, essa investigação, a Lava Jato, só pode ser feita sobre a Petrobras e as ramificações do caso.
Qualquer outro fato sobre corrupção em estados ou prefeituras, por exemplo, tem que ser remetido para Ministério Público local.
Procurador ou juiz que não fizer isso prevarica. Pergunta: sobre empreiteiras e corrupção de governadores, prefeitos, o que surgiu nos documentos ou delações? Nada?
Se quase tudo na Lava Jato vaza, por que Zero informação sobre o resto? No mundo real, o que move as "Instituições" é barulho, manchetes na Mídia.
Como provam a quase morta CPI das "Contas Secretas do HSBC", e a "Operação Zelotes" , bilionárias vítimas de silêncio tumular.

Paradigmas, modelagem de mentalidades, capitalismo e a possibilidade de uma mudança de tudo isso em um excelente vídeo crítico.




Segue um vídeo (com a narração transcrita textualmente abaixo) para a reflexão sobre a questão de como o sistema ocidental levou a humanidade a uma sinuca e ao perigo do extermínio em prol do bem de uma minoria. Veja, pense, reflita e tire suas próprias conclusões. A ficha técnica do vídeo está ao fim do texto.




A Mentira em que vivemos e a Revolução do Amor.
Neste momento você poderia estar em qualquer lugar, fazendo qualquer coisa. Em vez disso está sentado sozinho diante de uma tela.
Então o que está nos impedindo de fazer o que queremos, estar onde queremos estar?
Cada dia acordamos no mesmo quarto e seguimos o mesmo caminho, para viver o mesmo dia que vivemos ontem.
Antes nossos dias eram atemporais, agora nossos dias são programados.
É isso que significa ser evoluído?
Ser livre?
Mas nós somos realmente livres?
Você pode escolher esculpir o seu próprio caminho ou seguir a estrada que inúmeros outros já seguiram.
A vida não é um filme.
O roteiro ainda não foi escrito.
Nós somos os escritores.
A humanidade está prestes a sofrer uma revolução surpreendente.
Muitos foram chamados para essa revolução, mas poucos entendem o que realmente significa.
Esta revolução que está vindo é parte de uma grande progressão para um despertar de proporções assustadoras.
O que a humanidade está prestes a tornar-se é inconcebível para você agora, mas estamos aqui para ajudar a fazer essa transição um pouco mais fácil.
Quando você liberar as energias conscientes de amor, então, pela segunda vez na história do mundo, a humanidade terá descoberto o fogo.
É A REVOLUÇÃO DO AMOR!
O amor que alimenta essa revolução começa com você.
Seja a mudança que você quer ver!

"A verdadeira revolução não é revolução violenta, mas a que se realiza pelo cultivo da integração e da inteligência de entes humanos, os quais, pela influência de suas vidas, promoverão gradualmente radicais transformações na sociedade"
( Jiddu Krishnamurti )

CRÉDITOS
The Lie We Live - Spencer Cathcart
We Are From the Future - Garret LoPorto
Onde Está o Amor – Trecho – Deivison Pedroza
NARRAÇÃO
Dilson Campos
MÚSICAS
Alliance - Iron Dragon
Dynasty - Initiative CMX
Above All - Petteri Sainio
Overcome Anything - Immediate Music
Paradise Lost - Confidential Music
Heart of the Rebellion - Fan Boys CMX
Freur Doot - Cover
EDIÇÃO
Photo Amaral

terça-feira, 28 de julho de 2015

Moro e Dallagnol: os luminares da República do Paraná e, para o último, eleitos de Deus para livrar o Brasil de todo o mal, nem que seja na fogueira.


Os eleitos de Deus para livrar o Brasil de todo o mal. Nem que seja com fogueira.

28 de julho de 2015 | 20:34 Autor: Fernando Brito. Fonte: Tijolaço.com

dalton
O coordenador do Ministério Público na Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, como noticiou a Folha, fez ontem uma pregação numa igreja evangélica defendendo a antecipação de penas e outros agravamentos para os que, segundo a ótica do MP, estiverem envolvidos em corrupção.
Nem vou falar da impropriedade de fazer este tipo de campanha num púlpito de igreja, muito menos do absurdo  de dizer que ” acredita que “Deus colabora com a Lava Jato” (segundo o repórter Bernardo Mello Franco), ou que misturar religião e sistema judicial e suas penas, ao que eu saiba, deu na Inquisição e suas fogueiras.
Chamo atenção para outro aspecto.
É curioso que um dos líderes do grupo de procuradores num conjunto de quase 200 inquéritos, 120 réus, dezenas de presos, muitos deles por quatro meses, sem acusação formal contra si ainda queira – e que, por isso é preciso endurecer a legislação .
É o caso de perguntar em que a legislação atual impediu os promotores e o o Dr. Sérgio Moro de agir.
Não prenderam quem quiseram, pelo tempo que quiseram, fizeram buscas e apreensões onde desejaram?
E não saíram as primeiras condenações, com penas de até 15 anos para os que não quiseram ceder à pressão pela delação e outras, já bem mais brandas e domiciliares para quem empurrou para outros a iniciativa do mesmo crime de corrupção?
Não colocaram em celas a nata da elite econômica, não assistiram à renúncia de vários dos mais renomados advogados dos réus e viram suas defesas serem assumidas por ávidos defensores da colaboração – não a Divina – premiada, como esta misteriosa Dra. Beatriz Catta Preta, que afora pede o boné, embora atrás dela estejam, por alguma razão, os “paus-mandados” de Eduardo Cunha na CPI da Petrobras?
O que será mais que os doutos representantes do MP desejam? Certamente o Dr. Dalton, que se define no Twitter como “seguidor de Jesus”, como se isso fosse currículo, não quer sugerir mais e mais graves coações contra os acusados.
Está aí a danação do Dr. Dalton, integrante de uma casta pura, escolhida, designada por Deus para abolir o pecado dos ímpios, nem que para isso seja necessário incinerar gente na fogueira.
Deus colabora, não é Dr. Dalton? Por meio de seus eleitos, todos integrantes do MP, da PF, instituições oniscientes, onipresentes e, agora, oniscientes.

Bob Fernandes em vídeo esclarecedor sobre a corrupção (que não é de hoje) no Brasil





 O vídeo com a aula de Bob Fernandes sobre corrupção no Brasil é parte do documentário Mercado de Notícias, de Jorge Furtado.


Luis Fernando Veríssimo sobre a longa indigestão da elite brasileira




      Quem estava vivo e consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva do Lula no poder. Oitocentos mil empresários fugiriam do país. Ninguém sabia ao certo o destino da sua prataria, nem de suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo com uma ameaçadora barba cubana, era revoltante. Mas, fazer o quê? Lula foi eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado. E o pior não aconteceu. Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor financeiro, não se arrependeram. 

 A longa indigestão 


texto de Luis Fernando Veríssimo publicado em O Globo

 Quantos na Paulista concordavam que uma ditadura militar é preferível ao PT no poder? Talvez nenhuma, talvez a maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão no organismo Quando o Brizola se convenceu de que não chegaria à Presidência da República, consolou-se com uma sentença: a elite brasileira teria que engolir um sapo barbudo em seu lugar. Quem estava vivo e consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva do Lula no poder. Oitocentos mil empresários fugiriam do país. Ninguém sabia ao certo o destino da sua prataria, nem de suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo com uma ameaçadora barba cubana, era revoltante. Mas, fazer o quê? Lula foi eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado. E o pior não aconteceu. Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor financeiro, não se arrependeram. E ninguém foi guilhotinado.

 É verdade que o PT tratou de tornar-se mais palatável para ser eleito. Prometeu seguir o modelo econômico vigente, com alguns ajustes na área social para honrar seu passado e seus compromissos de campanha, mas sem fazer loucuras. E o sapo barbudo desceu pela goela da nação com a suavidade possível. Já a sua digestão foi outra coisa. Não se muda de dieta tão radicalmente sem consequências ao menos gástricas. Pela primeira vez o Brasil tinha na presidência um ex-operário, vindo das lutas sindicais, que errava a concordância verbal mas mobilizava a massa. Com todas as suas precavidas concessões ao status historicamente quo, o PT não deixava de representar a “classe perigosa”, como a nobreza francesa chamava os pobres antes da Revolução, no poder, o que também não ajudava o metabolismo. A resistência do patriciado brasileiro ao PT tem várias causas: diferenças ideológicas, interesses contrariados, medo, a própria arrogância do partido no governo e suas quedas na corrupção, e — especialmente inadmissíveis — os seus sucessos: distribuição de renda, políticas sociais, desemprego baixo etc. Mas o ódio ao PT só se explica como má digestão.

 Doze anos de indigestão: é compreensível a irritação causada pela eleição de mais quatro anos de PT no governo e a continuação da praga do Brizola. Os que se manifestam contra uma suposta fraude no pleito apertado e pedem o impeachment dos vencedores estão exercendo o direito de todo perdedor, o de espernear. Só achei curioso ver, desfilando numa manifestação na Avenida Paulista, uma faixa que pedia a volta dos militares ao poder. Teoricamente, não é preciso mais de três pessoas para fazer e carregar uma faixa daquelas: uma para pintá-la e duas para segurá-la. Fiquei pensando em quantas pessoas no desfile além das três hipotéticas concordavam que outra ditadura militar é preferível ao PT no governo. Talvez ninguém, talvez a maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão num organismo.

 Luis Fernando Verissimo é escritor

 Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/a-longa-indigestao-1446179

Articulista do Portal Fórum discute o raro momento de lucidez e humor de qualidade na tv, no programa Zorra em quadro que satiriza os coxinhas e os saudosistas da Ditadura militar

O dia em que, na Globo, um programa humorístico fez humor político de qualidade


Por Maria Frôjulho 25, 2015 17:17  Portal Fórum ATUALIZADO

Uma grande sacada dos roteiristas do Zorra Total: parodiar os festivais de música popular brasileira fins da década de 1960 criticando os que pedem a volta da Ditadura.
Várias Tvs brasileiras promoveram festivais musicais naquela época, o mais famoso e que bateu recorde de audiência foi o de 1967 da TV Record, feito que entrou para o Guinness Book.
A Globo,  na esteira das emissoras como a Excelsior, Record, Tv Rio, Tv Tupi, passou a produzi-los e adotou o nome dado pela Tv Rio: FIC (Festival Internacional da Canção). 
Na paródia feita pelo programa Zorra (ex- Zorra Total)  que será (foi)  exibido hoje à noite (25/07) e está disponível em seu site, no lugar das músicas de protestos entram canções reacionárias, com apresentadores vestidos em traje de gala, ao estilo dos apresentadores dos clássicos festivais da Record, orquestra no palco, plateia, flores para decoração.
Cheio de pompa e circunstância os apresentadores anunciam a abertura do FICO- Festival Internacional do Coxinha, o primeiro festival musical de apoio à volta da ditadura.
A jovem guarda e suas cantoras estilo ternuninha viram guardas jovens: e no lugar  de “Pare o Casamento” cantado por Wanderléa, jovens atrizes globais aparecem vestidas de guardas e cantam um “Seeeeenhor miliiiiico pare os rolezinhos”.
Disparada de Jair Rodrigues, vira  Disparate, uma paródia pedindo a volta da censura e cantada por “Capitão Rodrigues”.
A banda do Legislativo – Corrupção Urbana- , canta a volta do pau de arara num xote que abomina a classe C, os aeroportos cheios de pobres viajando de avião pós Era Lula. Travestidos como deputados mauricinhos, estilizados como o mais caricato deles, Bolsonaro, eles louvam a ditadura.
Enquanto a plateia de coxinhas vibra com cartazes repletos de frases em prol da ditadura: “o povo não tem cura, volta ditadura” os apresentadores anunciam a próxima atração do FICO: um Chico Buarque às avessas cantando a Banda às avessas, vestido com camisa polo, cardigã amarrado no pescoço, bem coxinha, bem almofadinha, bem mauricinho, a Banda marcial Almeida Prado Melo Franco de Holanda pratica autotrollagem: “dá choque neste coxinha que adora torturador”
Encerrando o festival “Os Paramilitares do Retrocesso” fazem a crítica à truculência das PM brasileiras: “Dou porrada em playboy black bloc e peão, a gente não livra ninguém”
Assistam ao quadro e apreciem a raridade que é o Zorra (ex- Zorra Total) fazer humor político e com qualidade:


PS. Um leitor me informou que toda a direção do Ex Zorra Total, atual Zorra foi trocada e tem outra proposta.
Aleluia, pelo visto ao menos neste programa, a Globo vai abandonar os lixos que andou produzindo nas últimas décadas nos supostos programas de humor, como o lamentável, reacionário e preconceituosoCasseta & Planeta que, infelizmente, substituiu o genial TV Pirata e parece que para compensar o novo Zorraabrirá mão de fazer piadas sem graça atacando grupos estigmatizados na sociedade. Aleluia!
Veja a matéria do Mauricio Stycer sobre o novo programa: “No ‘Zorra’ é proibido piada homofóbica”, conta Marcius Melhem.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Umberto Eco e a imprensa manipulativa, Quarto Poder ou o jornalismo de esgoto: um quadro perfeito da Veja, Globo e Folha


"Então, o que faz um jornal? Ou pode fazer um aprofundamento, o que exige uma redação forte, uma preparação de investigações. Ou fofocas. Como os vespertinos ingleses que não fazem outra coisa a não ser falar da família real. Em alguns casos, como acontece no meu jornal, o sensacionalismo e a chantagem."

  O texto a seguir, uma entrevista de Ilza Scamaparine com o semiólogo, filósofo e escritor italiano Umberto Eco, foi extraída do Jornal GGN/Luis Nassif Online:


Umberto Eco disseca o jornalismo de esgoto para Ilze Scamparini

Sugerido por Percival Maricato
Do Consultor Jurídico
Entrevista concedida pelo semiólogo Umberto Eco à jornalistaIlze Scamparini, para o programaMilênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinaturaGloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
Umberto Eco é um italiano que olha a realidade com óculos especiais. Defini-lo como escritor e crítico literário seria muito pouco. Também seria insuficiente nominá-lo como linguista, esse piemontês de Alexandria, de fama internacional é também filósofo e um ensaísta vivaz. Semiólogo, usa a ciência dos símbolos como um esquema mental. Grande apaixonado pela Idade Média, produziu obras como O Nome da Rosa, de 1980, um suspense filosófico ambientado no ano de 1327, que virou best seller e inspirou um filme com Sean Connery. Estudioso do fenômeno da comunicação, foi um dos primeiros por aqui a falar de linguagem televisiva. Acompanhou o nascimento da televisão italiana e do pensamento americano sobre a TV. Um princípio fundamental da sua narrativa é a suspeita, a desconfiança no que se diz. Umberto Eco põe em discussão qualquer interpretação sobre os fatos. Na sua casa em Milão ele nos mostrou a edição brasileira de Número Zero, o seu último livro que cita histórias da época contemporânea para falar de chantagem, intrigas e de reputações enlameadas dentro da redação de um jornal.
Ilze Scamparini — O senhor acabou de lançar uma espécie de manual do mau jornalismo. Criou uma redação de pretensiosos. Essa ideia vem de onde?
Umberto Eco —
 Há pelo menos, 30 anos que escrevo artigos e ensaios sobre os vícios do jornalismo. Uma visão de dentro, porque também escrevo em um jornal. Então, é um tema familiar para mim.
Ilze Scamparini — Imagino que o senhor não tenha feito essas observações só na Itália?
Umberto Eco —
 A minha é uma redação de jornalistas fracassados. E, nesse caso, um exemplo de péssimo jornalismo. Mas, alguns diretores de jornal aqui na Itália debateram o meu livro e disseram: “Sim, mas alguns desses vícios são também do grande jornalismo”. E são no mundo inteiro por uma série de razões. De todo o modo, o jornalismo vive uma crise desde o fim de 1953. Pelo menos, na Itália. Nos Estados Unidos, um pouco antes, por causa do advento da televisão. Antigamente, os jornais diziam de manhã o que havia acontecido na noite anterior. Ou seja, diziam de manhã aquilo que todo mundo já sabia pela televisão. Isso poderia ter sinalizado o desaparecimento dos jornais como objeto, como instituição. Mas, os jornais precisaram aumentar o número de páginas para acolher publicidade, etc. Quando eu era pequeno, os jornais tinham quatro páginas. Agora, têm sessenta. Então, o que faz um jornal? Ou pode fazer um aprofundamento, o que exige uma redação forte, uma preparação de investigações. Ou fofocas. Como os vespertinos ingleses que não fazem outra coisa a não ser falar da família real. Em alguns casos, como acontece no meu jornal, o sensacionalismo e a chantagem. Quando eu trabalhava em redação, existia um personagem na Itália se chamava Pecorelli. Ele tinha uma agência de notícia. Ele não fazia um jornal, fazia um boletim de notícias. Não era vendido em banca. Mas acabava nas escrivaninhas de todas as pessoas importantes. Então, era um sistema de chantagem porque apresentava algumas notícias que ele poderia vir a divulgar em seguida.
Ilze Scamparini — E por isso ele foi assassinado?
Umberto Eco —
 Foi assassinado. Então, podemos dizer que devia incomodar. Os jornais de chantagem, do tipo que na Itália se chama “máquina de lama”, existem. Até mesmo aqueles jornais que se consideram nacionais e bastante sérios. Nesse caso, coloquei em evidência este problema que é comum a vários tipos de jornalismo. Por exemplo, a tentativa do jornalista de não manifestar opinião, o que é muito praticado. A grosso modo, tem-se um fato, descreve-se o fato. Depois dá-se, entre aspas, a opinião de alguém que passou por ali. Ou seja, dá-se a impressão de que opinião é separada do fato. Mas quem escolheu a pessoa que dá a opinião?
Ilze Scamparini — Essa “máquina de lama”... Se eu não me engano, até o senhor foi vítima dessa “máquina de lama” quando foi a Jerusalém e fez a famosa declaração, não?
Umberto Eco —
 Sim, mas aquela era só uma máquina de estupidez. Porque teve efeito apenas sobre uma pequena discussão. Melhor, o que é típico da “máquina de lama” é que para desacreditar alguém, não é necessário acusá-lo de ladrão, assassino. Basta dizer as coisas que são realmente verdade e que são normais, mas que jogam uma sombra de suspeição. Então, um jornal que não gostava de mim publicou um texto assim: “Ontem, Umberto Eco foi visto em um restaurante chinês com um desconhecido, enquanto comiam com palitinhos.” Não tem nada de mal estar num restaurante chinês. O personagem era desconhecido para eles e não para mim. Era um amigo meu. Mas imagine que, a não ser em Milão, Roma ou Bolonha, em suma, todas as grandes cidades onde existem restaurantes chineses, no resto do país não tem. Então, para as pessoas, a ideia de alguém com um desconhecido usando palitinhos em vez de comer massa com grafo, como fazem as pessoas normais, já transforma tudo em Chinatown, um filme de Polanski. É uma forma de lançar uma sombra de suspeição. Essas são técnicas refinadas da “máquina de lama”.
Ilze Scamparini — Para o senhor quais são os danos mais comuns e mais nefastos do mau jornalismo?
Umberto Eco —
 São infinitos. A senhora definiu o meu romance como um manual. E, na verdade, chegaram a propor usá-lo como manual nas escolas Jornalismo, para explicar o que não deve ser feito. E os espanhóis querem mesmo trabalhar nesse sentido. Pense, por exemplo, nas práticas que, aparentemente, são corretas, a edição. Assim, um jovem mata a namorada em Belo Horizonte. Um outro mata a mulher em São Paulo. Um outro mata a amante em Salvador. São três fatos estatisticamente, num país grande como o Brasil, estatisticamente bem normais. Se todos são postos na mesma página, cria-se um alarme. Se, além disso, todas essas pessoas são, digamos, da mesma cor, são negros. Então, cria-se, de fato, uma perseguição racial. Simplesmente colocando as notícias na mesma página. Então, são técnicas que, algumas vezes, estão arraigadas. Porque vêm naturalmente para os jornalistas. Três notícias bem parecidas são postas uma ao lado da outra. Mas se cinco acidentes de carro são postos numa mesma página, quer dizer que tem alguma coisa que não funciona no motor dos carros. Este é um elemento mínimo. Mas onde a gente vê como o jornalismo pode ser perigoso mesmo quando se trabalha corretamente.
Ilze Scamparini — Mas a política dentro da redação. Isso também pode ser uma coisa nefasta? A política, o jornalismo contaminado da política partidária.
Umberto Eco —
 Só existe um tipo de jornal que não é contaminado. É o jornal de partido. Porque se sabe que é um jornal de partido, então se sabe como ler e fazer a filtragem das informações. É claro que cada jornal tem pressão política de todos os tipos. Vai depender de como eles declaram isso. Os grandes jornais americanos, quando tem eleição para presidente, dizem: “Nós apoiamos este.” Ok, estamos entendidos. Na Itália, o problema trágico é que não existem jornais independentes. Todos são, de algum modo, ligados a bancos, indústria etc. Isso é muito grave. Não é tanto a política. Um jornal deve fazer política. Se é um jornal honesto, deixa claro qual é a posição política dele.
Ilze Scamparini — Os mecanismos revelados pelo livro poderiam ser aplicados em outros países?
Umberto Eco —
 Cabe aos outros países decidirem.
Ilze Scamparini — O empresário que patrocina o jornal que não será nunca publicado representa alguém especificamente? Sei que é uma pergunta que fazem bastante.
Umberto Eco —
 É uma pergunta que todos me fazem. É Berlusconi? Este comendador Vimercati. Existem tantos senhores Vimercati em Itália e em toda parte. Quem é Murdoch? Quem são os donos de jornais, etc. Então, até Vimercati tende a ser um personagem universal.
Ilze Scamparini — Já que os fatos se ligam também, o que significa Silvio Berlusconi na história italiana?
Umberto Eco —
 Atualmente, não acho que Berlusconi tenha ainda um grande futuro político, por causa da idade, por que a situação é diferente. Ele foi ignorado. Encontrou gente mais esperta que ele. O presidente Renzi é mais esperto que Berlusconi. E ele achava que era mais esperto. Berlusconi representou por vinte anos mais um personagem dotado, realmente, de fascínio para muita gente. É um homem e grande simpatia. De grande poder econômico. E como tinha o controle dos meios de comunicação de massa pode convencer um país inteiro, por quase vinte anos, de um programa inexistente: que ele deveria livrar a Itália do comunismo. Quando o comunismo já havia se liberado sozinho. E já havia acabado. Então, Berlusconi foi um produto típico da sociedade de massa. Representa uma nova forma de populismo, de uma política que tem apelo direto com o povo, ignorando o Parlamento. E sobre populismo, a América Latina tem muito a nos ensinar.
Ilze Scamparini — Uma cultura que, no fim das contas, ele produziu, ainda está em vigor.
Umberto Eco —
 Mas, certamente, o eleitorado de Berlusconi é ainda de senhores entre cinquenta e noventa anos, principalmente, os que veem televisão.
Ilze Scamparini — O senhor escreveu O Nome da Rosa há 35 anos. Até hoje, o livro é um mito absoluto na literatura e muito fundamental na sua vida de escritor. De que maneira aquele romance influenciou sua narrativa desde então?
Umberto Eco —
 Pelo simples fato de que, até aquele momento, por exemplo, tem o fato de que eu nunca havia escrito um romance. Costumo brincar que todos os meus livros anteriores tinham uma sinfonia de Mahler, uma obra de Charlie Parker. Então, a cada vez, a gente procura encontrar novas soluções estilísticas, etc. Simplesmente, me aconteceu a desgraça de ter um grande sucesso com o meu primeiro livro. Sorte seria se o grande sucesso tivesse acontecido no último livro. Tendo sucesso no primeiro livro, e citei Gárcia Marquez, ele pode ter escrito tudo o que quis depois, mas as pessoas só lembravam de Cem Anos de Solidão.
Ilze Scamparini — O senhor o enxerga como uma coisa negativa?
Umberto Eco —
 Sim, porque se eu precisasse escolher entre todos os meus romances qual deveria salvar e jogar fora os outros, escolheria o Pêndulo de Foucault. Essa é uma opinião pessoal. De leitor.
Ilze Scamparini — O Nome da Rosa tem mais de 15 milhões de cópias vendidas. O senhor sabe [o número] ao certo?
Umberto Eco —
 Não se sabe. Alguns dizem quinze. Por quê? Porque a metade do mundo não tinha, naquela época, um acordo para direitos autorais. Na China, podem ter impresso uma centena ou um milhão. Não se sabe. Todo o mundo oriental. Mais da metade são edições piratas. Não pagavam os direitos. Toda a Rússia, o mundo soviético. Não existia um acordo. Então, não se sabia quanto eles tinham vendido. Não pagaram os direitos. Então, não se sabe.
Ilze Scamparini — Um personagem do seu livro Número Zero diz que todos mentem, os jornais, a TV...
Umberto Eco —
 Sempre o Bragaddocio paranoico.
Ilze Scamparini — Bragaddocio, exatamente. Os intelectuais também mentem?
Umberto Eco —
 Essa é a opinião de Bragaddocio.
Ilze Scamparini — Os fenômenos atuais como imigração, terrorismo, racismo, são, volta e meia, vítimas de informações erradas?
Umberto Eco —
 Naturalmente. Todo tipo de racismo, fundamentalismo, quase sempre, se baseia em afirmações falsas. Pense, na realidade, Hitler matou 6 milhões de judeus levando a sério o antigo Protocolo dos Sábios de Sião. É natural que toda forma de crime na história nasce da desinformação orientada.
Ilze Scamparini — Os meios de comunicação ao mesmo tempo que podem combater a censura e defender a democracia podem também produzir coisas danosas a sociedade. O que o senhor acha?
Umberto Eco —
 É como todas as coisas. Os automóveis permitem fazer um monte de coisas boas, mas também explodem nas estradas. Pense na internet, cheia de defeitos. Mas, alguém disse que, se no tempo de Hitler existisse internet, a tragédia não seria possível porque todo o mundo teria tomado conhecimento em cinco minutos. É preciso, como sempre, ver os aspectos positivos e negativos. Eu li uma vez que os mecânicos franceses fizeram uma manifestação contra as leis para diminuir os acidentes na estrada... Com menos acidentes, eles trabalham menos.
Ilze Scamparini — O senhor desencadeou uma forte reação quando foi duro contra uma parte da internet.
Umberto Eco —
 É dar muita importância a uma coisa óbvia. É ou não verdade que no mundo existem muitos imbecis? Me parece que sim. Agora, podemos discutir se são a maioria ou a minoria. Mas existem muitos. No momento em que a internet permite que todos falem, permite que um grande número de imbecis fale. Então, é preciso também saber criticar aquilo que está na rede e pronto. Acho que quem protestou foram eles, os imbecis.
Ilze Scamparini — A paixão pela Idade Média passou ou ainda vai dar frutos?
Umberto Eco —
 Tanto que foram publicados há dois anos todos os meus escritos sobre a idade média que chegaram a 1.500 páginas. Foi sempre o período que mais me interessou. Se ainda dará frutos, eu não sei. Como o que vou trabalhar nos próximos anos ou se ainda estarei vivo nos próximos anos. Mas, de qualquer forma, já separei uma ótima série de estudo.
Ilze Scamparini — O senhor escreveu uma bela homenagem para Haroldo de Campos quando ele morreu. Que relação o senhor teve com os poetas concretistas?
Umberto Eco —
 Quando a gente nem se conhecia ainda, eles se ocupavam das mesmas coisas que eu e outros colegas, a semiótica de Peirce e outras coisas. Por isso, quando cheguei pela primeira vez ao Brasil... Além disso, através de um colóquio , quem me convidou foi o Décio Pignatari, eu imediatamente me encontrei com Haroldo e Augusto de Campos, em todo aquele ambiente. Havia um lugar que se chamava João Sebastião Bar. Então, me tornei muito amigo de Haroldo. Não é só isso. Eu tinha publicado... Eu fui ao Brasil acho que em 1963. Eu havia publicado, em 1962, Obra Aberta. E Haroldo me mostrou um artigo que ele havia escrito antes de 1962, onde ele falava da Obra Aberta. Nos tornamos, vamos dizer assim, irmãos. Com muitas ideias em comum. Logo, nos mantivemos sempre em contato. E então, através deles, todo o grupo se manteve, conheci um pouco. E assim, a chamada vanguarda brasileira e o mestre deles Oswald de Andrade, etc. E considero, sobretudo, Haroldo de Campos um ótimo tradutor. Ele traduziu “Dante” de uma forma, em português do brasileiro que é, realmente sublime. E ele era uma grande figura.
Ilze Scamparini — O senhor participou ativamente do Grupo 63, neovanguardista que negava, violentamente, a trama na literatura. Mas o que aconteceu com a sua narrativa, que recupera a centralidade da trama?
Umberto Eco —
 Aconteceu que já em 1965 — ou seja, o grupo se chamava 63 porque fez a primeira reunião em 1963. Mas já em 1965, teve um encontro onde dissemos que tudo bem, que era preciso retornar à narrativa. Uma outra narrativa, diferente daquela do tempo de Robbe-Grillet, o novo romance e toda essa forma nova de narrativa. A verdade é que aquilo que mais tarde foi chamado de Modernismo chegou à página branca, ao quadro monocromático, à cena vazia, ao silêncio musical. Ou seja, alcançou um ponto de destruição da linguagem anterior...
Ilze Scamparini — Que era necessário voltar atrás.
Umberto Eco —
 Ou então, não se poderia. Depois do quadro branco, não se podia fazer nada a mais ou a menos. Então, houve um retorno, no sentido de revisitar as formas tradicionais e modo irônico, meta-linguagem, e tantas coisas sobre as quais podemos falar. Eu acredito que não poderia ter escrito os meus romances se não tivesse passado pela experiência do Grupo 63.
Ilze Scamparini — O senhor afirmou que Tomás de Aquino, milagrosamente, o ajudou a curar-se da fé. O que restas, professor, apenas a fé no homem?
Umberto Eco —
 Não disse isso...
Ilze Scamparini — Não? É um outro caso de mau jornalismo?
Umberto Eco —
 Eu disse que, gradativamente, comecei os estudos de São Tomás enquanto era um crente e terminei porque já estava abandonando a fé. Não porque havia sido inspirado por São Tomás. Mas também porque, mesmo quando se faz um trabalho histórico, objetivo, sobre este personagem, projetei o mundo dele à distância para observar com o olhar crítico da história. Não era mais o meu mundo. Era o mundo dele. Mas não é culpa dele. Estive há pouco tempo no quarto onde ele morreu, em Fossanova. Participei de um congresso sobre a vida de São Tomás e continuo fascinado pelo gorducho.
Ilze Scamparini — E como o senhor, um autor de um estudo sobre Tomás de Aquino, estudioso dos meios de comunicação, vê um Papa comunicador como Francisco?
Umberto Eco —
 Bem, eu o vejo como extrema simpatia. Não por acaso é um jesuíta sul-americano. E não é argentino, é paraguaio. Eram os jesuítas das missões, dos seiscentos, que armaram os índios contra os espanhóis. Para mim, é assim. Ele veio deste mundo ali. Não dos jesuítas reacionários franceses dos oitocentos. Mas dos jesuítas um pouco revolucionários, paraguaios, dos seiscentos. E, então, assim nasce esse personagem bastante singular.
Ilze Scamparini — Um papa um pouco laico, não?
Umberto Eco —
 Em suma...
Ilze Scamparini — Mais que os outros...
Umberto Eco —
 Ele não tem uma visão de talibã.

Noam Chomsky sobre os propósitos da grande mídia empresarial, ou Quarto Poder



Noam Chomsky é linguista, filósofo e militante progressista, sendo o maior pensador da esquerda norte-americana. Professor emérito do MIT.

domingo, 26 de julho de 2015

O Judiciário no Brasil, segundo o Professor Fábio Konder Comparato (Parte I)



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 Imagem: Antonio ParreirasJulgamento de Filipe dos Santos (1936)

Em estudo especial, um grande jurista brasileiro traça história de um poder submisso às elitescorrupto em sua essência e comprometido secularmente com a Injustiça


Por Fábio Konder Comparato Professor de Filosofia do Direito e Professor emérito da USP

 Artigo Extraído do site Outras Palavras

O estudo será publicado em três partes (para ver a parte II, clique aqui. Para a parte final, aqui)
“A quem há de ser atribuída no Estado a função jurisdicional? Em razão do que, devem os titulares desse poder exercê-lo? É admissível que os órgãos judiciários atuem sem controles? A resposta a tais perguntas fundamentais não pode ser feita no plano puramente teórico, sem uma análise concreta da realidade social em que se insere a organização política. Este artigo busca definir, com base nesses elementos estruturantes, a característica própria da realidade social brasileira nos cinco séculos de sua formação histórica, para poder compreender, em seguida, a atuação dos órgãos judiciários dentro desse amplo contexto social, e concluir com uma proposta de mudança em função do bem comum.”
Assim resume seu estudo sobre o poder judiciário brasileiro o professor Fábio Konder Comparato, professor titular de Filosofia do Direito e professor emérito da USP, doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. Autor de vários livros, entre eles Muda Brasil – um projeto de Constituição, de 1987, com uma das primeiras propostas de regulação da mídia no país, Konder Comparato é reconhecido pela defesa da democracia e dos direitos humanos. Atuou em causas importantes da vida do país: foi um dos advogados de acusação no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor e autor de uma das ações populares contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce; criticou várias vezes a criminalização do MST e em 2009, ao lado da professora Maria Vitória Benevides, veio a público contra um editorial da Folha de S.Paulo que definiu como “ditabranda” a ditadura militar brasileira.
Ao dar um panorama da história brasileira da perspectiva do sistema judiciário, este estudo lança luz no poder talvez mais obscuro do tripé que governa a República. Aquele que, em sua máxima instância – o Conselho Nacional de Justiça –, não é submetido a controle algum.
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A função judiciária é essencial a toda organização política. Foi a partir da instituição dos juizados reais na Baixa Idade Média, garantindo paz e justiça às populações mais pobres, exploradas pelos barões feudais e menosprezadas pelas autoridades eclesiásticas, que nasceu e pôde desenvolver-se o Estado moderno.[3]
Em assim sendo, não se pode deixar de indagar: – A quem há de ser atribuída no Estado a função jurisdicional? Em razão do que, devem os titulares desse poder exercê-lo? É admissível que os órgãos judiciários atuem sem controles?

A resposta a tais perguntas fundamentais não pode ser feita no plano puramente teórico, sem uma análise concreta da realidade social em que se insere a organização política. Tal realidade define-se, essencialmente, por dois fatores intimamente relacionados: de um lado, a estrutura efetiva (e não apenas oficial) de poder dentro da sociedade; de outro lado, a mentalidade coletiva vigente, entendendo-se como tal o conjunto dos valores éticos predominantes no meio social. No Estado contemporâneo, notadamente no quadro da civilização capitalista, a mentalidade coletiva passou a ser moldada decisivamente pelo grupo social detentor do poder supremo, em função de seus próprios interesses.
Comecemos, pois, por tentar definir, com base nesses elementos estruturantes, a característica própria da realidade social brasileira nos cinco séculos de sua formação histórica, para poder compreender, em seguida, a atuação dos órgãos judiciários dentro desse amplo contexto social, e concluir com uma proposta de mudança em função do bem comum.
O Dualismo Estrutural da Sociedade Brasileira
Desde os primeiros decênios da colonização portuguesa, a sociedade aqui organizada apresentou um caráter dúplice: por trás do mundo jurídico oficial, protocolarmente respeitado, sempre existiu uma realidade de fato bem diversa, em geral oculta aos olhares externos, realidade essa em tudo conforme aos interesses próprios dos titulares do poder efetivo.
Estes últimos, ao longo de nossa evolução histórica, formaram uma parelha, constituída pela aliança dos potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais. Os componentes desse casal político, desde o início da empresa colonizadora – pois a colonização do Brasil, como bem salientou Caio Prado Jr.,[4]teve um caráter nitidamente mercantil – buscaram, antes de tudo, realizar seus próprios interesses e nunca o bem comum do povo. Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, publicada originalmente em 1627, assinalou esse fato com palavras candentes: “Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.[5]
Na verdade, esse conúbio empresarial-estatal, bem ao contrário do que sustenta a ideologia do liberalismo econômico, é da essência do sistema capitalista. Como disse o grande historiador Fernand Braudel, que lecionou na Universidade de São Paulo logo após a sua fundação, e estudou em profundidade a história da civilização capitalista nos séculos XV a XVIII, [6] com particular atenção à economia brasileira, “o capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”. [7] Ora, desde o início da colonização, o Brasil foi dotado de uma estrutura de poder e de uma mentalidade coletiva marcadas pelo “espírito capitalista” de que falou Max Weber.
Em consequência, nunca existiu, no seio de nossos grupos dominantes, uma clara consciência do patrimônio público: os recursos estatais, mesmo quando oriundos de tributos, sempre foram tidos como uma espécie de ativo patrimonial da sociedade de fato, formada pelos empresários privados e os agentes estatais. De onde decorreu o fato de a corrupção só dar ensejo à abertura de processo penal quando de pequeno montante. Para os grandes corruptos – pelo menos até bem pouco tempo, e fora da Administração Central! – sempre prevaleceu o velho costume da impunidade. Ou seja, suje-se gordo! como ilustrou Machado de Assis em conto famoso de Relíquias de Casa Velha.
Outro fator decisivo, na consolidação da estrutura de poder e na formação do caráter nacional brasileiro, foi a persistência legal do sistema de trabalho escravo durante quase quatro séculos. Importa salientar que a prática do escravismo não se limitou ao setor empresarial, à época fundamentalmente agrícola, mas abrangeu também, de modo amplo, o meio urbano, a vida doméstica e a própria Igreja Católica. Como assinalou o Visconde de Cairu em carta a um amigo, datada de 1781, “é prova de extrema mendicidade o não ter um escravo”.
Dentre os vários efeitos sociopolíticos engendrados pela escravidão no Brasil, dois merecem destaque.
Em primeiro lugar, a não-aceitação, na mentalidade coletiva e nos costumes sociais, do princípio de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos”, como proclama o Artigo Primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A desigualdade social, com a qual nos defrontamos todos os dias, raramente nos escandaliza; ela aparece, ao contrário, como algo inerente à própria natureza humana.Luciano Figueiredo, Casa da Palavra, 2013, pp. 254/255.
No campo político, predomina a convicção de que o poder só pode ser eficientemente exercido pela camada superior da população, a mal chamada elite, e que a soberania popular, expressa logo no primeiro artigo de nossa atual Constituição, é mero ideal retórico. Ainda aí, como se vê, vigora a duplicidade de ordenamentos jurídicos, figurando o oficial como simples fachada do edifício público, em cujo interior – oculto aos olhares externos – a vida se organiza de forma bem diversa.
O segundo efeito grave do escravismo na organização da sociedade brasileira é a tolerância com o abuso de poder, público ou privado, velha herança da imunidade criminal de que sempre gozaram os grandes senhores de escravos. Os excessos ou abusos de poder são considerados fatos normais. Como bons exemplos dessa anomalia institucionalizada, basta lembrar a ausência de punição dos agentes estatais, responsáveis pelas inúmeras atrocidades cometidas sistematicamente durante a ditadura getulista e o regime empresarial-militar instaurado em 1964. Em ambos esses casos paradigmáticos, com o objetivo de “virar a página” ao término do regime de exceção, os oligarcas lançaram mão do instituto da anistia, com o beneplácito do Judiciário.
Posição do Judiciário no Contexto da Realidade Social Brasileira
O corpo de magistrados, entre nós, sempre integrou de modo geral os quadros dos grupos sociais dominantes, partilhando integralmente sua mentalidade, vale dizer, suas preferências valorativas, crenças e preconceitos; o que contribuiu decisivamente para consolidar a duplicidade funcional de nossos ordenamentos jurídicos nessa matéria. Ou seja, nossos juízes sempre interpretaram o direito oficial à luz dos interesses dos potentados privados, mancomunados com os agentes estatais, como se passa a expor.
Brasil colônia
Durante todo o período colonial, como as cidades no interior do território eram pouco numerosas e muito afastadas umas das outras, as autoridades judiciárias jamais puderam exercer, efetivamente, suas funções nas vastas áreas onde se estendia sua jurisdição. A consequência natural foi que a administração da justiça coube, inevitavelmente, aos poderosos do sertão, os quais detinham os postos de coronéis ou capitães-mores da milícia. Unia-se, assim, a força militar com o poderio econômico, o que fazia da administração da justiça uma verdadeira caricatura.
Os conselheiros do Rei, em Lisboa, procuraram corrigir essa distorção no final do século XVII, editando várias medidas, entre as quais a limitação do tempo de exercício da função militar de capitão-mor e a nomeação de juízes ordinários, em princípio não sujeitos ao poder dos grandes proprietários rurais. Evidentemente, tais medidas não produziram efeito algum, quando mais não fosse porque era impossível encontrar no sertão pessoas alfabetizadas em número suficiente para exercer as funções de magistrados. Levada essa questão ao conhecimento dos conselheiros da Coroa, responderam estes que pouco importava fossem os magistrados analfabetos, contanto que seus auxiliares imediatos soubessem ler e escrever…[8]
Na verdade, foi o forte vínculo de parentesco ou compadrio dos magistrados locais com as famílias de mor qualidade, que levou à criação dos juízes de fora. Como esclareceu em 1715 o Marquês de Angeja, Vice-Rei do Brasil, com essa nova espécie de magistrados procurava-se impedir que os juízes locais “permitissem aos culpados de prosseguir em seus crimes, em razão de parentesco ou deferência”.[9]Isto, sem falar no fato costumeiro de vários juízes tornarem-se fazendeiros ou comerciantes, apesar da incompatibilidade legal do desempenho de funções oficiais com o exercício de uma atividade econômica privada, quer em seu próprio nome, quer por intermédio de parentes ou amigos.
Como instâncias de recurso judiciário, mas exercendo também funções administrativas, tivemos inicialmente os donatários, em seguida os capitães-mores e os capitães-generais, e finalmente o Governador-Geral, depois denominado Vice-Rei. Em seguida, foram criados, com competência recursal e de corregedoria sobre os juízes de primeira instância, os ouvidores de comarca, e acima destes os ouvidores gerais, todos nomeados pelo Rei.  Nos séculos XVII e XVIII, fundaram-se, respectivamente na Bahia e no Rio de Janeiro, dois Tribunais da Relação, com competência revisional em última instância, tribunais esses cujo presidente nato era o Governador Geral, depois Vice-Rei.
Nenhum desses órgãos judiciários superiores, porém, pôde exercer o necessário controle dos atos das autoridades administrativas. Era mesmo costume que os Governadores, na qualidade de presidentes dos Tribunais da Relação, procurassem se conciliar as boas graças dos desembargadores, acrescentando aos ordenados destes, gratificações extraordinárias denominadas propinas.[10]E quanto à fiscalização que devia ser exercida pelo Conselho Ultramarino sobre o conjunto dos altos funcionários aqui em exercício, ela sempre deixou muito a desejar, pois até o século XVIII havia uma só viagem marítima oficial por ano entre Lisboa e o Brasil.
É de se lembrar, aliás, que o primeiro Ouvidor-Geral a exercer suas funções no Brasil, o Desembargador Pero Borges, aqui chegado com Tomé de Souza em 1549, tinha um passado funcional pouco limpo. Em 1547, ele foi condenado a devolver à Fazenda Régia o dinheiro que desviara das obras de construção de um aqueduto, de cuja supervisão fora encarregado, em sua qualidade de Corregedor de Justiça em Elvas, no Alentejo. A mesma sentença suspendeu-o por três anos do exercício de cargos públicos. No entanto, em 17 de dezembro de 1548 o Rei o nomeou Ouvidor-Geral no Brasil, ou seja, a maior autoridade judiciária abaixo do Governador-Geral. Vale dizer: para o exercício de cargos públicos nesta terra as condenações penais anteriores de nada contavam.[11]
Para nos darmos conta da generalidade dos casos de prevaricação de magistrados no período colonial, basta ler alguns ofícios de presidentes dos Tribunais da Relação da Bahia e do Rio de Janeiro no século XVIII.
Em 22 de janeiro de 1725, por exemplo, Vasco Fernandes César de Menezes escreveu da Bahia ao Rei de Portugal nos seguintes termos:
“Senhor – Pelo Conselho Ultramarino dou conta a V. Majestade do mal que procedem os Ouvidores do Ceará, Paraíba, Alagoas, Sergipe del Rei, Rio de Janeiro e São Paulo, e das desordens e excessos que se veem todos estes povos tão consternados e oprimidos, que justamente se fazem dignos de que a grandeza e piedade de V. Majestade lhes não dilate o remédio para que, com a dilatação dele não padeçam a última ruína ou precipício a que continuamente os provoca a crueldade e tirania destes bacharéis, que nenhum faz caso deste governo e muito menos desta Relação.” [12]
Por sua vez, em 21 de junho de 1768 o Marquês do Lavradio, na qualidade de Governador e Capitão-General da Capitania da Bahia de Todos os Santos, enviou ofício ao Vice-Rei Conde de Azambuja no Rio de Janeiro, no qual, entre outros fatos relata:
“O Corpo da Relação achei-o no estado que V. Excia. sabe a grande liberdade que eles se tinham tomado uns com os outros o interesse público, que eles costumavam tomar nos negócios particulares, em que eles estavam sendo juízes, finalmente a falta de gravidade com que estavam em um lugar tão respeitoso, tudo me tem obrigado a não faltar um só dia em ir presidir a Relação, donde me tem sido por várias vezes necessário mostrar-lhes ou dizer-lhes o modo com que devem conduzir-se, e a resolução em que estou de o não consertar diferentemente. Tenho o gosto de que já hoje há menos disputas naquele lugar, não embaraçam uns os votos dos outros, e procuram favorecer os seus afilhados com mais modéstia, ao menos com um tal rebuço, que é necessário bastante cuidado para se descobrir os seus afilhados particulares; porém, é certo que ainda os há, não considero que estes se acabem enquanto persistirem alguns dos Ministros que aqui se conservam.” [13]
Da mesma forma, em ofício enviado em 1767 ao Secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, o Vice-Rei do Brasil, Conde da Cunha, assim se referiu ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro:
“Os ministros desta Relação, que deviam concorrer para a boa harmonia do mesmo tribunal e para a boa arrecadação da Real Fazenda, uniram-se ao chanceler João Alberto Castelo Branco, para protegerem homens indignos, e outros devedores de quantias graves à Real Fazenda; estes procedimentos foram tão excessivos que até na mesma Relação e fora dela fizeram algumas desatenções ao procurador da Coroa.” [14]
Nenhuma surpresa, por conseguinte, se desde cedo entre nós, na maior parte dos casos, o serviço judiciário existiu não para fazer justiça, mas para extorquir dinheiro. No famoso Sermão de Santo Antônio Pregando aos Peixes, [15] o Padre Vieira denuncia o fato em palavras candentes:
“Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos, ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o Meirinho, come-o o Carcereiro, come-o o Escrivão, come-o o Solicitador, come-o o Advogado, come-o o Inquiridor, come-o a Testemunha, come-o o Julgador, e ainda não está sentenciado e já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.”
Notas
[1]Estudo em homenagem ao Professor e Magistrado Enrique Ricardo Lewandowski.
[2]Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.
[3]Veja-se, a propósito, o estudo de Joseph R. Strayer, On the Origins of the Modern State, Princeton University Press, 1970, pp. 38 e ss.
[4]Formação do Brasil Contemporâneo, primeira edição em 1942.
[5]Capítulo segundo do Livro Primeiro.
[6]Cf. a obra em três volumes Civilisation matérielle, Économie et Capitalisme, Paris, Armand Colin, 1979.
[7]La dynamique du capitalisme, Flammarion, Paris, 2008, pág. 68.
[8]Sobre todo esse assunto, cf. C. R. Boxer, The Golden Age of Brazil – 1695/1750, University of California Press, 1962, pp. 209, 306 e ss.
[9] Cf. Stuart B. Schwartz, SoveReignty and Society in Colonial Brazil – The High Court of Bahia and its Judges, 1609-1751, University of California Press, 1973, pp. 257/258 ; 275 e ss.
[10]Stuart B. Schwartz, op. cit., p. 272.
[11]Cf. Eduardo Bueno, Ficha Suja, in História do Brasil para Ocupados, organização de Luciano Figueiredo, Casa da Palavra, 2013, pp. 254/255.
[12]Citado por Braz do Amaral, em notas e comentários às cartas de Luís dos Santos Vilhena, editadas sob o título A Bahia no Século XVIII,vol. II, Editora Itapuã – Bahia, 1969, pp. 358/359.
[13]Marquês do Lavradio, Cartas da Bahia 1768-1769, Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, 1972, pág. 20.
[14]Apud Arno Wehling e Maria José Wehling, Direito e Justiça no Brasil Colonial – O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808), Renovar (Rio de Janeiro, São Paulo e Recife), 2004, pág. 310
[15] Pregado em São Luís do Maranhão em 1654.
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Publicado a partir dos Cadernos IHU ideias