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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Aprendendo com Lincoln


Pode-se enganar a todos por algum tempo; 
Pode-se enganar alguns por todo o tempo; 
Mas não se pode enganar a todos todo o tempo...

Abraham Lincoln

domingo, 29 de janeiro de 2012

Os fantasmas íntimos



Não é preciso ser um quarto 
para ser mal-assombrado.
Nem é preciso ser uma casa;
A mente tem corredores que superam 
qualquer lugar concreto. 


Emily Dickinson (1830-1886)

Os fundamentalistas anti-democráticos do VINACC e "Consciência Cristã"



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 Em nosso tempo instrumental de tecnologia avançada, mas de anulação do humano, do cooperativo em prol do competitivo, do consumismo em detrimento do construtivo e da dessacralização das relações humanas e da natureza, a reação fanática e fundamentalista surge como mais um sintoma de patologia social em que o atual capitalismo condiciona a muitos pois retira a possibilidade de maturação emocional e intelectual na luta pela sobrevivência em um mundo de crescente agressividade interpessoal.

 Pela falta de meios de formação emocional e mental apropriadas, muitas pessoas não conseguem amadurecer o suficiente para construir uma relação pessoal equilibrada com o ideal da divindade e esperam, diante das dores do mundo moderno, uma panaceia que venham tanto a lhes aliviar a dor quanto a valorizá-los, mesmo que simbolicamente, frente aos demais. Renunciando por vezes - pela falta de oportunidade de desenvolver-se plenamente enquanto ser pensante e autônomo - a própria liberdade, o fanático fundamentalista se sente ou se faz um "instrumento" ou acredita se tornar um instrumento nas mãos daquele a quem ele percebe como autoridade, ainda que seja um suposto líder de comunidade religiosa que contorce os dizeres de suas escrituras no modo mais politicamente conveniente aos seus interesses. Busca o "missionário", ao entregar o pensamento crítico ao líder, um apoio e uma "verdade" por vezes espetaculosamente apresentada e que lhe sirva de muleta psicológica, em ponto de segurança que esconda suas dúvidas íntimas, incertezas e inseguranças, as quais busca calar especialmente ao personalizá-las nos outros.

 O fundamentalista, pois, é um escravo que assim se faz pela renúncia do pensar autônomo em troca do que ele acha ser ganhos, imediatos (riquezas, sucesso, salvação) ou secundários (sentir-se aceito ou amado por iguais, etc.), ao mesmo tempo passa a ser intolerante a todo o pensamento diverso do seu e de sua comunidade por este ser um contraponto perigoso às suas crenças e verdades e assim o fanático se vê como soldado e guerreiro de uma "guerra santa" contra as diferenças que podem questionar suas verdades. Que Deus Pai acharia bom ter filhos que não soubessem discernir o certo do errado, dando a líderes e doutrinas a responsabilidade de decidirem por eles, muitas vezes criando contextos e situações de conflitos com seus outros filhos?

 Achando ter o poder e a missão de exorcizar pessoas e mesmo coisas que ele não aceita por não seguirem sua familiar e muitas vezes reducionista visão de mundo, o fundamentalista está sempre pronto a atacar os outros, acusando-os de serem possuidos pelo "demônio", não percebendo que este demônio muitas vezes habita primariamente em si mesmo e se faz visível nos outros por um fenômeno psicológico chamado de projeção do inconsciente...

  E não existe exemplo mais gritante deste fenômeno de projeção e consequente perseguição, coletivamente visto, do que no surrel Encontro para a Consciência Cristã, um evento evangélico que compete agressivamente com um outro mais equilibrado e antigo, chamado Encontro da Nova Consciência, que, ao contrário do dos evangélicos, se caracterizou exatamente pelo encontro ecumênico e diálogo entre correntes de pensamento diferentes, em uma atmosfera de fraternidade e equilíbrio, teólogos, filósofos e representantes de diversas correntes espirituais podiam dialogar fraternalmente com ateus, agnósticos, cientistas e pessoas dos mais diferentes misteres. Pois bem, para a grande maioria dos evangélicos do tal Encontro para a Consciência "Cristã" (na sua maior parte, constituída de pentecostais e neo-pentecostais, havendo, como se sabe, evangélicos melhor esclarecidos, amadurecidos e críticos dos exageros daqueles), todos os participantes do Encontro para a Nova Consciência são dominados pelo diabo e este encontro, então, tem de ser exterminado pelos missionários e esclarecidos evangélicos. Não há diálogo, não há fala, há discursos de perseguição.

  Vejamos um exemplo disto neste trecho de "artigo" do Pastor Ridalvo Alves da Silva no site do movimento-seita Consciência "Cristã":

É verdade que o evento emerge dentro do contexto do Nordeste do Brasil, especificamente na cidade de Campina Grande, no momento em que se realizava o VIII Encontro Esotérico intitulado Encontro para a Nova Consciência - Uma Cultura Emergente, como os organizadores a denominaram. Houve nesta conjuntura uma grande preocupação relacionada ao destino da Igreja Cristã Evangélica, pois ninguém havia se levantado até aquele momento para refutar e comparar em nível de reflexão teológica e apologética cristã os ensinos perniciosos que submergia a comunidade campinense como um todo atingindo já naquela época 48 eventos paralelos.

A perplexidade e angústia já haviam chegado ao coração de muitas pessoas reivindicando da Igreja Evangélica de Campina Grande uma tomada de posição firme quanto à invasão esotérica em nossa cidade. A princípio não se sabia como fazer para criar uma estratégia eficaz, não somente para combater os ensinos distorcidos da Nova Era, como também trazer diretrizes seguras para a comunidade quanto aos ensinos de uma Teologia Cristã sadia. Aconteceu somente em fevereiro de 1999 o I Encontro Para
a Consciência Cristã quando os alunos do Instituto Teológico Superior de Missões - ITESMI, sob a nossa direção, que dirigíamos pela orientação e urgência do Espírito Santo de Deus, aceitaram o desafio de enfrentar não somente as dificuldades de recursos financeiros, mas também de recursos humanos.

No início houve crítica, falta de compreensão e de ajuda por parte de muitos, porém, não era hora de olhar para as circunstâncias e sim exercer a fé em Deus que opera nas coisas impossíveis. Aí entra a disponibilidade do homem. Por isso, quero destacar a pessoa do pastor Euder Faber Guedes Ferreira, que nos instantes decisivos, acreditou plenamente na visão de Deus, que estava brotando, e largou seu emprego secular para se dedicar integralmente à grande causa prioritária do Reino de Deus. Quero trazer à memória de nossos caros leitores que foi muito difícil para implantarmos o I Encontro Para a Consciência Cristã, no entanto, o milagre aconteceu.

Não obstante, a razão do Encontro Para a Consciência Cristã não somente abrange a cidade de Campina Grande em seu contexto esotérico de evento anual, mas prepara a igreja contra os falsos ensinos que se alastram em nosso território nacional e também em outras regiões do mundo ocidental e oriental. O pluralismo religioso será certamente o maior desafio da Igreja Cristã neste novo milênio. Não temos dúvidas que por trás de tudo isto está o Império da religião ecumênica liderada pelo seu grande mentor, o Anticristo.

 Vê-se, pois, o quanto salta aos olhos a construção lógica e o grau de civilidade e de maturidade intelectual dos mentores do tal Encontro da Consciência "Cristã", não apenas na falta de adesão ao mandamento de Cristo de "Amar ao próximo", como na total falta de respeito com quem não partilha de suas idéias, em uma quase paranóia que abarca a proteção de um "mercado religioso" altamente lucrativo, baseado na cobrança de dízimos. Estranho ainda é essa expliticidade em se auto-denomiar de cristãos reais e agirem como egoístas mesquinhos com a "missão" de criticar e mesmo perseguir os demais. Por isso reflete o filósofo, teólogo e sociólogo Frei Betto, sobre os atuais fundamentalistas midiáticos:
"Todo fundamentalista é, a ferro e fogo, um “altruísta”. Está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista... para o bem deles! Há muitos fundamentalismos em voga, desde o religioso, que confessionaliza a política, ao líder político que se considera revestido de missão divina. Eles geram fanáticos e intolerantes."
  Fanáticos intolerantes que se acham no direito de agredir o diferente e que se sentem ofendidos, "perseguidos" se aqueles a quem agridem ousarem criticar seu posicionamento hipócrita. Este comportamento farisáico foi bem discutido pelo psicanalista  e professor universitário da UEM, Dr. Raymundo de Lima, quando, eu seu artigo "O Fanatismo Religioso entre outros", destaca alguns de seus sintomas:


O fanático não fala, faz discursos; é portador de discursos prontos cujo efeito é a pregação de fundo religioso ou a inculcação política de idéias que poderá vir a se tornar ato agressivo ou violento, tomado sempre como revelação da "ira de Deus" ou "a inevitável marcha da história" ou, ainda, a suposta "superioridade de uns sobre os demais". Faz discursos e não fala, porque enquanto a fala é assumida pelo sujeito disposto ao exercício do diálogo, da dialética, do discernimento da verdade, os discursos - especialmente odiscurso fanático - fazem sumir os sujeitos para que todos virem meros objetos de um desejo divinizado; servir ao desejo divino e à produção da repetição de algo já pronto, onde o retorno do recalcado do sujeito faz do Eu (ego) um porta-voz de um sistema de crenças moralistas carregado de ódio em relação ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído para reinar o Bem.
Os textos sagrados, tomados literalmente, fornecem a sustentação "teórica" do discurso fundamentalista religioso; com ele, o indivíduo acredita, a priori, estar de posse de toda a verdade e por isso não se dá ao trabalho de levantar possíveis dúvidas, como confrontar com outro ponto de vista, ou desvelar outro sentido de interpretação, ou ainda, contextualizá-lo, etc. O fanático tem certezae isso lhe basta. Creio porque é absurdo, já dizia Tertuliano. Certeza para ele é igual a verdade. (Segundo Popper, no campo científico, a certeza nada vale porque é "raramente objetiva: geralmente não passa de um forte sentimento de confiança, ou convicção, embora baseada em conhecimento insuficiente", já a verdade tem estatuto de objetividade, na medida em que "consiste na correspondência aos factos", na possibilidade da discussão racional com sentido de comprovação. (Popper, 1988, p. 48).
 O problema da religião não é a paixão "fé", mas a inquestionalidade de seu método. O método de qualquer religião traz uma certezadivulgada em forma de monólogo, jamais de diálogo ou debate de idéias. O pastor, padre, rabino, ou qualquer pregador de rua, vivem o circuito repetitivo do monólogo da pregação; acreditam que "vale tudo" para difundir a "verdade única" que o tocou e o transformou para sempre! O estilo fanático usa e abusa do discurso monológico delirante, declarações, comunicados, que jamais se voltam para escuta ou o diálogo, exercício esse que faria emergir a verdade - não a "certeza".
Psicopatologia do fanatismo
Do ponto de vista psicopatológico, todo fanatismo parece ter relação com a fuga da realidade.  A crença cega ou irracional parece loucura quando se manifesta em momentos ou situações específicas, porém se sua inteligência não está afetada, o fanático aparentemente é um sujeito normal. No entanto, torna-se um ser potencialmente explosivo, sobretudo se o fanatismo se combinar com uma inteligência  tecnologicamente preparada. Fanático inteligente é um perigo para a civilização. O terrorismo, por exemplo, que atua com a única meta de destruir inimigos aleatórios é realizado por indivíduos fanáticos cuja inteligência é instrumentada apenas para essa finalidade. No terrorismo é uma das expressões do fanatismo combinado com uma inteligência tecnológico, mas totalmente incapaz de exercitá-la por meios mais racionais, políticos e legais. Para o terrorismo sustentado no fanatismo, os inocentes devem pagar pelos inimigos; a destruição deve ser a única linguagem possível e a construção de um novo projeto político-econômico, não está em questão, porque a realidade no seu todo é forcluída. 
O fanatismo parece surgir de uma estrutura psicótica. O fato do sujeito se ver como o único que está no lugar de certeza absoluta, de "ter sido escolhido por Deus" para uma missão "x", já constitui sintoma suficiente para muitos psiquiatras diagnosticarem aí uma loucura ou psicose. Mas, seguindo o raciocínio de Freud, vemos que "aquilo que o psicótico paranóico vivencia na própria pele, o parafrênico experiência na pele do outro", ou seja, somos levados a supor que o fanatismo está mais para a parafrenia que para a paranóia. Hitler, antes considerado um paranóico, hoje é mais aceito enquanto parafrênico, pois seus atos indicam sua idéia fixa pela supremacia da raça ariana e a eliminação dos "impuros"; mais ainda, o gozo psíquico do parafrênico não se limita "ser olhado" ou "ser perseguido", tal como acontece com paranóicos, mas sim se desenvolve "uma ação inteligente de perseguição e extermínio de milhares de seres humanos", donde extrai um quantum de gozo sádico. Portanto, deve existir membros de um grupo de fanáticos paranóicos, mas certamente o pior fanático é o determinado pela parafrenia, pois visa de fato destruir em atos calculados "os impuros", "os infiéis", enfim, todos os que não concordam com ele.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Indústria farmacêutica, a perigosa propaganda de medicamenos e a mídia comercial no Brasil



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

  Todos, ou ao menos quase todos, sabem das relações entre indústria, que visa ao lucro na produção e comercialização de produtos, e mídia, que visa ao lucro pela divulgação de publicidade voltada para a influenciação do comportamento que vise à compra dos produtos da indústria, o que lhe garante mais lucro, igualmente. Ambas, indústria e mídia, são irmãs siamesas, ligadas pela  poderosa publicidade, não importando muito o impacto desta ligação comercial para as pessoas ou para o meio ambiente.

  Pois bem, como a poderosíssima Indústria Farmacêutica é um dos filões mais rentáveis da mídia (especialmente da televisão) esta última fará de tudo para apoiar aquela, passando por cima das consequencias nocivas da automedicação e da venda de produtos farmacêuticos com pouco ou nenhum controle ao público (aliás, quanto menos controle mais publicidade e, consequentemente, mais vendas e lucros tanto para a indústria farmacêutica quanto para a mídia). Não chega, pois, a espantar (embora chegue a revoltar) a tendenciosidade da Rede Globo no Jornal Nacional do último dia 27 de janeiro em apoiar o processo contra as tentativas da ANVISA de regulamentar a propaganda de medicamentos, com vistas ao bem-estar e à saúde pública diante do incentivo da auto-medicação que é feita pela publicidade televisiva de medicamentos. A Globo visa tão somente ao lucro e o filão da propaganda de remédios é um dos mais lucrativos! Muitas vezes a mensagem das propagandas envolvem elementos outros (como força, capacidade intelectual, etc.) que não estão vinculados primariamente aos efeitos dos medicamentos publicizados e muitas informações importantes, como efeitos colaterais nocivos e princípios ativos e modo de uso, são simplesmente negligenciados.

   Disso se deduz que o paradigma tanto da indústria, quanto da publicidade e da mídia, é de que o povo é simplesmente uma massa passiva de manobra a ser explorado amplamante, pouco se importando com as consequências (que podem ser graves ou mesmo fatais) de seus objetivos...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pobre em São Paulo só serve para levar tiro e dar voto? A violência em Pinheirinho






Carlos Antonio Fragoso Guimarães


  Policiais militares despejando, à base da violência, milhares de famílias pobres na comunidade Pinheirinho em São José dos Campos, São Paulo, que há oito anos montaram suas casas em terreno que pertenceria a uma empresa imobiliária falida do especulador financeiro líbano-brasileiro Naji Nahas, principal responsável pela quebra da bolsa de valores do Rio em 1989 e um dos envolvidos com Daniel Dantas no caso Satiagraha.

  O caso ocorrido no último dia 22 de janeiro, um domingo, choca pela truculência aos mais desvalidos em proteção dos interesses dos mais ricos e com o apoio do Governo estadual (há anos nas mãos do PSDB) e a parcialidade da Justiça paulista, que exigiu o feito (embora a Justiça Federal estivesse buscando uma solução civilizada para o caso) e está mais preocupada em abafar a operação do Conselho Nacional de Justiça sobre os milhões desviados, supostamente por desembargadores, que agir, como seria de seu ofício, para proteger a dignidade da pessoa humana. Interessante como um órgão público, como o TJ, mantido com o dinheiro público, venha a se transformar em um clube corporativo elitista. Cabe lembrar que a operação paulista foi em contrário ao que determinava a Justiça Federal, que buscava uma solução para o caso, mas o Tribunal de Justiça do estado do PSDB, em favor do especulador e empresário imobiliário responsável pela queda do prédio Palace 2, Naji Nahas, mandou uma ordem de enfrentamento que exigia passar por cima de qualquer . inclusive ordem federal e que dizia textualmente enfrentar qualquer"óbice que venha a surgir no curso da execução, inclusive a oposição de corporação policial federal".
 Veja agora o vídeo devastador em que o Defensor Público Jairo Salvador, em depoimento histórico, desmonta as mentiras que procuram salvar os fascistas responsáveis pela atrocidade cometida em Pinheirinho e que passavam por determinações judiciais anteriores que proibiam a violência, a vergonha impetrada pelos asseclas fascistas de extrema-direita, com graves denúncias de quem conhecia o processo e esteve presente in loco à ação de extermínio da polícia à mando das elites paulistas:

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Uma mesma nave natural Terra e tantas diferenças aritificiais...



"Somos todos passageiros da mesma nave espacial chamada Terra. No entanto, como nas caravelas dos colonizadores e nos aviões transatlânticos, viajamos em condições desiguais."

Frei Betto

A vista a partir de um ponto...







Para aqueles com estômago elitista, lugar de peão é na fábrica produzindo, alimentando a bomba do capitalismo!"




Leonardo Boff, teólogo, ecologista e filósofo

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Pelo lucro pode-se tudo? O caso do abuso no BBB 12


Carlos Antonio Fragoso Guimarães

   Não estou aqui para acusar quem assiste o BBB de nada. Cada um faz o que quer e assiste o que bem lhe convier. Opções de vida inteligente e socialmente estimulante para além da telinha da tv existem e cabe, a quem quiser, fazer um pequeno esforço para perceber ou fazer acontecer isso de livre arbítrio. Minha preocupação aqui não está em quem assiste o BBB, mas na responsabilidade social de quem o faz, esclarecendo que o autor destas linhas só veio a saber do caso do suposto "estupro" ocorrido no progama pelos comentários correntes na própria internet...

  O que aqui questiono não é a questão da liberdade sexual e nem me passa pela cabeça propor qualquer tipo de censura, mas sobre a falta de limites e de responsabilidades perante ao que é mostrado ou estimulado em serviços de radiodifusão, o que constitui o verdadeiro e real abuso, já que as emissoras, bem ou mal, são (ou ao menos deveriam ser) concessões públicas voltadas primariamente para o bem e dignidade da pessoa humana e não para a banalização da sexualidade e do conflito intra-social, em numa construção sensacionalista por motivação puramente mercadológica. E é claro que tais jogos acabem por, bem ou mal, servir de modelo, influenciação e exemplo na formação de crianças e jovens educadas que são mais pela mídia que pelos pais e pela escola, mídia que alcança lares (alguns dos quais desestruturados pelo modelo hegemônico econômico que promove mesmo tais programas) em todo o Brasil.

  Isto nada tema ver com a questão da liberdade sexual ou com respeito (ou falta deste) para com as pessoas que participam  do BBB, mas sobre a provável falta de cuidado para com estes por parte da emissora de tv. Afinal, para que servem as "festas" regadas à muito álcool (belo exemplo aos jovens) e apelos à sensualidade, senão ao incentivo de "casos" que farão a audiência crescer? O "estupro" (se é que houve)  nada mais foi que consequência direta dos estímulos sensuais promovidos intensamente pelo próprio programa. A exploração do sexo é até mesmo esperada  (afinal, "casais" atraem a simpatia do publico, e "casos" ainda mais) na estratégia de marketing do BBB, haja vista que as garotas do programa, em sua maior parte, de antemão se comprometem a posar para revistas masculinas.

  A expulsão a posteriori do "brother" supostamente estuprador parece ser uma ação igualmente interpestiva, tomada pela direção do programa ante à celeuma, presente nas redes sociais e estimuladas calculadamente nas emissoras concorrentes, provocada pela cena da garota sendo "tocada", aparentemente inconsciente (e ai está todo o problema, que levanta a questão do estupro), pelo rapaz, devido à bebedeira da noitada patrocinada pelo  próprio programa. Não estou defendendo a atitude dele ou dela, mas fica a questão de que, se não houve o "estupro", houve  certamente um prejuizo à imagem de um e de outro dos envolvidos no caso por uma estrutura de programa no mínimo falha. Também não pretendo impor uma concepção moralista ao caso. A sexualidade midiática e midiatizada é não só esperada como mesmo icentivada por programas desta natureza. Estivesse a participante aparentemente acordada, ou aparentasse estar envolvida mais ativamente, o caso seria um "trivial" e comum episódio de sexo consentido mais ou menos frente às câmeras (uma "pegação" como dizem alguns). Mas esta banalização não ataca a imagem da mulher? Ora, como negar, então, a responsabilidade do programa e de sua emissora no suposto estupro se um dos objetivos do "reality show" (nem tão reality e nem tão natural assim) é exatamente o de estimular sexualmente os competidores para, assim, consolidar e/ou amuentar a audiência, garantindo maior faturamento?

 Mas a dicussão sobre as causas e objetivos de tal mister midiático não é promovida. Banalização em programas ou revistas sensacionalistas parecem ser regra dentro da velha Mídia brasileira que, ademais, escolhe o que deve ou não ser divulgado, como no paradigmático caso do livro "A Privataria Tucana" - um fenômeno de vendagens que põe a nu a roubalheira dos grandes do PSDB na era FHC -, que não mereceu da Globo uma única avaliação fundamentada na sua rede aberta de televisão, o que é revelador de uma mídia que é pródiga em expressar elogios e montar pautas em causa própria (veja-se, por exemplo, o caso explícito de tendendiciosidade da parcialíssima Revista Veja), estando como está nas mãos de umas poucas e ricas famílias paulistas (com o núcleo da Globo também no Rio) comprometidas com a podridão do neoliberalismo de mercado...



sábado, 14 de janeiro de 2012

Quem faz a História?


Quem construiu a Tebas das sete portas? Nos livros constam os nomes dos reis. Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída, quem a ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro moravam os reais construtores?
Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo. Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida, na noite em que o mar a engoliu, os que se afogavam gritaram por seus escravos.
O jovem Alexandre consquistou a Índia. Ele sozinho?
César bateu os gauleses, não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?
Felipe de Espanha chorou quando sua armada naufragou. Ninguém mais chorou?
Fredrico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele?
Uma vitória a cada página. Quem cozinhava os banquetes da vitória?
Um grande homem a cada dez anos. Quem pagava as despesas?
Tantos relatos. Tantas perguntas.
Bertolt Brecht (1898-1956) 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Michael Moore: Capitalismo, uma história de amor mal resolvida




Carlos Antonio Fragoso Guimarães



(escrito publicado neste blog em 21 de março de 2010)



Em 1989 Michael Moore chamava a atenção em seu primeiro documentário (gênero em que se tornou mestre), intitulado Roger e Eu. Neste, ele abordava de maneira dramática e com fina ironia, por vezes hilária, como uma cidade antes próspera - por sinal, cidade natal de Moore e também da própria GM - chamada Flint, no estado de Michigan, foi reduzida à miséria pela decisão da General Motors de fechar sua seminal fábrica de componentes automotivos, da região, aparentemente por simples redução de custos, sem levar em conta o impacto desta decisão na vida de milhares de famílias e na renda de demais setores da cidade, demonstrando que a ficção jurídica de uma empresa ser considerada "uma pessoa" traz consigo forte potencial de destruição social, transformando-se em um Leviatã plutocrático que se alimenta do sangue de operários e funcionários, ambos descartáveis.


Anos depois, seu premiado "Tiros em Columbine", que recebeu o Oscar em 2002, desmascara a hipocrisia de uma sociedade de fachada, onde valores da competitividade e do acúmulo de bens se expressam no hábito do culto individualista às armas e à violência, substituindo o cultivo de valores humanos, sociais, cooperativos.


Pouco tempo depois, Moore mostra o Rei Bush, nu, junto com seus asseclas neo-conversadores e messiânicos no super-conhecido "Farenheit 11 de setembro". Nunca o governo imperialista americano foi tão explicitamente desmascarado de forma tão direta e irônica em um documentário de linguagem tão acessível.


Em 2007, Moore desmascara o comércio lucrativo que é o sistema de saúde norte-americano (que serve de modelo ao nosso), em "Sicko - S.O.S Saúde", documentário em que as relações espúrias da indústria médica (incluindo-se a poderosa indústria farmacêutica) com a população, entendida como gado a ser explorado pelo sistema mais caro e elitista do mundo, são finamente expostas. Sensacional os momentos finais do filme, onde heróicos voluntários que participaram do resgate das vítimas do 11 de setembro, e que adoeceram por aspirarem a poeira dos ecombros, após serem desprezados pelos sitema americano, são levados à Cuba onde recebem todo o tratamento adequado e ainda são homenageados pelos bombeiros do governo comunista de Fidel Castro pelo heroísmo demonstrado após o choque dos aviões ao World Trade Center.


Agora, Moore volta à tona com um novo e sensacional documentário: "Capitalismo, uma história de amor (2009)". Neste, Moore começa apresentando como o sistema de canto de sereias dos empréstimos bancários e hipotecas que se transformam em pedras a destroçar famílias, despejando-as de suas casas após enganá-las com promessas de prosperidade, demintindo-as sem dó nem piedade. Retorna também aos inícios de sua história enquanto ser humano e quanto cineasta, na cidade então próspera de Flint, para construir um documentário bem fundamentado e bastante objetivo sobre as origens do capitalismo e a maneira desastrosa como os E.U.A. são dominados pelo corporativismo sem regulamentações do estado neoliberal, especialmente na área bancária e financeira.


Moore faz uma crítica objetiva à lógica do neoliberalismo devastador que, após Reagan e Thatcher, se impôs ao mundo desde 1989, para eles o ano do "fim da história" já que o antigo conflito entre ideologias teria acabado e o capitalismo teria vencido de vez, evento simbolizado pela queda do Muro de Berlim, passando a creditar-se imbatível e pleno de liberdade inclusive para começar a tratar explicitamente mal aposentados, empregados, povos, países em busca de aumento de lucro a partir do corte de "despesas" com o bem-estar social e ambiental.


Moore leva-nos numa viagem pelo país, e mostra-nos os epicentros mais importantes das corporações e do mercado financeiro-especulativo não-produtivo e os seus ‘podres’, que se repercutem não só a uma escala nacional, mas consequentemente a uma escala global, dando seguimento e indo mais além do documentário "A Corporação", de Jennifer Abott e Marck Achbar, 2003, onde o próprio Moore participa como entrevistado. A ironia está que, enquanto os lucros são individualizados aos bancos e corporações, os prejuízos destes são socializados a todos, já que dinheiro público é aplicado para salvar os apostadores do cassino financeiro improdutivo. A crise, iniciada nos EUA rapidamente se alastrou para a Europa, com consequências trágicas em países como Grécia, Portugal e Irlanda.


Sobre o potencial polêmico do filme, que geralmente é usado para encobrir sua mensagem, o cineasta é enfático e direto em sua ironia:


"Escutem, deixe eu ser direto: eu sou apaixonado por esse filme. Ele não é apenas o mais pessoal de todos os filmes que eu já fiz, mas é o mais vital e necessário filme que já fiz em 20 anos de carreira como cineasta. Eu falei para a minha equipe no começo das filmagens, "Vamos fazer um filme tão honestamente brutal que NINGUÉM com qualquer dinheiro nunca mais irá escrever um cheque para fazermos um novo filme!". Então nós fizemos o documentário mais perigoso que poderíamos ter feito",
desabafou Michael Moore em uma entrevista coletiva a 9 de Março de 2010.


Com seu habitual humor e sagacidade, o filme explora o preço que a população dos EUA pagam por seu tradicional amor dogmático ao capitalismo, especialmente, nos últimos 35 anos, do capitalismo de cassino financeiro, de rendimentos sobre juros bancários e não em investimento produtivo, criado e movido para delícia dos grandes de Wall Street. Se após a II Guerra, esse amor parecia inocente, baseada na produção de bens, já que as fábricas na Europa ainda estavam se refazendo da Guerra, embalado a Rock 'n Roll e carrões consumidores de litros de combustível, hoje o sonho americano parece mais um pesadelo quando famílias pagam o preço da jogatina dos bancos com seus empregos, casas e economias, ou mesmo dando a vida em guerras insanas por ganância econômica.


Moore nos leva aos lares de pessoas comuns cujas vidas viraram de cabeça para baixo a partir das promessas de Alan Greenspan, dos dramas calculados de Bush e de outros (a comerçar pro Ronald Regan, primeiro presidente títere de Wall Street) de que eles poderiam ter dinheiro fácil e seguro fazendo empréstimos sobre empréstimos e hipotecando suas casas a taxas de juros exorbitantes pela máfia dos bancos. Moore também sai em busca de explicações em Washington e em toda parte, do porque da crise de 2009, sendo evitado de ser recebido pelos grandes de Wall Street e dos grandes Bancos (Citibak, Bank of America, a seguradora AIG). Com toda a razão se pergunta onde foram parar os 700 bilhões de dólares doados pelo governo Bush a estes setores... Mostra como o congresso (especialmente na época de Bush) se tornou um braço de Wall Street. Ele, então, descobre os sintomas tão conhecidos do fim de um antigo caso caso amor: simulações, frieza, abuso, traição...e alguns milhares de empregos sendo eliminados por dia no mundo inteiro.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Fanático religioso se considera superior ao próprio Deus, que faz brilhar o sol sobre todos

Para reflexão de todos sobre os perigos do fundamentalismo religioso, especialmente pentecostal, segue artigo do educador e escrito, Prof. Doutor Gabriel Perissé (com adaptações) e, posteriormente, um video que ilustra as reflexões do texto, demonstrando o resultado nocivo do fundamentalismo e sua ignorância extrema (até confundido espiritismo com religões afro-brasileiras, que são diferentes, e taxando-os a todos de servos do diabo que devem ser combatidos pela detentres da "verdade"):




O fanatismo religioso é um ateísmo


Existem ateus tolerantes e ateus fanatizados e sectários, mas sobre eles quero escrever em outra ocasião.
O que agora me interessa investigar brevemente é o ateísmo que reside, disfarçado, em atitude secreta mas ativa, no cerne de todo fanatismo/fundamentalismo religioso.
No céu não existem muros. Nem no inferno. (Talvez, quem sabe, no purgatório...) Mas neste nosso mundo, humano e histórico, os muros se multiplicam.
As religiões produzem santos e fanáticos. É difícil distinguir estes daqueles. Brilha no olhar fanatizado uma luz de santidade capaz de enganar o próprio advogado do diabo!

Também no santo percebem-se falsos lampejos similares ao do fanatismo: desprezo pela opinião alheia, êxtases um tanto esquisitos, ações que chocam o senso comum, idéias meio malucas, mas que se provam úteis na prática, especialmente se estimulam a união e o amor.

Contudo, há algo que os fanáticos não podem dissimular por muito tempo: o seu ateísmo crítico.

Todo fanático religioso termina recriminando maquiadamente a Deus. Impaciente com a bondade divina, chateado com a misericórdia de um Deus não-fanático, o fanático gostaria de criar um novo Deus, exlusivista e à sua imagem e semelhança. Um Deus mais engajado, mais atento, mais preocupado com os desmandos do mundo, segundo seu ponto de vista. 
O fanático religioso acredita num Deus que não existe, ou que aparentemente existiu faz uma eternidade! Porque o Deus que ele quer é um Deus como ele: vingativo e partidário, exlusivista e ciumento.
E assim, quando o Deus que existe contraria a sua vontade e os seus planos, o fanático começa a pensar que o demônio está disfarçado de divindade, e veio destruir a obra que ele, fanático, construiu com tanto zelo em nome de Deus (mas sem que Ele lhe tenha passado procuração para tanto).

A obra fanática sonha recriar o mundo. Não entende como Deus pode ter sido tão descuidado, deixando tantas heresias proliferarem como moscas. Os fanáticos, reunidos semanalmente, olham para as estatísticas, planejam eventos de propaganda e planejam dar umas férias para Deus tão incompetente.

Já tentaram conversar com Deus. Numa boa. Rezaram longamente, implorando que Deus abrisse os olhos DOS OUTROS, colocasse um ponto final neste caos transformando todos no que eles são. Inutilmente. Deus parece estar brincando de Deus. Não se leva a sério nem leva a sério os seus fiéis servidores que detêm a verdade.

Por isso, a obra fanática tomou uma decisão histórica. A partir de agora, queira Deus ou não, vamos assumir tudo por aqui. Sem grandes alardes, mas com profissionalismo e insistência. Chegou o momento de pôr ordem no barraco.

Se Deus perdeu a compostura, cabe aos homens de bem assumir o comando. Cabe à obra fanática, a última coisa coerente e bela neste mundo sem rumo, recolocar a humanidade nos trilhos, destruindo o que, para eles, é o diferente e o pecaminoso. Se Deus quiser aproveitar a oportunidade, ótimo. Se preferir continuar fingindo que está tudo bem... problema dEle!

Leonardo Boff: Escutar a Natureza

Transcrevo texto de Leonardo Boff, publicado em 26/12/2011

Outro Paradigma: Escutar a Natureza




Agora que se aproximam grandes chuvas, inundações, temporais, furacões e deslizamentos de encostas temos que reaprender a escutar a natureza. Toda nossa cultura ocidental, de vertente grega, está assentada sobre o ver. Não é sem razão que a categoria central – idéia – (eidos em grego) significa visão. A tele-visão é sua expressão maior. Temos desenvolvido até os últimos limites a nossa visão.

Penetramos com os telescópios de grande potência até a profundidade do universo para ver as galáxias mais distantes. Descemos às derradeiras partículas elementares e ao mistério íntimo da vida. O olhar é tudo para nós. Mas devemos tomar consciência de que esse é o modo de ser do homem ocidental e não de todos.

Outras culturas, como as próximas a nós, as andinas (dos quéchuas e aimaras e outras) se estruturam ao redor do escutar. Logicamente eles também veem. Mas sua singularidade é escutar as mensagens daquilo que veem. O camponês do antiplano da Bolívia me diz: “eu escuto a natureza, eu sei o que a montanha me diz”. Falando com um xamã, ele me testemunha: “eu escuto a Pachamama e sei o que ela está me comunicando”. Tudo fala: as estrelas, o sol, a lua, as montanhas soberbas, os lagos serenos, os vales profundos, as nuvens fugidias, as florestas, os pássaros e os animais. As pessoas aprendem a escutar atentamente estas vozes. Livros não são importantes para eles porque são mudos, ao passo que a natureza está cheia de vozes. E eles se especializaram de tal forma nesta escuta que sabem, ao ver as nuvens, ao escutar os ventos, ao observar as lhamas ou os movimentos das formigas o que vai ocorrer na natureza.

Isso me faz lembrar uma antiga tradição teológica elaborada por Santo Agostinho e sistematizada por São Boaventura na Idade Media: a revelação divina primeira é a voz da natureza, o verdadeiro livro falante de Deus. Pelo fato de termos perdido a capacidade de ouvir, Deus, por piedade, nos inspirou, de acordo com as capacidades humanas da época, um segundo livro que é a Bíblia para que, escutando seus conteúdos, pudéssemos ouvir novamente o que a natureza nos diz.

Quando Francisco Pizarro em 1532 em Cajamarca, mediante uma cilada traiçoeira, aprisionou o chefe inca Atahualpa, ordenou ao frade dominicano Vicente Valverde que com seu intérprete Felipillo lhe lesse o requerimento,um texto em latim pelo qual deviam se deixar batizar e se submeter aos soberanos espanhóis, pois o Papa assim o dispusera. Caso contrário poderiam ser escravizados por desobediência. O inca lhe perguntou donde vinha esta autoridade. Valverde entregou-lhe o livro da Bíblia. Atahaualpa pegou-o e colocou ao ouvido. Como não tivesse escutado nada jogou a Bíblia ao chão. Foi o sinal para que Pizarro massacrasse toda a guarda real e aprisionasse o soberano inca. Como se vê, a escuta era tudo para Atahualpa. O livro da Bíblia não falava nada.

Para a cultura andina tudo se estrutura dentro de uma teia de relações vivas, carregadas de sentido e de mensagens. Percebem o fio que tudo penetra, unifica e dá significação. Nós ocidentais vemos as árvores mas não percebemos a floresta. As coisas estão isoladas umas das outras. São mudas. A fala é só nossa. Captamos as coisas fora do conjunto das relações. Por isso nossa linguagem é formal e fria. Nela temos elaborado nossas filosofias, teologias, doutrinas, ciências e dogmas. Mas esse é o nosso jeito de sentir o mundo. E não é de todos os povos.

Os andinos nos ajudam a relativizar nosso pretenso “universalismo”. Podemos expressar as mensagens por outras formas relacionais e includentes e não por aquelas objetivísticas e mudas a que estamos acostumados. Eles nos desafiam a escutar as mensagens que nos vem de todos os lados.
Nos dias atuais devemos escutar o que as nuvens negras, as florestas das encostas, os rios que rompem barreiras, as encostas abruptas, as rochas soltas nos advertem. As ciências na natureza nos ajudam nesta escuta. Mas não é o nosso hábito cultural captar as advertências daquilo que vemos. E então nossa surdez nos faz vitimas de desastres lastimáveis. Só dominamos a natureza, obedecendo-a, quer dizer, escutando o que ela nos quer ensinar. A surdez nos dará amargas lições.
Veja meu livro O Casamento do Céu com a Terra: mitos ecológicos indígenas, Moderna, São Paulo 2004.

A sabedoria implica muito mais que o mero acumular de informações...




Will Durant (1885-1981) foi um filósofo e historiador norte-americando de grande profundidade analítica em seus textos. Pena que periódicos neoliberais tendenciosos, como a sujíssima Revista Veja, desconsidere como lixo a importância da filosofia nas escolas. Mas superando esta pequenez intelectual, da obra de Durant "Filosofia da Vida", extraio a seguinte passagem:

A nossa cultura é hoje muito superficial, e os nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em mecânica contrasta com a pobreza de propósitos. O equilíbrio de espírito que hauríamos outrora na fé ardente, já se foi: depois que a ciência destruiu as bases sobrenaturais da moralidade o mundo inteiro parece consumir-se num desordenado individualismo, refletor da caótica fragmentação do nosso caráter.

Novamente somos defrontados pelo problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem? Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e estabelece a hierarquia dos desejos, malbaratamos a nossa herança social em corrupção cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num momento o nosso idealismo pacífico para mergulharmos nos suicídios em massa da guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre a terra com velocidades nunca antes alcançadas, mas não sabemos para onde vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade.

Os nossos conhecimentos destroem-nos. Embebedem-nos com o poder que nos dão. A única salvação está na sabedoria.

O que a "elite" do sul pensa do Nordeste

Fonte: Blog Tijolaço.com





Quem quiser conhecer a crueza que a parcela da classe média brasileira que se deslumbra – e se crê ser , sem ser – com a elite deste país, visite a página do Estadão onde se noticia que o “Nordeste recebe metade dos benefícios do Bolsa Família em dezembro“, onde se noticia o óbvio: que a transferência de recursos para pessoas em situação de miséria é maior onde é maior a própria miséria.

A matéria não diz, mas os comentaristas explicitam: é um absurdo São Paulo receber menos bolsas-família que o estado da Bahia, o único dos estados nordestinos que supera o valor transferido aos paulistas que, é obvio, arrecadam mais tributos.

E aí as manifestações de preconceitos ficam explicitas.

“(…) o Sul e o Sudeste nao tem nada a ver com as miserias do Nordeste. Os problemas do Nordeste precisam ser resolvidos pelos nordestinos, e nao pelos paulistas ou gauchos. O povo nordestino que se vire sozinho. Que cobre atitudes efetivas dos politicos que ele elege. A pobreza deles eh problema deles, e de ninguem mais.”, diz um deles. “Bem que o povo lá de cima podia começar a trabalhar como nós aqui para sentir o drama do que é viver contra o governo tirando tudo que você sua para ganhar.”, argumenta outro.

Talvez diminuissem sua fúria racista se tivessem tido acesso à pesquisa do Ipea de onde vieram os dados sobre a bolsa-família. Ignoram o que ela contém, como fez o repórter do Estadão.

Ali veriam, por exemplo, que o Sudeste tem 44% das instituições públicas – e caras – de ensino superior do país, metade delas em São Paulo, enquanto o Nordeste fica com 25%. Ou que o número de médicos recebendo pelo Sistema Único de Saúde é de 301 mil, 50% do total, e no Nordeste, que tem uma relação médico público/habitante 30% menor, são apenas 20% do total de profissionais médicos brasileiros.

Todos eles custando dinheiro público.

Essa parcela – felizmente minúscula – dos brasileiros, que pensa ser moderna mas ainda tem a cabeça na Idade Média não é apenas escravocrata: é burra e raivosa. E por estar concentrada no estado mais rico da Federação, São Paulo, acha que o papel que lhe cabe é o de capitão do mato cosmopolita.

Odeiam Dilma e Lula no século 21 como odiaram a Getúlio no século 20.

Porque, no fundo, o que odeiam é a idéia de um só Brasil e de um povo brasileiro.

Ficaram para trás., estão politicamente em extinção.

São as “maria-antonieta” dos Jardins, mas poderiam ser as mesmas de Ipanema.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Cortar o Tempo


Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente"


Carlos Drummond de Andrade