Páginas

domingo, 30 de novembro de 2014

Os Valores em uma economia baseada no poder econômico pós-Crise neliberal, segundo Frei Betto




Escrito por Frei Betto



A crise financeira desencadeada a partir de setembro de 2008 exige, de todos, profunda reflexão e mudança de atitudes. Ela encerra uma crise mais profunda: a do modelo civilizatório. O que se quer: um mundo de consumistas ou um mundo de cidadãos?

 Frente às oscilações do mercado agiram os governos. A mão invisível foi amputada pelos fatos. A destrambelhada desregulamentação da economia requereu a ação regulamentadora dos governos. O mercado, entregue a si mesmo, entrou em parafuso e perdeu de vista os valores éticos para se fixar apenas nos valores monetários. Foi vítima de sua própria ambição desmedida.

 A crise nos impõe, hoje, mudanças de paradigmas. O que significa a robustez dos bancos diante da figura esquálida de 1 bilhão de famintos crônicos? Por que, nos primeiros meses, os governos do G8 destinaram cerca de US$ 1,5 trilhão (até hoje, já são US$ 18 trilhões) para evitar o colapso do sistema financeiro capitalista e apenas (prometeram em L’Aquila, ainda não cumpriram) US$ 20 bilhões para amenizar a fome no mundo?

 O que se quer salvar: o sistema financeiro ou a humanidade?

 Uma economia centrada em valores éticos tem por objetivo, em primeiro lugar, a redução das desigualdades sociais e o bem-estar de todas as pessoas. Sabemos que, hoje, mais de 3 bilhões – quase metade da humanidade – vivem abaixo da linha da pobreza. E 1,3 bilhão abaixo da linha da miséria. A falta de alimentação suficiente ceifa, por dia, a vida de 23 mil pessoas. E 80% da riqueza mundial encontram-se concentradas em mãos de apenas 20% da população do planeta.

Sem alterar esse panorama a humanidade caminhará para a barbárie. Os governos deveriam estar mais preocupados com o crescimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do que com o aumento do PIB (Produto Interno Bruto). O que importa, hoje, é a FIB (Felicidade Interna Bruta). As pessoas, em sua maioria, não querem ser ricas, querem ser felizes.

A crise nos faz perguntar: que projeto de sociedade legaremos às futuras gerações? Para que servem tantos avanços científicos e tecnológicos se a população não conta com serviços de saúde acessíveis e eficazes; educação gratuita e de qualidade; transporte público ágil; saneamento básico; moradia decente; direito ao lazer?

Não é ético e, portanto, humano, um sistema que privilegia o lucro privado acima dos direitos comunitários; a especulação à frente da produção; o acesso ao crédito sem o respaldo da poupança. Não é ético um sistema que cria ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados.

Uma ética para o mundo pós-crise tem como fundamento o bem comum acima das ambições individuais; o direito de o Estado regular a economia e assegurar a toda a população os serviços básicos; o cultivo dos bens infinitos, espirituais, mais importante que o consumo de bens finitos, materiais.

A ética de um novo projeto civilizatório incorpora a preservação ambiental ao conceito de desenvolvimento sustentável; valoriza as redes de economia solidária e de comércio justo; fortalece a sociedade civil organizada como normatizadora da ação do poder público.

O velho Aristóteles já ensinava que o bem maior que todos buscamos – até ao praticar o mal – não se encontra à venda no mercado: a própria felicidade. Ora, o mercado, não tendo como transformar este bem num produto comercializável, procura nos incutir a convicção de que a felicidade resulta da soma dos prazeres. Ilusão que provoca frustração e dilata o contingente de fracassados espirituais reféns de medicamentos antidepressivos e drogas oferecidas pelo narcotráfico.

O pior de uma crise é nada aprender com ela. E, no esforço de amenizar seus efeitos, não se preocupar em suprimir suas causas. Talvez as religiões não tenham respostas que nos ajudem a encontrar novos valores para o mundo pós-crise. Mas com certeza a tradição espiritual da humanidade tem muito a dizer, pois é na espiritualidade que a pessoa se enxerga e se mede. Ou, na falta dela, se cega e se atola. O ser humano tem sede de Absoluto.

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Faço apenas um passeio socrático." Diante de olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Apenas observo quanta coisa existe que não preciso para ser feliz".

PS: texto escrito a pedido do Fórum Econômico Mundial, 2010, de Davos.

Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Leonardo Boff e o novo Paradigma que se esforça para emergir em meio às reações do capitalismo e do fundamentalismo

Segue texto de Leonardo Boff, retirado de seu blog:

Características do novo paradigma cosmológico emergente



Criança geopolítica assistindo ao nascimento do Novo Homem. Pintura de Salvador Dali

Muito se fala hoje de quebra de paradigmas. Mas há um grande paradigma, formulado já há quase um século, que oferece uma leitura unificada do universo, da história e da vida. Ousamos apresentar algumas figuras de pensamento que o caracterizam.

1) Totalidade/diversidade: o universo, o sistema Terra, o fenômeno humano estão em evolução e são totalidades orgânicas e dinâmicas construídas pelas redes de interconexões das múltiplas diversidades. Junto com a análise que dissocia, simplifica e generaliza, faz-se mister síntese pela qual fazemos justiça a esta totalidade. É o holismo, não como soma, mas como a totalidade das diversidades orgânicamente interligadas.

2) Interdependência/re-ligação/autonomia relativa: todos os seres estão interligados pois um precisa do outro para existir e coevoluir. Em razão deste fato há uma solidariedade cósmica de base que impõe limites à seleção natural. Mas cada um goza de autonomia relativa e possui sentido e valor em si mesmo.

3) Relação/campos de força: todos os seres vivem numa teia de relações. Fora da relação nada existe. Junto com os seres em si, importa captar a relação entre eles. Tudo está dentro de campos pelos quais tudo tem a ver com tudo.                                                              

4) Complexidade/interioridade: tudo vem carregado de energias em diversos graus de intensidade e de interação. Matéria não existe. É energia altamente condensada e estabilizada e quando menos estabilizada como campo energético. Dada a interrelacionalidade entre todos, os seres vem dotados de informações cumulativas, especialmente os seres vivos superiores, portadores do código genético. Este fenômeno evolucionário vem mostrar a intencionalidade do universo apontando para uma interioridade, uma consciência  supremamente complexa. Tal dinamismo faz com que o universo possa ser visto como uma totalidade inteligente e auto-organizante. Quanticamente o processo é indivisível mas se dá sempre dentro da cosmogênese como processo global de emergência de todos os seres. Esta compreensão permite colocar a questão de um fio condutor que atravessa a totalidade do processo cósmico que tudo unifica, que faz o caos ser generativo e a ordem sempre aberta a novas interações (estruturas dissipativas de Prigogine). A categoria Tao, Javé e Deus heuristicamente poderiam preencher este significado.

4) Complementariedade/reciprocidade/caos: toda a realidade se dá sob a forma de partícula e onda, de energia e matéria, ordem e desordem, caos e cosmos e, a nível humano, da forma de sapiens e de demens. Tal fato não é um defeito, mas a marca do processo global. Mas são dimensões complementares.

5) Seta do tempo/entropia: tudo o que existe, pre-existe e co-existe. Portanto a seta do tempo confere às relações um caráter de irreversibilidade. Nada pode ser compreendido sem uma referência à sua história relacional e ao seu percurso temporal. Ele está aberto para o futuro. Por isso nenhum ser está pronto e acabado, mas está carregado de potencialidades. A harmonia total é promessa futura e não celebração presente. Como bem dizia o filósofo Ernst Bloch: “o gênesis está no fim e não no começo”. A história universal cái sob a seta termodinâmica do tempo, quer dizer: nos sistemas fechados (os bens naturais limitados da Terra) deve-se tomar em conta a entropia ao lado da evolução temporal. As energias vão se dissipando inarredavelmente e ninguém pode nada contra elas. Mas o ser humano pode prolongar as condições de sua vida e do planeta. Como um todo, o universo é um sistema aberto que se auto-organiza e continuamente transcende para patamares mais altos de vida e de ordem. Estes escapam da entropia (estruturas dissipativas de Prigogine) e o abrem para a dimensão de Mistério de uma vida sem entropia e absolutamente dinâmica.

6) Destino comum/pessoal: Pelo fato de termos uma origem comum e de estamos todos interligados, todos temos um destino comum num futuro sempre em aberto. É dentro dele que se deve situar o destino pessoal e de cada ser, já que em cada ser culmina o processo evolucionário. Como será este futuro e qual seja o nosso destino terminal caem no âmbito do Mistério e do imprevisível.

7) Bem com cósmico/bem comum particular: O bem comum não é apenas humano mas de toda a comunidade de vida, planetária e cósmica. Tudo o que existe e vive merece existir, viver e conviver. O bem comum particular emerge a partir da sintonia com a dinâmica do bem comum universal.

8) Criatividade/destrutividade: O ser humano, homem e mulher, no conjunto dos seres relacionados e das interações, possui sua singularidade: é um ser estremamente complexo e co-criativo porque intervem no ritmo da natureza. Como observador está sempre inter-agindo com tudo o que está à sua volta e esta inter-ação faz colapsar a função de onda que se solidifica em partícula material (princípio de indeterminabilidade de Heisenberg). Ele entra na constituição do mundo assim como se apresenta, como realização de probabilidades quânticas (partícula/onda). É também um ser ético porque pode pesar os prós e os contras, agir para além da lógica do próprio interesse e em favor do interesse dos seres mais débeis, como pode também agredir a natureza e dizimar espécies (nova era do antropoceno).

9) Atitude holístico-ecológica/antropocentrismo: A atitude de abertura e de inclusão irrestrita propicia uma cosmovisão radicalmente ecológica (de panrelacionalidade e re-ligação de tudo), superando o histórico antropocentrismo. Favorece outrossim sermos cada vez mais singulares e ao mesmo tempo, solidários, complementares e criadores. Destarte estamos em sinergia com o inteiro universo, cujo termo final se oculta sob o véu do Mistério situado no campo da impossibilidade humana.

10) O possível se repete. O impossível acontece: o Mistério.

domingo, 16 de novembro de 2014

"O Homem Capitalista" - Crítica ao capitalismo em desenho animado, seguido das reflexões de Leonardo Boff



 Segue uma inteligente e incisiva animação, criada pelo brasileiro Marlon de Souza, intitulada Homem Capitalista, que resume o ganância e a destrutividade deste sistema, efetuada por uma elite que maquia sua irracionalidade com o uso da força, da mídia, da hipocrisia. Logo após o vídeo, recente e esclarecedor texto de Leonardo Boff sobre a mesma temática.



Se conhecéssemos os sonhos do homem branco…


texto de Leonardo Boff


A crise econômico-financeira que está afligindo grande parte das econonomias mundiais criou a possibilidade de os muito ricos ficarem tão ricos como jamais na história do capitalismo, logicamente à custa da desgraça de países inteiros como a Grécia, a Espanha e outros e de modo geral toda a zona do Euro, talvez com uma pequena exceção, da Alemanha.

Ladislau Dowbor ( http://dowbor.org)., professor de economia da PUC-SP resumiu um estudo do famoso Instituto Federal Suiço de Pesquisa Tecnológica (ETH) que por credibilidade concorre com as pesquisas do MIT de Harvard. Neste estudo se mostra como funciona a rede do poder corporativo mundial, constituída por 737 atores principais que controlam os principais fluxos financeiros do mundo, especialmente, ligados aos grandes bancos e outras imensas corporações multinacionais. Para esses, a atual crise é uma incomparável oportunidade de realizaram o sonho maior do capital: acumular de forma cada vez maior e de maneira concentrada.

O capitalismo realizou agora o seu sonho possivelmente o derradeiro de sua já longa história. Atingiu o teto extremo. E depois do teto? Ninguém sabe. Mas podemos imaginar que a resposta nos virá não de outros modelos de produção e consumo mas da própria Mãe Terra, de Gaia, que, finita, não suporta mais um sonho infinito. Ela está dando claros sinais antecipatórios, que no dizer do prêmio Nobel de medicina Christian de Duve (veja o livro Poeira Vital: a vida com imperativo cósmico, 1997) são semelhantes àqueles que antecederam às grandes dizimações ocorridas na já longa história da vida na Terra (3,8 milhões de anos). Precisamos estar atentos, pois os eventos extremos que já vivenciamos nos apontam para eventuais catástrofes ecológico-sociais ainda na nossa geração.

O pior disso tudo que nem os políticos, nem grande parte da comunidade científica e mesma da população se dá conta dessa perigosa realidade. Ela é tergiversada ou ocultada, pois é demasiadamente anti-sistêmica. Obrigar-nos-ia a mudar, coisa que poucos almejam. Bem dizia Antonio Donato Nobre num estudo recentíssimo (2014) sobre O futuro climático da Amazônia: ”A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe, (as grande secas que virão) estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas e plantando árvores em sua propriedade”.

Falta-nos um sonho maior que galvanize as pessoas para salvar a vida no Planeta e garantir o futuro da espécie humana. Morrem as ideologias. Envelhecem as filosofias. Mas os grandes sonhos permancecem. São eles que nos guiam através de novas visões e nos estimulam para gestar novas relações sociais, para com a natureza e a Mãe Terra.

Agora entendemos a pertinência das palavras do cacique pele-vermelha Seattle ao governador Stevens, do Estado de Washington em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique não entendia por quê se pretendia comprar a terra. Pode-se comprar ou vender a aragem, o verdor das plantas, a limpidez da água cristalina e o esplendor das paisagens? Para ele, tudo isso é terra e não o solo como meio de produção.

Neste contexto reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o o porquê e a civilização dos brancos “se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que esse transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inversno, e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã”.

Qual é o sonho dominante de nosso paradigma civilizatório que colocou o mercado e a mercadoria como o eixo estruturador de toda a vida social? É a posse de bens materiais, a acumulação financeira maior possível e o desfrute mais intenso que pudermos de tudo o que a natureza e a cultura nos podem oferecer até à saciedade. É o triunfo do materialismo refinado que coopta até o espiritual, feito mercadoria com a enganosa literatura de auto-ajuda, cheia de mil fórmulas para sermos felizes,construída com cacos de psicologia, de nova cosmologia, de religião oriental, de mensagens cristãs e de esoterismo. É enganação para criar a ilusão da felicidade fácil.

Mesmo assim, por todas as partes surgem grupos portadores de nova reverência para com a Terra, inauguram comportamentos alternativos, elaboram novos sonhos de um acordo de amizade com a natureza e creem que o caos presente não é só caótico, mas generativo de um novo paradigma de civilização, que eu chamaria de civilização de re-ligação, sintonizada com a lei mais fundamental da vida e do universo, que é a panrelacionalidade, a sinergia e a complementariedade.

Então teríamos feito a grande travessia para o realmente humano, amigo da vida e aberto ao Mistério de todas as coisas. Ou mudamos ou seguiremos um triste caminho sem retorno.

sábado, 15 de novembro de 2014

A ambientalista e especialista em comércio internacional, a norte-americana Annie Leonard, explica como funciona o sistema linear e destrutivo do capitalismo



Annie Leonard é uma especialista em comércio internacional e ambientalista ativista do Greenpeace. No vídeio Story of Stuff, abaixo e legendado em português, Annie explica como funciona o sistema linear de destruição e alienação do capitalismo.


sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Em dois breves vídeos, Noam Chomsky discute o Darwinismo Social e a visão das "elites" a respeito dos pobres




   Seguem dois curtos vídeos, onde o linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky discute o Darwinismo Social, ou seja, o modo como as ideias de Darwin sobre a sobrevivência do mais forte na natureza são adaptadas pelas "elites" (financeiras, cinetificistas) e poderosos para justificarem todo o tipo de maldade, divisão social e exploração do homem e da natureza. 
   O segundo vídeo, que se liga ao primeiro por consequencia, é uma observação de como pensam as "elites" e poderosos sobre os demais seres humanos, em especial os mais pobres, e que é tãoclaro e cada vez mais explícito nas atitudes de reacinários e "coxinhas", no Brasil. 
  No final, apresentamos um video mais longo, da BBC, sobre Racismo Científico, Darwinismo Social e Eugenia, temas sempre ventilados por elites exclusivistas, fascistas, como ocorreu na Alemanha Nazista e, agora, é mais ou menos ventilado por reacionários no Brasil, até mesmo por certos médicos.

1º Noam Chomsky sobre o Darwinismo Social


2 º Noam Chomsky sobre a visão das elites a respeito dos pobres


3º Documentário da BBS sobre Racismo "Científico", Darwinismo Social e Eugenia


Noam Chomsky, em video, discute o Poder e o Terrorismo em nossos dias


Segue um vídeo extremamente importante onde é efetuada uma análise brilhante da relação entre Poder e terrorismo, a partir dos atentados do 11 de setembro mas abrangendo a questão do imperialismo global, pelo linguista, filósofo e crítico social norte-americano Noam Chomsky:



quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Ligações entre direita, mauricismo, preconceito e o ódio elitista com uma mídia comprometida



Texto de Francilene Brito, extraído do Observatório da Imprensa:

ECOS DA ELEIÇÃO

Preconceito e ódio


Por Francilene Brito em 11/11/2014 na edição 824

Sufrágio é a execução do direito do cidadão escolher seus governantes. Apesar disso, logo após o anúncio oficial da vitória eleitoral da presidente Dilma Rousseff, os ânimos dos veículos dominantes se exaltaram em tal dimensão que a fúria, com insultos aos nordestinos, seria cômica se não viesse da imprensa que, historicamente, sempre reivindicou liberdade, ética e democracia. Liberdade com que, desde a queda da Bastilha, em 1789, profissionais dos meios de comunicação aprenderam a conviver, inclusive respeitando as diferenças individuais, regionais e culturais, como bem mostra o artigo 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem:

I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou racial, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Preceitos também assegurados no artigo 5º da Constituição da República. O que está na base desse ódio midiático, portanto, é um exemplo de como grupos dentro da mídia tendem a olhar e a descrever os outros e a si mesmos. Se, como ensinam os cientistas políticos, a aplicação da democracia não traz privilégios a um determinado grupo específico e nem busca limitar, de qualquer forma, o direito de outrem, mas sim, garantir a liberdade e direitos do coletivo, em nenhuma circunstância um jornalista que se diz profissional deveria dedicar-se à autorrepresentação subjetiva e proferir palavras de natureza preconceituosa e racial pelo fato de não concordar com o resultado do sufrágio eleitoral.

Um exemplo de antidemocracia foi dado pela equipe do programa Manhattan Connection, da Globonews (26/10), cujo discurso de ódio foi tão irracional que os debatedores esqueceram-se de que, dentro dos padrões da ética da comunicação, as emissoras de televisão não devem ser agentes de perturbação social. Segundo Immanuel Kant (1788), ética é uma regra de conduta que só poderá ser aceita se for universal, isto é, se tiver validade tanto para o agente quanto para todos os seres racionais.

Por outro lado, ao referir-se à peculiaridade de um jornalista “puro sangue” (que não é bovino, parafraseando Mainardi), Lourenço Diaféria (1933-2008) o descreveu como alguém que enxerga coisas que outras pessoas não têm condições de observar. Para tanto, dizia o cronista, é necessário, pelo menos, “estar um palmo acima da onda do comum e condições íntimas de misturar-se ao povo, ser pedestre”. O mentor do Manhattan Connection, Lucas Mendes, que há 30 anos mora nos Estados Unidos, quiçá já sofreu discriminação racial, deveria, na hora dos ânimos exaltados, ter dissolvido sua face de cúmplice e mostrado aos assinantes que, em uma emissora de concessão pública, a independência editorial existe para atender à cidadania.

Do direito à liberdade de imprensa

Mais ainda, respaldado no livro O Espírito das Leis, de Montesquieu (1748), em que o direito tem seu limite pelo campo de atuação de outro direito, o jurista Pedro F. V. Caldas (1997) relata que a liberdade de imprensa tem limite interno e limite externo. Aquele é traduzido nas responsabilidades sociais e no compromisso com a ética; este encontra muros justamente nos limites de outros direitos de igual hierarquia constitucional.

Art. 5º, § XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Art. 220,§10 – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Dessa forma, quando ocorre uma antinomia, dois direitos aparecem contrapostos e é importante notar que, em jornalismo, buscar o equilíbrio é um dever ético e profissional. Por isso, implantar ódio racial em cadeia nacional é um desvio de conduta que não faz parte da ética e nem do brio profissional.

***

Francilene Brito é jornalista e doutora em Comunicação e Semiótica

terça-feira, 11 de novembro de 2014

As relações do Neoliberalismo com a neurose de caráter, ganância e corrupção

"No atual capitalismo neoliberal, o ter dinheiro, ou patrimônio, foi deixando de estar atrelado à produção de serviços ou produtos. Com isso, as pessoas deixaram de ser, invertendo a ordem natural da vida, porque o desejo de ter, preferencialmente sem servir ou produzir, explorando quem for possível, virou o grande negócio."

NEUROSE DE CARÁTER, GANÂNCIA E CORRUPÇÃO




Texto de Waldemar Magaldi Filho, analista junguiano e professor

Fonte do texto: Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa, IJEP

Com o advento do dinheiro, aconteceu a monetarização da vida em todos os sentidos. No início, o dinheiro era advindo da produção excedente de uma pessoa ou família, e servia para ser trocado pela produção excedente de outros, evitando assim o transtorno das barganhas de produtos e serviços. Graças a ele a vida ficou mais prática e fácil. Porém, foi surgindo a possibilidade e o desejo de acúmulo do dinheiro, porque ele não era perecível como a maioria dos produtos trocados. 

Com o passar dos tempos algumas pessoas, provavelmente por mérito da criatividade, dedicação e sorte, conseguiram acumular mais, e começaram a usar o serviço ou a produção de outras pessoas com intuito de ficarem com uma parcela do ganho produtivo delas. Outras pessoas foram ficando mais capacitadas e especialistas, oferendo serviços e ou produtos cada vez mais requintados e raros e, consequentemente, mais caros. Neste interim aconteceu o surgimento de grupos de indivíduos que juntaram forças e dinheiro, criando organizações de poder econômico, para tirarem mais lucros dos produtores de bens ou serviços, produzindo a menos valia dos produtores individuais, consolidando as vantagens da produção em escala. Tudo isso fomentou as diferenciações de classes sociais, econômicas, culturais, regionais e raciais, segmentando a sociedade, fortalecendo as minorias dominantes da maioria dominada, com seus subgrupos de excluídos, cada vez mais crescentes.

Paralelamente, no atual capitalismo neoliberal, o ter dinheiro, ou patrimônio, foi deixando de estar atrelado à produção de serviços ou produtos. Com isso, as pessoas deixaram de ser, invertendo a ordem natural da vida, porque o desejo de ter, preferencialmente sem servir ou produzir, explorando quem for possível, virou o grande negócio. Nesta ótica é que surge o mercado, um ente desconhecido e extremamente poderoso, capaz de reger a vida de todos nós, porque é o mercado que define o que presta e o que não presta, o que pode e o que não pode, o que é ético e o que não é ético. Causando um grande problema, porque o mercado segue apenas a lógica do lucro, do poder e do acúmulo. Desejando que a maioria fique na lógica do consumo, da dívida e do trabalho, objetivando o enriquecimento da minoria dominante e escravizando, pelo medo da exclusão econômica, a maioria solitária e pobre, representada pela massa infeliz, com desejo de mudança, mas sem saber o quê e como mudar, por estar condicionada aos desejos materiais e a ganância, como meio de alívio para esse mal estar. Essa é a lógica da desigualdade e, com ela, a dificuldade da mobilidade social.

Aliado a essa dinâmica da desigualdade econômica, perversa e viciosa, temos as questões humanas divididas diante das demandas dos instintos, representada por nosso lado titânico e materialista, e as arquetípicas, representada por nosso lado dionisíaco e anímico. Esta tensão é geradora de angústia e, se não houver uma integração criativa e harmoniosa entre o material e o espiritual, acaba acontecendo a enfraquecimento dos princípios éticos, a corrosão do caráter e a predisposição à corrupção. Esta dualidade intrínseca em cada um de nós, simultaneamente nos faz tentados e tentadores, com medo generalizado em busca da segurança material, porque a segurança espiritual, que é a fé, há muito foi perdida, com a contribuição desta ciência materialista, reducionista e causal. Sem fé e com medo, resta-nos a ilusão do poder e, com ela, perdemos também a capacidade de amar, porque onde um está o outro não pode estar.

Neste contexto é que a ganancia e a corrupção ganham espaço. O escrúpulo perde para o poder econômico, e a fé para a concretude patrimonial. Esse conflito está presente no âmago da nossa sociedade depressiva, fazendo-nos desejosos do gozo advindo dos prazeres imediatos, destroçando o amor e a ética. A verdadeira ética depende da consciência limpa, da boa noite de sono, da alegria e motivação para servir e da disposição para o exercício da alteridade, onde podemos nos ver por meio dos outros. Para isso, é preciso a capacidade de enfrentamento consciente dos episódios de mal-estar, insônia, angústia improdutiva, ansiedade, medos, culpas, ressentimentos ou depressão por meio do autoconhecimento, até compreendermos o que estamos fazendo ou deixando de fazer que esteja gerando esse mal-estar, conscientizados de que importa muito menos o que queremos da vida, do que o que a vida quer de nós! Essa é a grande pergunta! Será que estou servindo ao propósito da minha vida, disseminando a igualdade de possibilidades, a paz e o amor? Para depois que criarmos condições mínimas de igualdade podermos fomentar a liberdade, com ética e autoestima, para não corrermos o risco de voltarmos para a dinâmica do poder pelo poder.

Sabemos que este atual sistema econômico está comprometido, por conta da falta de sustentabilidade. Infelizmente, nosso consumo consome o planeta que está exaurido e muito populoso. Precisamos encontrar outra forma de vida, para diminuir a explosão demográfica, a desigualdade social e o individualismo egoísta, competitivo e cumulativo. Também acredito que a meritocracia é o melhor meio para contemplar quem se dedica, de forma íntegra e harmoniosa. Mas, neste momento, com tanta desigualdade, os pobres coitados que nascem sem condições mínimas de sobrevivência não tem chance de entrar no jogo do neoliberalismo. Por isso, necessitamos de um Estado que intervenha, de forma ética, consciente e não populista, na coibição dos abusos da usura, dos excessos de ganhos das minorias ricas e dominantes, impedindo, fiscalizando, punindo a ganancia, e a corrupção, que é sua parceira, fomentando a inclusão, erradicando as desigualdades, com objetivo de tirar, o mais rápido possível as pessoas da sua dependência, "desmamando-as" dos programas de qualquer tipo de ajuda social. Porque o melhor programa social é aquele em que as pessoas dependam dele o menor tempo possível! 

Por isso, precisamos de muito investimento na educação para aprendermos a consumir sem consumir o planeta e continuar a gerar as desigualdades. A ideia não é tirar as conquistas que as pessoas conseguiram, com dignidade, escrúpulo e ética. O objetivo é o de dar condições para que todos possam ter conquistas com ética, mérito, trabalho e, na medida do possível, tirar daqueles que enriqueceram com corrupção, sem trabalho ou na criminalidade. 

*WALDEMAR MAGALDI FILHO. Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: "Dinheiro, Saúde e Sagrado", coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, PIT - Psicologia Integrativa Transpessoal, Arteterapia e Expressões Criativas do IJEP (www.ijep.com.br) em parceria com a FACIS.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Divulgado partes de um evangelho "perdido", que retoma a proposta de que Jesus e Maria Madelena eram casados


Carlos Antonio Fragoso Guimarães

  Assunto debatido nos primeiros séculos do cristianismo - que, ao contrário do que se pensa, era formado por diferentes comunidades dentro e fora do Império Romano e com diferentes tradições orais e textuais (com escritos em grego, copta e aramaico e elaborados décadas após a cruxificação de Jesus) sobre a vida de Cristo, em grande número de textos em formato de evangelhos, uma grande parte dos quais foram caçados e destruídos após o estabelecimento do cânone oficial -, a antiga associação entre Jesus e Maria Madela como um casal será mais uma vez trazido à baila para a discussão pública,  após a popularização - ou vulgarização, como querem alguns -, do assunto em livros como O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Michael Baigent e outros, ou de O Código Da Vinci, de Dan Brown, no que, mais uma vez, causará polêmica e se dividirá na inspiração para as pessoas que admiram o mestre galileu e no desgosto dos ortodoxos e pretensos detentores exclusivistas da verdade histórica e teológica, sejam católicos ou protestantes. 

  Sem nos atermos aos problemas técnicos e historiográficos, pensamos que o fato de Jesus ter sido ou não casado (ao menos sabemos pelos próprios evangelhos canônicos sinóticos que Pedro, considerado pelos católicos o primeiro Papa, o era, já que Jesus teria curado sua sogra, como relatado em Marcos, 1:29-31; Lucas, 4: 38-41; Mateus, 8:14-15) em nada dinimuiria sua estatura espiritual ou importância ético-moral, embora tal assunto seja motivo de discussões e mesmo brigas bem pouco "cristãs" entre os membros mais superficiais das diversas igrejas e seitas que se considerem baseadas em sua mensagem.

 Agora, um texto, que se afirma datado de mais de 1500 anos e escrito em aramaico ( a língua, derivada  do hebraico, era usada na época de Jesus ), até então esquecido na Biblioteca Britânica, será apresentado oficialmente nesta quarta-feira, dia 12 de novembro, contendo, à semelhança do evangelho gnóstico de Felipe, encontrado em fins dos anos 40 em Nag Hammadi, Egito, a informação não apenas de que Jesus e Maria Madalena eram casados (o que, aliás, seria de se esperar de um pregador ou rabi em uma comunidade judia do século I), como teriam tido ao menos dois filhos. O problema, contudo, ainda está em se estabelecer a procedência do texto e a que comunidade cristã ele pertencia, o que só iremos saber ao certo após a divulgação pública oficial no próximo dia 12.

  Some-se a isso tudo a presença polêmica de Simcha Jacobovici, um "caçador" de polêmicas bíblicas, já conhecido pela suposta "descoberta" de ossoários do século I, que teriam pertencido à família de Jesus. Jacobovici é um dos responsáveis pela tradução e divulgação deste "novo" evangelho e já deve estar em preparativos junto ao Discovery Channel para a elaboração de algum documentário sobre o caso.

  Sobre o assunto, transcrevemos o texto que foi publicado no Notícias Terra:

"Evangelho" perdido diz que Jesus se casou e teve 2 filhos


Manuscrito de mil anos conta que Maria Madalena teria sido a mulher do Messias


Jesus não morreu solteiro.  Pelo menos é o que afirma um novo “Evangelho” escrito há mil anos em aramaico e traduzido recentemente por dois estudiosos, Barrie Wilson e Simcha Jacobovici, que conta que o Messias teria se casado com Maria Madalena e tido dois filhos. As informações são do The Mirror UK. 

Os detalhes do novo livro, descoberto na Biblioteca Britânica, serão revelados em uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira. Mas, segundo os especialistas, o manuscrito afirma que Jesus se casou com Maria Madalena, que aparece em todos os outros Evangelhos da Bíblia, especialmente em momentos importantes da vida de Cristo, como em sua ressurreição.

Ela teria tido dois filhos com ele. E, ao que tudo indica, o novo “Evangelho” cita o nome dos supostos descendentes.

Em alguns livros, como em Lucas, Maria Madalena é descrita como “pecadora”, sendo associada à prostituição. 


O comentarista Bob Fernandes discute a "Revolução" representada por Lobão e Bolsonaro

  Segue o video de mais uma excelente análise do comentarista político da TV Gazeta, Bob Fernandes, sobre a reação inflamada das elites e reacionários sobre o resultado das Eleições Presidenciais de 2014, e que foi ao ar no dia 05 de novembro. Ao vídeo, segue-se a transcrição textual da análise   de Fernandes.






  O Brasil saiu do armário, exibiu suas vísceras e alma. Autopsia da eleição a ser realizada por sociólogos, antropólogos, politólogos...

 O profundo estudo exige, sobretudo, psicanalistas. E jornalistas certamente, mas o jornalismo, a mídia, também está no divã.

 Em nome de se buscar a verdade redentora mentiu-se muito. Corações e mentes manipulados, pouco importando o custo para a psique coletiva. O custo está aí, altíssimo.

  Há anos tratamos aqui das ondas de ódio induzidas, do estímulo ao ressentimento, da aposta na ignorância... que, como vimos, desconhece classe social e nível escolar.

  O Brasil chegou e saiu das urnas com milhões negando a existência das razões e votos de mais de 54 milhões de cidadãos.

 O Brasil chegou e saiu das urnas com milhões negando as razões e votos de mais de 51 milhões de cidadãos. Uns negando os "Outros".

 Os indivíduos todos, de cada bando de "Outros", encarnando a revelia, representados em uma só figura bastando escolher lado e local: bolivariano ou coxinha. Miami ou Cuba.

 Pelas ruas, redes e mídias, chiliques, histeria, agressões verbais, morais, até físicas. E uma burrice astronômica insuflada por espertalhões. 

 Mais ainda, muito mais, de onde menos seria de se esperar por absoluta ausência de necessidades.

 Uma porção da mídia poderá deixar o divã quando retomar sua função. Quando revelar em detalhes articulações midiáticas das horas finais.

 Revelar quem e onde escreveu o que e para quem. E por quê. Quem cobrou, quase exigiu o que e de quem. E por quê.

 E o Brasil tem uma toga que fala. Quando fala em público soa, e cobra, como se estivesse revelando.

 Mas a cada rompante está é escondendo o que disse e tentou operar nas sombras, por exemplo nas horas finais

  No mais, o Lobão não se foi. E agora, junto com a família Bolsonaro, lidera revolução em que alguns pedem... a volta da ditadura. Pra quem gosta... é um prato cheio.

Pesquisador da Sorbonne, Dominique Plihon, afirma que o " Neoliberalismo é o oposto da Democracia"

Extraído do Brasil Debate, publicada em 16 de outubro de 2014:

“Neoliberalismo é o oposto da democracia”, diz estudioso francês


  Dominique Plihon, professor da Universidade Paris 13, em entrevista exclusiva ao Brasil Debate: “Se um candidato neoliberal (Aécio Neves) ganha no Brasil, certamente ficarei triste pelos brasileiros, mas também triste pela ordem internacional. Precisamos de líderes que saibam resistir às grandes potências, ao setor financeiro, e não que sejam seus aliados”


  O francês Dominique Plihon é um dos principais estudiosos, no mundo, do que se denomina “capitalismo com dominância financeira” e de seus efeitos sobre a sociedade.

  Professor emérito da Universidade Paris 13 (Université Sorbonne Paris Cité), ele tem longa experiência profissional no Banque de France e é atualmente porta-voz do ATTAC – associação que defende a taxação das transações financeiras internacionais.

 Na semana passada, esteve no Brasil para uma curta temporada de palestras e aulas no Instituto de Economia da Unicamp, e conversou com o Brasil Debate.

 As reflexões de Plihon sobre as ideias econômicas, seus porta-vozes e interesses, e mesmo o seu poder de pressão por meio do controle dos veículos de comunicação são um necessário contraponto à visão quase única que domina a discussão econômica no Brasil.

 Indo além, põe o dedo na ferida de uma questão muito explícita em alguns personagens do debate eleitoral brasileiro: o conflito de interesses entre representantes do setor financeiro privado e suas prioridades para as políticas públicas.

 Por fim, considera que seria um enorme retrocesso, não só para o Brasil, a eleição de um candidato de perfil neoliberal (Aécio Neves) neste segundo turno das eleições.

 Confira os principais trechos da entrevista realizada e traduzida do francês por Bruno De Conti e Pedro Rossi.

 Brasil Debate: Como você enxerga a relação do neoliberalismo com a democracia?

 Dominique Plihon: Aqui há um paradoxo. Os neoliberais nos fazem acreditar que a liberdade concedida a todos os atores econômicos faz prosperar a democracia e que o mercado é favorável à democracia. Como se democracia e livre mercado caminhassem juntos.

 Essa visão é completamente equivocada. Se deixamos o neoliberalismo funcionar, isso se traduz no surgimento de atores sociais – grupos industriais, bancários – que dominam não somente a economia, mas também a sociedade. Esses atores investem na mídia para difundir análises que condicionam a opinião dos cidadãos e isso funciona como uma forma de dominação ideológica. Aqueles que divergem do pensamento dominante são considerados heréticos, arcaicos, gente que não é séria.

 Portanto, o paradoxo é que, ao reduzir o Estado sob o pretexto de dar mais liberdade às pessoas, dá-se poder a alguns atores sociais, concentra-se a renda e cria-se um pensamento único. Eu vou ao limite de dizer que aqueles que defendem o neoliberalismo são por uma sociedade totalitária. Neoliberalismo é o oposto da democracia.

 BD: O discurso neoliberal é compatível com a construção de um Estado de Bem-Estar Social, que garanta serviços sociais públicos e universais?

 DP: Para o neoliberalismo, o Estado Social é visto como um inimigo, como um concorrente, o que é de certa forma verdade porque, a partir do momento em que o Estado Social se desenvolve, é uma parte do setor econômico que escapa do setor privado, dos investidores internacionais etc.  Eles querem controlar as escolas, controlar os hospitais, controlar as estradas, para obter lucros. É por isso que eles defendem a privatização, sob o pretexto de que o setor privado seria mais eficiente, mas a finalidade é o lucro.

 O que devemos defender, enquanto economistas progressistas, é que o setor público é claramente mais eficaz do que o setor privado no que se refere à oferta de bens sociais, ao contrário do que dizem os neoliberais. Essa é uma briga ideológica importante. Eles dizem que se o Estado Social diminuir, todos vão ganhar, vão pagar menos imposto, a economia ficará melhor, os hospitais, as escolas e universidades serão melhores, o que é completamente falso.

 Se pegarmos a saúde, por exemplo, o sistema mais eficaz, menos custoso e que traz mais bem-estar para população é o público e não o privado. O sistema de saúde americano, que é praticamente todo privado, é muito mais custoso do que o francês, que é principalmente público. Mas esse discurso não é ouvido pela mídia controlada pelos grandes grupos privados.

 BD: Nessas eleições brasileiras, formou-se uma convenção na bolsa de valores segundo a qual o bom desempenho da presidenta Dilma nas pesquisas conduz a uma queda nos preços das ações. Como você vê o significado político dessa convenção?

 DP: Keynes é quem primeiro explorou essa noção de convenção no mercado financeiro. A convenção é uma representação da realidade que corresponde muitas vezes aos desejos do mercado. Quando vemos nas eleições que a bolsa sobe quando o candidato Aécio Neves aparece com mais chances, isso significa a expectativa do mercado de que esse candidato tomará medidas mais favoráveis a ele.

 O que é perigoso, pois significa que um candidato que queira fazer uma política de enfrentamento aos interesses e privilégios do mercado terá a bolsa contra ele. E isso toma uma proporção maior porque a mídia e as elites passam a mensagem de que a opinião “correta” é aquela do mercado e não aquela das pessoas que trabalham, que produzem, que consomem. Isso é, evidentemente, contrário à democracia.

 E o que é interessante é que Keynes mostrou a existência de componentes irracionais na formação dessas convenções. As pessoas se comportam de maneira mimética; de uma hora para a outra passam a agir todas da mesma forma, com base em uma determinada ideia. Essas convenções são frágeis, às vezes irracionais e desprovidas de uma reflexão séria e, mais do que isso, podem ser manipuladas, o que quer dizer que alguns agentes podem forjar opiniões e condicionar a psicologia dos mercados para fazer valer seus interesses.

 BD: Nos debates públicos, você tem chamado atenção para o conflito de interesses que envolve a profissão dos economistas. Qual é a importância desse tema?

 DP: Na sociedade, há dois tipos de economistas. A primeira categoria é composta por economistas independentes ou com vínculos explícitos com alguma instituição, como um sindicato, ou um banco. Quando ouvimos um economista de um sindicato, sabemos que ele está defendendo os interesses do sindicato, isso é normal e transparente.

 A segunda categoria são os economistas que são pagos pelo sistema – recebem recursos de empresas, bancos, partidos – mas não se identificam. Eles geralmente defendem os interesses das classes dominantes e por isso são figuras muito presentes na mídia, dominada por essas classes. Eles são os cães de guarda do sistema.

 O que estamos propondo na Europa é algo parecido com que está sendo discutido nos EUA por Gerard Epstein: que haja regras precisas obrigando os economistas a publicarem o nome da entidade de quem recebem financiamentos, assim, quando eles falam na mídia, saberemos se estão defendendo o interesse de alguma empresa, banco, sindicato. Cada um fala o que quer, desde que seja transparente e não seja hipócrita.

 BD: E no caso de economistas de mercado que ocupam funções públicas?

 DP: Se há um candidato, como Aécio Neves, que anuncia um ministro que é um banqueiro, há um risco de conflito de interesse. Nesse caso, talvez seja o caso de declarar publicamente e, eventualmente, desnudar esta pessoa e os interesses que representa, já que tem muitos laços com o setor financeiro.

 Na França, temos esse problema com os altos funcionários, por exemplo, da supervisão bancária, que após seu período no governo vão trabalhar nos bancos. O problema é que essas pessoas não ousam tomar medidas duras, sanções, contra os seus futuros (ou ex) colegas. Nesse caso, deve-se proibir a pessoa de trabalhar no setor que ela supervisionou durante três ou quatro anos, porque há conflitos de interesse.

 Esse é o chamado fenômeno das “portas giratórias”, quando um economista vai para a administração publica, depois volta para o setor privado como um homem de negócio, e de novo para administração pública. Isso é muito perverso e antidemocrático (veja-se os documentários "Inside Job - Trabalho Interno", de Charles H. Ferguson e "Capitalismo: uma História de Amor", de Michael Moore).

 BD: Como intelectual de esquerda e observador externo como você enxerga a disputa eleitoral em curso no Brasil?

 DP: Primeiramente, vejo com bastante interesse porque o Brasil é um país muito importante, e a política que é definida aqui tem impacto sobre a América Latina e também sobre a construção da ordem mundial. Penso que os dirigentes europeus atuais são uma catástrofe para a ordem econômica mundial. Eles são fascinados pela ideologia neoliberal, pela competição, e não pela cooperação, pela solidariedade entre os países etc. Eles têm valores que certamente não são os meus, e que são extremamente perigosos.

 Se um candidato neoliberal ganha no Brasil, certamente ficarei triste pelos brasileiros, mas também triste pela ordem internacional. Eu sei que a candidata progressista tem limites e problemas, mas penso que será melhor para o Brasil, pois ela já deu prova de independência frente aos Estados Unidos e frente a atores financeiros.

 Precisamos de líderes que saibam resistir às grandes potências, ao setor financeiro, e não que sejam seus aliados. Portanto, vejo as eleições no Brasil com muito interesse e não escondo minha preferência por Dilma.

 Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Leonardo Boff em mensagem para a pretensa elite antidemocrática e auto-referente que pensa em deixar o país



"O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus… O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”

Darcy Ribeiro


"Podemos tolerar a arrogância e a resistência dos poderosos e dos parlamentares, o que não podemos é defraudar a esperança de todo um povo. Ele não merece isso depois de tanto suor, sacrifícios e lágrimas."

Leonardo Boff

Para os que querem deixar o Brasil

Texto de Leonardo Boff, extraído de seu blog

 É espantoso ler nos jornais e mensagens nas redes sociais e mesmo em inteiros youtubes a quantidade de pessoas, geralmente das classes altas ou os ditos “famosos” que lhes custa digerir a vitória eleitoral da reeleita Dilma Rousseff do PT. Externam ódio e raiva, usando palavras tiradas da escatologia (não da teológica que trata dos fins últimos do ser humano e do universo) e da baixa pornografia para insultar o povo brasileiro, especialmente, os nordestinos.

 Estas pessoas não vivem no Brasil, mas, em geral, no Leblon e em Ipanema ou nos Jardins da cidade de São Paulo onde se albergam: em sua maioria, os pertencentes às classes opulentas (aquelas 5 mil famílias que, segundo M.Porchmann, detém 43% do PIB nacional). Muitas delas não se sentem povo brasileiro. Externam até vergonha. Mas estão aqui porque neste país é mais fácil enricar, embora o desfrute mesmo é em feito em Miami, Nova York, Paris ou Londres, pois muitos deles têm lá casas ou apartamentos.

 Alguns mais exacerbados, mas com parquíssima audiência, sugerem até separar o Brasil em dois: o sudeste rico de um lado e o resto (para eles, o resto mesmo) do outro, especialmente o Nordeste.

 Acresce a isso o Parlamento brasileiro, a maioria eleita com muito dinheiro, que mal representa o povo. Finge que escutou o clamor dos ruas em junho de 2013 demandando reformas, especialmente, na política, no sistema de educação e de saúde e uma melhor mobilidade urbana e não em últmo lugar a segurança e a transparência na coisa pública. Mas já esqueceu tudo. Rejeitou o projeto do governo, no rescaldo da reeleição, que visava ordenar e dar mais espaço à participação dos movimentos sociais na condução da política nacional, respeitadas as instituições consagradas pela Constituição.

 Tal fato nos remete ao que Darcy Ribeiro diz em seu esplêndido livro que deveria ser lido em todas as escolas, “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”(1995). Aí, diz o grande antropólogo, indigenista, político e educador: "O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus… O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente” (p.446).

 Esta afirmação nos concede entender porque a presidenta Dilma quer uma reforma política que não venha de cima, do Congresso, porque este (O Congresso) sempre se oporá ao que possa contradizer os seus indecentes privilégios. Deve partir de baixo, ouvindo os reclamos do povo brasileiro. 

  Quem aprendeu em 500 anos a sobreviver na pobreza, senão na miséria, colheu muita experiência e sabedoria a ser testemunhada e repercutida na nova ordenação político-social do Brasil. Ouvi de um sacerdote que viveu sempre na favela: "há um evangelho escondido no coração do povo humilde e importa que o leiamos e escutemos”. Vale a mesma coisa para as várias reformas desejadas pela maioria da população: auscultar o que se aninha no coração do povo e dos invisíveis.

 Podemos tolerar a arrogância e a resistência dos poderosos e dos parlamentares, o que não podemos é defraudar a esperança de todo um povo. Ele não merece isso depois de tanto suor, sacrifícios e lágrimas. Ele precisa voltar às ruas e renovar com mais contundência e ordenadamente o que irrompeu em junho do ano passado. O feijão só cozinha bem em panela de pressão. Da mesma forma, o parlamento abandona sua inércia quando é posto sob pressão, como se constatou no ano passado.

  Voltemos a Darcy Ribeiro, um dos que melhor estudou e comprendeu a singularidade do povo brasileiro. Uma coisa são os povos transplantados como nos USA, no Canadá e na Austrália. Eles reproduziram os moldes dos países europeus de onde vieram. No Brasil foi diferente. Ocorreu uma das maiores miscegenizações da história conhecida da humanidade. Vieram de 60 países diferntes. Misturaram-se entre si índios, afro-descentes, europeus, árabes e orientais. Criaram um novo tipo de gente. Diz Darcy: "o nosso desafio é de reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja”(p.447). Diz mais: "olhando todas estas gentes e ouvindo-as é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia, mas melhor, porque lavada em sangue índio e sangue negro”(p.447).

 Não me furto em citar estas palavras proféticas com as quais fecha seu livro “O povo brasileiro”

"O Brasil é já a maior das nações neolatinas…Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça, tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor porque incorpora em si mesma mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivênca com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”(p.449).

 Para os que querem sair do Brasil:  fiquem nessa esplêndida Terra e ajudem-nos a contuir esse sonho bom.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Luis Nassif dá uma aula de História e Sociologia ao esclarecer os interesses por trás do jogo midiático-político pelo impeachment de Dilma

O importante texto a seguir, de Luis Nassif, foi retirando do Jornal GGN/Luis Nassif Online:

O Xadrez da batalha do impeachment




   Luis Nassif

  Nos próximos meses, recrudescerá a tentativa de impeachment da presidente da República. As cartas já estão na mesa. Aliás, estão desde o julgamento da AP 470.

  Em regimes democráticos, golpes não são meramente uma quartelada planejada por meia dúzia de conspiradores. Há a necessidade de, inicialmente, criar-se a mobilização da opinião pública e, depois, se cumprir rituais, formalismos, dando aparência de legalidade ao golpe, que seja convalidado por um dos dois poderes da República – o STF (Supremo Tribunal Federal) ou o Congresso.

 O modelo é conhecido, do suicídio de Getúlio, à queda de Jango e de Collor.

  Na América Latina pós-ditaduras, todos os golpes – de André Peres e Fernando Collor a presidentes de esquerda – começaram  sempre com uma campanha midiática, que, exacerbando a opinião pública, convalidou o impeachment via Congresso ou Supremo.

  A reação dos presidentes ajuda a reforçar a tese do contragolpe.


No caso de Getúlio Vargas, a pá de cá foi quando seus parentes, junto com Gregório Fortunato, planejaram o atentado da Rua Toneleros.

 No episódio Jango, criou-se o clima de perda de controle da economia e de ameaça da tal república sindical. A pressão do cunhado Leonel Brizola o levou a um esboço de enfrentamento em condições de desigualdade. O mesmo ocorreu com Collor. Apenas reforçaram o golpe.

  Depois, há a necessidade de um Congresso e um Supremo que endossem o golpe.

 Contra Vargas, a conspiração contou com Café Filho; contra Jango, contou com Auro de Mora Andrade e Ranieri Mazilli. A intervenção militar foi um acidente não previsto pelos conspiradores. Daí se entende a condenação de próceres do PSDB  a esse chamamento à caserna. O golpe, para eles, precisa ser civil.

 Contra Collor, esteve Ulisses, o PT e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) nacional dando uma suposta legitimação legal ao movimento iniciado pelos interesses de empresários e pela mídia.

 O quadro atual

 (Para implementar uma campanha de cima para baixo para se obter o impeachment) Já estão em marchas os seguintes passos:

 Ponto 1 – O clima de exacerbação.

 A campanha sistemática da mídia contra a corrupção e o tal bolivarismo surtiu efeito na exacerbação da opinião pública. Seus ecos no centro expandido de São Paulo, nas associações empresariais, nos clubes sociais lembram em tudo o ambiente descrito por René Dreiffus em seu livro sobre o golpe de 64.

 Ponto 2 – A manipulação da Lava Jato.

 A capa de Veja - com informação falsa sobre declarações de Alberto Yousseff - é comprovante de que haverá farto uso político da operação Lava-Jato, com vazamento seletivo de informações e a disseminação de boatos. 

  Ponto 3 – A intimidação do STF.

  A entrevista de Gilmar Mendes à Folha, falando em “bolivarização” do STF é o primeiro ensaio de uma nova rodada de intimidação do Judiciário, especialmente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Procurador Geral da República. Outras publicações já ousam pressões sobre Teori Savazki. A mitificação do juiz Sérgio Moro será utilizada, mais adiante, para um eventual enfrentamento com o legalismo do Supremo.

 Juntando os pontos – A estratégia do impeachment.

  É praticamente impossível que Dilma tenha participado ou compactuado com qualquer irregularidade. A Lava Jato provavelmente atingirá todo o mundo político. O doleiro Alberto Yousseff operava para todos os partidos. Mas, com o clima exacerbado, acreditar-se-á que em se plantando, qualquer factoide dá – como comprova a tentativa de Veja. Mas para isso há de se contar com um Supremo e um PGR intimidados pelo alarido da mídia.

 Definindo a estratégia

 Uma estratégia legalista de combate ao golpe terá que partir de uma análise detalhada das principais peças do jogo.

  1. Mercado da opinião pública

  Grosso modo, pode ser dividido em dois sub-mercados: o mercado do establishment e o mercado dos novos incluídos.


 Simplificadamente, compõem o mercado do establishment setores como o Poder Judiciário, estamento militar, Ministério Público, classe empresarial e classe média em geral. É um mercado amplamente influenciado pelos grupos de mídia, com valores e sentimentos em comum. No momento, o sentimento mais intenso a perpassar todos os grupos é o antipetismo.

  Já o mercado dos novos incluídos é composto por movimentos populares tradicionais, como sindicatos e velhos partidos de esquerda, movimentos sociais mais antigos, até movimentos mais recentes de inclusão. Em outros tempos, era um mercado em que as informações chegavam apenas pelos sindicatos, Igrejas e assembleias. Hoje em dia, é majoritariamente digital. Mas obviamente não é hegemônico nem no digital.

   Em todos grandes movimentos de inclusão da história – dos Estados Unidos do século 19 ao Brasil atual – esse paradoxo deflagra as crises políticas: o mercado dos incluídos têm o voto; o mercado do establishment, o poder.

  Há um meio campo relevante no mercado do establishment, formado por personalidades públicas defensoras do legalismo, das responsabilidades sociais do Estado e contrárias à radicalização e aos golpes de Estado. É a chamada elite esclarecida, espécie meio rara em países politicamente anacrônicos.

 O embate contra tentativas de impeachment têm que ocorrer no mercado de opinião do establishment, buscando-se aliança com vozes legalistas..

 Qualquer reação de militâncias apenas ampliará os efeitos da retórica fabricada da bolivarização.

 2. Os personagens da nova aventura

 O jogo fica mais nítido quando se coloca a lupa sobre os principais personagens do mercado do establishment.

 Há dois grupos de personagens.

 No primeiro grupo, os inimigos irreconciliáveis do governo: PSDB e grupos de mídia, conforme se mostrará a seguir.

 No segundo grupo, os personagens que serão disputados e decidirão o jogo do impeachment: sistema judiciário (STF e PGR), o Congresso, setores influentes do establishment, como juristas, lderanças empresariais, vozes influentes da sociedade civil.

 O PSDB

 O PSDB não conseguiu definir um projeto alternativo de poder. Seu discurso é exclusivamente antilulista.

 O Instituto Teotônio Vilella não tem peso, os intelectuais tucanos ou desistiram do partido ou desistiram de pensar o novo e aderiram ao jogo de intolerância dos grupos de mídia. Até agora não há uma força visível no partido capaz de promover o aggiornamento necessário para torná-lo um partido efetivo, com propostas claras que não sejam meramente o exercício do anti.

 A estreia triunfal de Aécio no Senado, na primeira sessão pós-eleições, comprova que a única maneira de ele preservar a visibilidade e o cacife acumulado nas eleições será através de eventos (midiaticos) triunfalistas sucessivos. E só consegue na guerra e na aliança com os grupos de mídia. A submersão de José Serra é sintomático de que, no PSDB, já houve uma divisão racional dos trabalhos.

Essas circunstâncias colocam o PSDB inevitavelmente na aposta do impeachment – (preferencialmente) sem Forças Armadas, é claro.

 GRUPOS DE MÍDIA

  No período Vargas – anos 40 e primeiro governo até a queda de Jango-, o que mais acirrou os grupos tradicionais foram as tentativas de Getúlio de mobilizar empresários aliados a entrarem no setor.

  No governo Jango, a imprensa radicalizou os ataques depois que novos grupos tentaram entrar no mercado de mídia, os Wallace Simonsen, na TV Excelsior, Santos Vahlis (um empresário venezuelano, que atuava no ramo imobiliário, ligado a Leonel Brizola) que tentou adquirir um jornal no Rio 

   Na redemocratização, teve início a era das TVs a cabo e do UHF. Através de Antônio Carlos Magalhães, Sarney negociou com vários grupos de mídia, que receberam concessões ou listas telefônicas. Já Fernando Collor não cedeu a nenhum dos pedidos e ameaçou montar sua própria rede, através da CNT dos irmãos Martinez.

  Um chegou ao final do mandato, o outro, não.

  Agora, com a Internet, a cada dia que passa a TV aberta perde relevância. A mídia impressa caminha para o fim antes que alguns dos grupos consigam fincar estaca no novo mercado.

 Mantidas as condições atuais de temperatura, com o mercado publicitário rompendo a cartelização e caminhando para a Internet, a resultante é a seguinte:

 Estadão (com exceção da Agência Estado) e Editora Abril perderam o bonde – o que explica a aposta do “tudo ou nada” de Fábio Barbosa à frente da Veja.

 A Globo continuará um grupo poderoso, mas não voltará mais a ter o poder absoluto da era pré-Internet.

 A Folha foi salva pela UOL. Mas não prescinde da influência política do jornal para competir com grupos internacionais, muito mais poderosos, no setor de serviços de Internet.

 As demais TVs abertas não conseguiram expressão. Morrerão lentamente, junto com a TV aberta.

 Em crise, os grupos de mídia terão que conviver com o avanço avassalador da Internet, com grupos de fora invadindo a área e com as propostas de regulação de mídia que se tornaram inevitáveis em todos os países desenvolvidos. O Google já é o segundo faturamento publicitário do país sem produzir uma só notícia.

 Esta é a razão principal para não poderem aceitar qualquer armistício político. Ou conquistam o poder e tentam colocar o país remando para trás, ou serão varridos do mapa pelos ventos da modernidade.

 PODER JUDICIÁRIO

 Há um evidente mal-estar do sistema judiciário – incluindo a corporação do Ministério Público Federal - com o PT e com Dilma. E o fator Paulo Roberto Costa ampliou essa resistência e ampliará ainda mais à medida que os depoimentos forem (seletivamente) vazados para a mídia e tenha início o julgamento.

 Se, de um lado, a Operação Lava-Jato tem um potencial explosivo muito maior que a AP 470, por outro lado tem-se um STF e uma PGR mais legalistas e capacitados para enfrentar as investidas da mídia. E uma OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que livrou-se da politização rasteira do antigo presidente.

 O Ministro Gilmar Mendes sempre exerceu a liderança de fato no STF devido ao seu conhecimento jurídico, malícia política e a uma agressividade sem limites.

 A entrada de Teori Savaski e Luís Roberto Barroso inverteu esse jogo. Agora há uma nova correlação que fortalece o papel legalista de Ricardo Lewandowski e devolve o equilíbrio a Celso de Mello.

 Os próprios abusos da mídia contra Ricardo Levandowski e, depois, contra Celso de Mello, os exageros persecutórios de Joaquim Barbosa provocaram críticas intensas no meio jurídico e geraram anticorpos, com as manifestações de juristas de todas as linhas que, no pós-mensalão, saíram em defesa das garantias individuais – de Celso Antônio Bandeira de Mello a Yves Gandra da Silva Martins e Cláudio Lembo.

 Além disso, saiu um PGR totalmente submisso ao clamor da mídia e entrou outro que tem mostrado (até agora) maior capacidade profissional, sem embarcar no oficialismo mas sem ceder às pressões da mídia.

  Finalmente, pela repetição reiterada, há um desgaste do padrão Gilmar-mídia de influir no jogo:

  1.    Gilmar Mendes criava um factoide – tipo “grampo no STF”, “grampo sem áudio”, conversa com Lula.

  2.    Os grupos de mídia reverberavam e geravam o clamor das turbas.

  3.    O clamor era utilizado como instrumento para Gilmar impressionar os colegas crédulos (como Celso de Mello) e pressionar os recalcitrantes.

 Dificilmente os grupos de mídia terão a desenvoltura de atacar Ministros, como fizeram no mensalão. Mas as sementes plantadas contra o PT floresceram. E as bombas do Lava Jato são de um potencial imprevisível.

 MEIO EMPRESARIAL

 A ideia de que o meio empresarial conspira não é totalmente verdadeira.

  Grandes grupos que negociam com o Estado compõem com o governo de plantão. Entram na conspiração apenas quando pressentem a queda iminente do governante. Os demais querem apenas um ambiente de negócios favorável e previsível.

 CONGRESSO E PARTIDOS POLÍTICOS

  Não é difícil compor maioria no Congresso. Mas o trabalho atual será dificultado pelas restrições orçamentárias, pela pulverização partidária e também pelo fator Eduardo Cunha, o deputado alvo de cinco inquéritos por corrupção e que conseguiu fincar suas bases na parte mais podre da Câmara. Cunha é o retrato acabado da hipocrisia moralista dos grupos de mídia.

 O xadrez político

  A estratégia em 2013

  Em fins de 2012, com o STF dominado circunstancialmente pelo grupos dos cinco, e a PGR sob o comando dúbio, montei o seguinte xadrez para o jogo político futuro.

 A estratégia do golpe consistiria na escandalização, insuflando o clamor da mídia com cobertura intensiva do julgamento e pressionando Congresso e Judiciário. Àquela altura o STF estava dominado pelo pacto circunstancial dos cinco Ministros – Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello.

 Sugeriam-se as seguintes estratégias para esvaziar a tentativa:

  Indicação de Ministros técnicos e legalistas para o STF e de um procurador de peso para a PGR.

  Mudanças na Secretaria de Relações Institucionais, aprimorando as relações com o Congresso Nacional.

 Precaução com os escândalos, especialmente com os super-financiamentos concedidos pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), grande fator de desgaste junto ao empresariado paulista.

  Melhoria da gestão da economia e mudança da centralização de Dilma. Aprimoramento da gestão do PAC, do pré-sal e da qualificação do Ministério como um todo.

  Preocupação com crescimento do PIB e inflação.

  Na época, havia diferenças em relação ao momento atual:

 o   O quadro econômico não era tão ruim.

 o   O STF estava muito mais infenso a pressões dos grupos de mídia.

 o   O RDC (Regime Direto de Contratação) parecia ser fonte de problemas. Não foi. Assim como a Lei dos Portos.

 A estratégia em 2015

  CONDICIONANTES ATUAIS

  Juntando-se as peças já analisadas, o quadro fica assim:

 1.A Operação Lava-Jato tem potencial explosivo maior que a AP 470. Seus desdobramentos são imprevisíveis.

 2.A radicalização dos últimos anos ampliou a capacidade dos grupos de mídia de insuflar o clamor da opinião pública.

 3.O país enfrenta problemas na área econômica, com reflexos próximos sobre o emprego e as despesas sociais.

 4.Haverá um Congresso mais hostil pela pulverização partidária, um orçamento mais apertado para atender às demandas políticas e os escândalos dos últimos anos tornam extremamente desgastantes os acordos políticos fundados em loteamento de cargos.

 5.A disputa se dará entre o governo Dilma de um lado, PSDB e grupos de mídia de outro, os dois lados disputando os demais atores – empresários, políticos, classe média, intelectuais, movimentos sociais.

 Juntando as peças

 Em cima desses dados, o desafio é montar o jogo de xadrez analisando características de cada personagem, a dinâmica da ofensiva pró-impeachment e as estratégias defensivas.



 REVERSÃO DE EXPECTATIVAS

Há uma estratégia de fundo, que consiste em reverter o atual quadro de expectativas do establishment.  Sem expectativas favoráveis, a política econômica não decola. Sem crescimento, não haverá como reduzir a pressão dos empresários, fortalecer a aliança com os movimentos sociais, negociar com o Congresso e consolidar o segundo tempo.

Uma política econômica bem conduzida não trará frutos em menos de dois anos. Essa transição exigirá um Ministério de alto nível fazendo a mediação com a sociedade, e monitorando didaticamente a travessia.

A opinião pública terá que entender adequadamente o processo de recuperação da economia, os passos que estão dados e a maneira como irão se refletir no médio prazo.

Há que de colocar pessoas de nível na Fazenda, Tesouro e Banco Central e trabalhar rapidamente – ouvindo todos os setores – os pontos de estrangulamento dos investimentos públicos.

Mas é condição necessária uma forte atuação política de Dilma que crie expectativas favoráveis para a implantação do plano econômico. A revitalização do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e a renovação dos madatos dos conselheiros poderá ser um bom momento para essa reaproximação com a sociedade civil.

 NOVO MINISTÉRIO

 No final da eleição, Dilma declarou que momentos de crise são aqueles mais propensos a grandes mudanças. Têm toda razão.

 Por isso mesmo, na hora de definir seu Ministério terá que considerar que o Ministro escolhido será seu representante junto ao segmento econômico-social trabalhado pelo Ministério. E a adesão desses segmentos a um projeto de governo dependerá fundamentalmente da capacidade de criar canais de participação.

 JOGO DA INFORMAÇÃO

 Até hoje, o governo Dilma foi inerte no mercado de mídia.

 Não desenvolveu uma estratégia coordenada de contrainformação. Abandonou projetos de montar rede social interna do governo que permitisse articular o sistema de informações dos diversos Ministérios.

 Permitiu a proliferação de práticas odiosas da Fazenda e Banco Central, de sonegar informação a veículos que não sejam da velha mídia. Quando perderam o apoio dos grupos de mídia, ficaram pendurados na broxa.

 Depois de conhecido o resultado das urnas, seu primeiro gesto foi conceder entrevista às três redes de televisão.

 Criou o terreno ideal para alimentar os inimigos: os grupos de mídia não têm nada a ganhar com Dilma (que não faz negócios) mas também não têm nada a perder.

 PODER JUDICIÁRIO

 Mais do que nunca, há a necessidade de interlocutores do Palácio com o sistema judiciário.

 Tem que ser um jurista de alta estirpe, legalista até a medula, acatado pelo Supremo e pelo Ministério Público Federal, com influência sobre as cabeças liberais da opinião pública e liderança sobre a Polícia Federal, com capacidade para dialogar com o mundo político e jurídico e experiência suficiente para entender e monitorar o jogo de contrainformações que já brota da Operação Lava Jato.

 OPINIÃO PÚBLICA

 O combate radical à corrupção terá que ser peça central do segundo governo Dilma. Tem que tomar medidas expressas que convençam a opinião pública da blindagem definitiva das estatais e dos Ministérios e a definição de novas regras de aliança partidária.