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sábado, 30 de janeiro de 2010

O Elogio da Dialética



Gênios do pensamento, como Berthold Brecht (1898-1956), são atemporais... Tanto como atemporais são os assuntos que discutiam... Vejamos este texto, do gênio dramaturgo alemão, intitulado O Elogio da Dialética, para perceber sua atualidade:

A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração:
isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.
Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados.
Quem, pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há ai que o retenha?
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje
.

Baruch de Espinosa e a filosofia


Carlos Antonio Fragoso Guimarães



Baruch de Espinosa (ou Spinoza) era de descendência judáica. Sua famlía foi obrigada a buscar refúgio na Holanda, fugindo das perseguições da "Santa" Inquisição Portuguesa. É interessante notar que a perseguição da Igreja Católica à Espinosa durou bastante tempo, pois seus livros, curiosamente, estiveram no infame Index de obras proibidas ou não aconselhadas pelo clero até há bem pouco tempo atrás, em nossos dias (se é que ainda não estão). Se nos lembrarmos que o grande teólogo brasileiro e um dos pais da rica e importantíssima Teologia da Libertação, Leonardo Boff, sofreu praticamente da mesma injução, sendo ele, há época, frade católico, há bem poucos anos, podemos avaliar se a tal Inquisição realmente deixou de existir nos dias atuais... Ou continua de uma forma mais velada mas não menos traiçoeira em uma microfísica de poder com outro nome qualquer...

Nascido em 1632, Espinosa desde cedo chamou a atenção da família e dos professores da escola judáica em que foi formado, em Amsterdã, pelos seus extraordinários dotes intelectuais e intuitivos. Neste escola, o jovem estudante mergulhou fundo no estudo da Bíblia e das tradições judáicas, com especial ênfase no estudo do hebráico e do Talmude.

Aos vinte anos, passou a freqüentar a escola de Franz van de Enden, que apesar de sua formação básica católica, tinha se tornado suficientemente liberal para questionar a hegemonia da Igreja de Roma e a validade de seus dogmas cristalizados. Nesta escola, Espinosa aprendeu o latim, que lhe possibilitou ler os clássicos Cícero e Sêneca no original, e passou a se interessar vividamente por ciências. Lia com interesse as obras de seus conteporâneos, em especial Descartes, Bacon e Hobbes.

À medida que se aprofundava nas leituras e discussões de/e com outros filósofos - não necessariamente ligados ou concordantes com o judaísmo - e ia contruindo sua própria visão de mundo, se intensificava o conflito entre seu pensamento e o dos seus confrades judeus. As discussões entre Espinosa e os Doutores da Sinagoga chegaram a tal ponto extremo que, à semelhança do que ocorreu com Cristo, o jovem filósofo pareceu tornar-se uma incômoda ameaça à comunidade judáica e a seus dogmas mais arraigados, e não faltou até mesmo uma tentativa de assassinato ao brilhante contestador. Sendo assim, não foi de fato surpesa que Espinosa tivesse sido literalmente excomungado, em 1656, com apenas 24 anos. As conseqüências dessa acontecimento não poderiam ser piores, especialmente em seu tempo: todos o abandoram, inclusive os parentes mais próximos.

Depois da infame excomunhão, Espinosa buscou um lugar pra si em uma pequena aldéia holandesa, onde começou a escrever a sua maravilhosa obra. Poteriormente, andou de hotel em hotel, ou pequenas hospedarias, tendo, apenas em 1670, encontrado uma hospedagem mais fixa na casa do seu amigo, o pintor Van der Spyck, em 1670.

Para poder sobreviver, Espinosa aprendeu o ofício de polir e fabricar lentes ópticas. O pouco que ganhava, porém, era quase o suficiente para se manter, em sua modesta forma de vida, bem simples mesmo, vivenciando integral a vida simples e frugal que ele mesmo aconselhava em seus escritos e que lhe permitia se sentir livre de compromissos ou dívidas. Tinha poucas necessidades e o único luxo que julgava ter era o de adquirir livros. Ele sempre recusava a ajuda de amigos ou admiradores mais abastados, e até mesmo quando aceitava algo - devido a alguma urgência imprevista - frequentemente a aceitava bem abaixo do que era oferecido, devolvendo a diferença que achava excessiva para sua forma de vida frugal.

O episódio da excomunhão o baniu dos meios judáicos, mas não o isolou dos cristão, especialmente os da Reforma. Com efeito, ele foi bem recebido por muitos cristãos, mas mesmo assim, não lhe pareceu isso algo que lhe obrigasse a aderir à fé deles. Era amigo de eminentes personalidades holandesas, como o famoso cientista Cristian Huygens. Mantinha notável correspondência com admiradores e amigos, nos quais discutia e clarificava seus escritos. Esta volumosa correspondência é uma dádiva para os que se deruçam sobre a filosofia espinosiana.

Espinosa morreu em 1677, aos 44 anos, vítima da tuberculose, mas sempre fiel ao ideal de vida que cultivou por toda a vida.

2. Sua Obra

Espinosa, em contrates com outros filósofos, escreveu razoavelmente poucas obras. Um de seus primeiro trabalhos escritos foi O Breve Tratado sobre Deus, o Homem e a Sua Felicidade, de cunho eminentemente ético, mas que permaneceu incógnito até sua publicação no século passado. Escreveu posteriormente, O Tratado sobre a Emenda do Intelecto, em 1661, no mesmo ano que inicia a sua obra-prima, a Ethica, que só veio a ser publicada postumamente. Publicou uma exposição dos Princípios de Filosofia de Descartes junto com Pensamentos Metafísicos. O Tratado Teológico-Político, porém, foi publicado anonimante (Espinosa sabia que ele iria causar uma grande reação contrária, como de fato houve).

3. Sua Principal Mensagem

Espinosa, ao contrário de Descartes e outros, estava menos interessado no desenvolvimento ou descoberta de um Método racional para se descobrir 'verdades' científicas e intelectuais que o de descobrir uma maneira de viver capaz de dar sentido e alegria à existência humana. Se Espinosa, em muitos pontos, é precursor do Iluminismo francês diante de sua luta pelos direitos do homem, o é mais ainda do existencialismo, em particular o de Soren Kierkegaard. Como nos falam Giovanni Rele e Dario Antiseri (Reale & Antiseri, 1990, p. 410), "O 'verdadeiro' que interessa a Spinoza não é o do tipo matemático ou físico, insto é, um verdadeiro que não incide sobre a existência humana, mas é precisamente aquele verdadeiro que interessa mais que qualquer outro à vida humana: aquele verdadeiro que se busca para dele desfrutar e em cujo desfrutamento realiza-se o cumprimento e a perfeição da existênfia e, portanto, a felicidade".

Espinosa afirma o fato, já dito por Buda e Cristo antes dele, que tudo na vida humana é passivo de tranformação e/ou pleno desgaste, e que todas as coisas que ocorrem ao homem são "bens" ou "males" à medida que este se deixa impressionar ou estimular por elas. Na verdade, coisas e acontecimento são "interpretados" pela alma humana, de acordo com seus valores e desejos. Então, só diante de uma nova maneira de viver, onde se compreendesse esta realidade, poderia ajudur o homem a se livrar de uma tremenda carga de desejos - não de todos, é claro, mas do excesso dos supérfluos - que o prendem à matéria efêmera, e passar a se utilizar dela não como um fim, mas como um meio de se atingir objetivos mais elevados, humanistas e universais. Vejamos alguns pontos:

I) O desfrute do prazer só é benéfico na medida em que não prende a atenção e o espírito humanos em si. Porque se isso ocorre, o espírito fica de tal modo preso ao prazer que não se ocupada mais de outras coisas. Assim, após o desfrute ansioso, ocorre frequentmente que o homem que faz do prazer um fim pleno em si acaba, dianteda fugacidade destes, frequentemente menos valiosos que os esforços e prováveis amarguras empregados para conseguí-los, por cair numa grande tristeza e vazio, se perguntado: e depois? É só isso? E se tornar perturbado pelo seu vício que, em exagero, se mostra superficial.

II) Riquezas e honras só nos são realmente úteis se forem vistas como meios e intrumentos para se atingir uma maior e mais compartilhada felicidade. Do contrário, elas absorvem o espírito e o enclausula num círculo vicioso: o ter riquezas e honras como um fim traz o desejo de se ter mais e mais riquezas e honras, impedido mesmo o usufruto do que já foi conquistado.

Para Espinosa, assim como os para os Taoístas (cuja filosofia Espinosa não conheceu), em especial Lao - Tsé, o bem viver, a forma correta de viver em harmonia e em equilíbrio, nos leva a viver de acordo com a harmonia maior da natureza, que, enfim, é a própria expressão visível de Deus. Deus não é entendido por Espinosa como um Ser à parte e/ou externo ao mundo, que o governa como um engenheiro ou habilidoso artesão, mas como, de forma muito sutil e holística, a Divindade da Ordem Eterna da Natureza, muito superior ao entendimento fragmentado e antropomorfista humano. É, enfim, o Grande Uno que se expressa nos Muitos a que se faz a partir de Si mesmo. Uma visão estranha ao modo ocidental, mas bem de acordo com as mais sofisticadas concepções orientais do Divino. Para Espinosa, o mundo visível que nos cerca nada mais é que a expressão explicada (no sentido de ser exposta) em miríades de formas eternamente mutáveis de uma única causa intrínseca ou implicada - usando os termos da moderna teoria de Odem Implicada do físico David Bohm -, única real substância universal e absoluta, que está além dos modos convencionais de compreensibilidade, e que, para Espinosa, é o próprio Deus, pois que fundamento originário que É e que não pode ser remetido a nada além de Si mesmo... Esta Causa Primária é livre por agir por sua própria natureza divina, e é eterna, já que sua essência é sua própria existência. Sendo assim, Deus é necessariamente a única real Causa existente, sendo tudo o mais efeitos Seus, inclusive o homem, que, tendo um pouco da semelhança da Causa Primária, também é, ele mesmo, co-criador, inclusive de seus próprios problemas, por imperfeito ser que é, mas livre igualmente para escolher fazer de sua vida algo com sentido, especialmente o do próprio aperfeiçoamento humano segundo os limites que lhe é dado pela natureza.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Plano de Poder de Edir Macedo


"Bispo" Macedo aspira tomar o poder e diz que foi Deus quem mandou



Postado em 14 de maio de 2009 por Plínio Bortolotti



Acabei de ler o livro Plano de poder – Deus, os cristãos e a política, escrito pelo mais bem sucedido pastor neopentecostal do Brasil, o bispo Edir Macedo. Olha, eu vou te contar: dá medo. O homem está obcecado pelo poder, e tem um plano para tomá-lo. Ele parece considerar-se um novo Moisés e está convencido de estar agindo sob as ordens diretas de Deus.

Logo de início, na página 8, Macedo escreve: “Vamos nos aprofundar, através desta leitura, no conhecimento de um grande projeto de nação elaborado e pretendido pelo próprio Deus e descobrir qual é a nossa responsabilidade neste processo. [...] Desde o início de tudo Ele nos esclarece de sua intenção de estadista e de formação de uma grande nação”.

Obviamente, o bispo fala do Brasil e se põe como intérprete e representante direto de Deus.

Macedo apela diretamente aos cerca 40 milhões de cristãos brasileiros [isto, é, os evangélicos, pois somente estes ele considera cristãos] para verem a bíblia não apenas como um livro religioso, mas também como uma espécie de “manual” de ação política, escrito pelo maior dos estadistas: Deus.

“[A Bíblia] não se restringe apenas à orientação da fé religiosa, mas também é um livro que sugere resistência, tomada e estabelecimento do poder político ou de governo [...] Quando todos ou a maioria dos que a seguem estiverem convictos de que ela é a Palavra de Deus, então ocorrerá a realização do grande sonho Divino”.

O homem sabe até com o que Deus sonha.

Para ele, a “mobilização geral” dos evangélicos, com sua “potencialidade numérica” pode “decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo quanto no Executivo, em qualquer escalão, municipal, estadual ou federal”. E seguem orientações práticas de como os “cristãos” devem proceder para eleger os seus, isto é, os representantes de Deus.

A comparação dos hebreus, sob o governo do faraó do Egito, com os “cristãos” brasileiros, à espera de um “libertador”, um novo Moisés, perpassa todo o livro. “Até porque temos percebido, por parte da sociedade, que ser evangélico no Brasil ainda é como ser estrangeiro no Egito nos dias do Faraó”.

Um dos capítulos é dedicado ao “agente apropriado” para assumir o poder e que isso – novamente a comparação com Moisés seria o “início do grande intuito divino”. Tudo indica que Macedo vê ele mesmo como o “agente apropriado” para ser o “Moisés” brasileiro.

É de se lembrar que o bispo Macedo é dono da Rede Record. Segundo o portal Donos da Mídia, a Record é o quarto grupo de comunicação do país, com 142 veículos ligados à rede, sendo vice-líder em audiência em todo o Brasil.

[O livro Plano de Poder – Deus, os cristãos e a política foi escrito por Edir Macedo e Carlos Oliveira, diretor do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, tem 126 páginas e foi editado pela editora Thomas Nelson

Vejam agora um video do próprio Edir Macedo.... Se é pelos frutos que se sabe da qualidade da árvore, esse cara é mesmo um gênio.... Ele fez uma escola e nela formou Malafaia, R.R. Soares, Waldemir e tantos outros.... 

e também em:
http://www.dailymotion.com/video/x1d6dy_edir-macedo-ensinando-a-roubar_creation#.UTOv5aKG2Sp



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Comissão vai à ONU acusar Universal de intolerância

Folha de S.Paulo

27/06/2009

Link original: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u587298.shtml

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa entregou ontem ao presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), Martin Uhomoibai, e à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial relatório que diz existir uma "ditadura religiosa" promovida pelos neopentecostais no Brasil.

O documento aponta a Igreja Universal do Reino de Deus como propagadora da intolerância religiosa no país, incitando a perseguição, o desrespeito e a "demonização", especialmente da umbanda e do candomblé.

O documento relata 15 casos atendidos pela comissão que se transformaram em 34 ações judiciais no Rio de Janeiro, além de três vítimas que vivem ameaçadas e outros 10 casos de intolerância religiosa em outros quatro Estados.

Há ainda um capítulo que trata do conflito entre neopentecostais e imprensa, que cita reportagem da Folha sobre o império econômico construído pela Igreja Universal. "A Igreja Universal do Reino de Deus, copiada por outras independentes, vem tentando intimidar a imprensa livre. Centenas de ações judiciais são movidas contra veículos de comunicação e profissionais da área", diz o relatório, referindo-se a mais de uma centena de ações na Justiça movidas por fiéis contra o jornal. Até agora, houve 74 sentenças, todas favoráveis à Folha. Em 13 casos, os juízes condenaram os autores por litigância de má-fé -quando se faz uso indevido da Justiça.

A Folha telefonou para a assessoria jurídica da Igreja Universal em São Paulo, que solicitou um e-mail com as perguntas. Até a conclusão desta edição, não havia resposta.

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, formada por 18 instituições, como a Federação Israelita do Rio e a Congregação Espírita Umbandista do Brasil, pediu para a ONU fazer o seu próprio diagnóstico sobre as denúncias.

"Não estamos perseguindo ninguém, mas mostrando que a democracia corre risco. Estamos sendo demonizados em programas de rádio e TV", afirma Ivanir dos Santos, presidente da comissão.

Segundo Ronaldo de Almeida, antropólogo da Unicamp, a Igreja Universal cresce combatendo outras religiões. Autor do livro "A Igreja Universal e seus Demônios", ele defende que a igreja fortalece seu discurso a partir da relação que estabelece entre religiões afro e problemas financeiros ou na família. "Seu discurso fica mais forte se demonizar os outros. Há, de fato, uma intolerância religiosa", explica Almeida.

O uso da mídia por grupos dentro da Igreja Universal é destacada por Ricardo Mariano, doutor em sociologia pela USP. Para Mariano, os veículos são utilizados para atacar outras religiões. O sociólogo discorda, porém, do viés racista apontado pelo relatório. Segundo o professor, a atitude adotada pela Igreja Universal é motivada por questões estritamente religiosas.

O subsecretário de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria de Igualdade Racial, Alexandro Reis, diz que o Plano Nacional contra a Intolerância Religiosa será apresentado em janeiro de 2010.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Fanatismo Religioso é um Ateísmo

Apresento aqui um excelente artigo do Doutor em Educação pela USP e escritor Gabriel Perissé, publicado no Correio da Cidadania, em setembro de 2007:

O fanatismo religioso é um ateísmo



Existem ateus tolerantes e ateus fanatizados, mas sobre eles quero escrever em outra ocasião.

O que agora me interessa investigar brevemente é o ateísmo que reside, disfarçado, atitude secreta mas ativa, no cerne de todo fanatismo religioso.


No céu não existem muros. Nem no inferno. (Talvez no purgatório sim...) Neste mundo, muros se multiplicam. As religiões produzem santos e fanáticos. É difícil distinguir estes daqueles. Brilha no olhar fanatizado uma luz de santidade capaz de enganar o próprio advogado do diabo!


Também no santo percebem-se falsos lampejos de fanatismo: desprezo pela opinião alheia, êxtases um tanto esquisitos, ações que chocam o senso comum, idéias meio malucas.

Contudo, há algo que os fanáticos não podem dissimular por muito tempo: o seu ateísmo.

Todo fanático religioso termina recriminando a Deus. Impaciente com a bondade divina, chateado com a misericórdia de um Deus não-fanático, o fanático gostaria de criar um novo Deus, à sua imagem e semelhança. Um Deus mais engajado, mais atento, mais preocupado com os desmandos do mundo.

O fanático religioso acredita num Deus que não existe, ou que existiu faz uma eternidade! E quando o Deus que existe contraria a sua vontade e os seus planos, o fanático começa a pensar que o demônio está disfarçado de divindade, e veio destruir a obra que ele, fanático, construiu com tanto zelo.

A obra fanática sonha recriar o mundo. Não entende como Deus pode ter sido tão descuidado, deixando tantas heresias proliferarem como moscas. Os fanáticos, reunidos semanalmente, olham para as estatísticas e planejam dar umas férias para Deus tão incompetente.

Já tentaram conversar com Deus. Numa boa. Rezaram longamente, implorando que Deus abrisse os olhos, colocasse um ponto final neste caos. Inutilmente. Deus parece estar brincando de Deus. Não se leva a sério nem leva a sério os seus fiéis servidores.

Por isso, a obra fanática tomou uma decisão histórica. A partir de agora, queira Deus ou não, vamos assumir tudo por aqui. Sem alardes, mas com profissionalismo. Chegou o momento de pôr ordem no barraco.

Se Deus perdeu a compostura, cabe aos homens de bem assumir o comando. Cabe à obra fanática, a última coisa coerente e bela neste mundo sem rumo, recolocar a humanidade nos trilhos. Se Deus quiser aproveitar a oportunidade, ótimo. Se preferir continuar fingindo que está tudo bem... problema dEle!


Para se ter uma idéia do perigo de violência devido à intolerância religiosa dos fundamentalistas evangélicos, veja-se este video do Youtube Fanáticos presos a Partir da Lei Caó, Contra a Intolerância Religiosa, de 2009.

Encontro para a Nova Consciência em Campina Grande, Paraíba





Exemplo Maior de Amor, Tolerância, Diálogo, Fraternidade, Sabedoria e Democracia



Carlos Antonio Fragoso Guimarães



Todos os anos, no período do Carnaval, desde 1992, a cidade de Campina Grande, na Paraíba, é palco de um dos mais maduros, tolerantes e democráticos eventos filosófico-humanistas do planeta: O Encontro para a Nova Consciência - O Pensamento da Cultura Emergente, atualmente chamado de "Encontro da Nova Consciência". (Clique aqui para ver o programa do Encontro de 2010).

O Encontro para a Nova Consciência é um espaço de encontro (não de mistura, mas de diálogo e compreensão, pois a diferença é rica e enriquecedora) interdisciplinar e inter-religioso, verdadeiro exercício de um encontro encumênico, onde se discutem e vivenciam os temas filosóficos mais caros ao ser humano: o sentimento de fraternidade, partilha, troca de idéias e vivencias de contato humano e espiritual a partir de exposições e diálogos de diferentes tradições e filosofias (houve mesmo uma extensa reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo, sobre o evento, que foi ao ar no dia 09/03/2003).

"Se pudermos olhar para o outro como nosso irmão e fraternal e solidariamente darmos a mão e caminharmos juntos, esse é o ideal, e foi pra isso que Deus nos fez. É a prática do exercício do amor que gera a paz. Essa é a proposta maior da nova consciência", nos fala sabiamente o Pastor Nehemias Marien, participante e trabalhador assíduo do Encontro desde sua primeira edição, em 1992 (Clique Aqui para ver a História do Primeiro Encontro Para a Nova Consciência em 1992)

O evento se mostra uma espaço de encontro e diálogo (e não - como querem fazer crer os que, desconhecendo-o, não obstante pretensiosamente pensam tudo conhecer - de mistura e muito menos de proselitismo) entre a ciência, a filosofia e as diferentes tradições religiosas, como o catolicismo, o espiritismo, alguns representantes protestantes mais equilibrados e mais atrelados à madura e respeitável mensagem original de Lutero - e, portanto, ainda não contaminada por um Pentecostalismo fundametalista alienante próprios do televangelismo moderno -, o budismo, o islamismo, as religiões afro-indígenas, etc.

As propostas e práticas de aceitação e harmonia do Encontro Para a Nova Consciência demonstram a capacidade do homem de, ao amadurecer, aceitar as diferenças e a possibilidade do aprendizado mútuo pelo encontro de diferentes perspecitvas. Nomes reconhecidos internacionalmente participaram de diferentes edições do evento, desde o teólogo Leonardo Boff ao Psicólogo francês, mas brasieiro de coração - que teve o nome indicado ao Prêmio Nobel da Paz - Pierre Weil.


Na foto que abre este artigo, vimos o saudoso Bispo de Campina Grande, Dom Luis Gonzaga Fernandes (foto, junto com o idealizador do Encontro, então prefeito e posteriormente governador, Cássio Cunha Lima; o Pastor Nehemias Marien e o saudoso comunicólogo Augusto César Vannucci, em foto do primeiro Encontro, em 1992). E o estimado bispo, já no primeiro e histórico Encontro Para a Nova Consciência, realizado em 1992, dizia com sabedoria e olhar amplo, acima das mesquinharias dos vários "ismos" humanos:

Quando nós falamos de ecumenismo não estamos pensando num coquetel de incongruências, mas em questões bem assentadas. Se desejamos realmente nos apresentar diante do mundo como portadores de uma bandeira religiosa (do latim religare=religar o homem ao divino), é vergonhosa nossa divisão.

É este clima de amizade, de aceitação positiva do outro, que tem feito o Encontro para a Nova Consciência um sucesso renovado e crescente ano após ano, apesar das dificuldades de patrocínio e do descaso da mídia comercial.

O clima de respeito, tolerância e cordialidade do Encontro da Nova Consciência. O paradoxal, contudo, é que esta preciosidade tem sido alvo de ataques de segmentos religiosos desde o primeiro encontro. Estes ataques foram aumentando até que se se tornaram oficiais em um evento paralelo, imitando de forma caricata, o Encontro da Nova Consciência, mas que é em tudo o exato contrário, na teoria e prática, deste. Trata-se do chamado "Encontro para Consciência 'Cristã' ", que, veremos, na prática, de Cristã parece ter bem pouco.

Algumas seitas neopentecostais protestantes de cunho fundamentalista, capitalista e conservador, em uma amostra clara de pequenez espiritual, falta de tolerância e demonstração cabal do mais abjeto fanatismo religioso, já desde a primeira edição do Encontro para a Nova Consciência demonstram seu temor ao livre-pensar, ao contato de diferenças e ao ecumenismo, fazendo-se presentes como fator de perturbação do mesmo. Assim, além de frequentemente ficarem à porta do Teatro Municipal Severino Cabral de Campina Grande, onde se realizam as palestras mais importantes do Encontro da Nova Consciência, palestrando ou distribuindo panfletos contra o Encontro - e tendo até mesmo, em 2007, chegado ao cúmulo de se apresentarem em frente ao Teatro Municipal vestidos de preto, queimando pneus e apresentando-se com tochas ao estilo ameaçador das seitas protestantes que formam a Ku Klux Klan norte-americana.

Na verdade, a prática desta tática por seitas fundamentalistas de cunho pentencostal foi recentemente tema de um documentário chocante feito sobre a forma de como é feito a modelagem do comportamento de crianças para se tornarem futuros pastores e agressivos missionários para converter, quase que à força, todos os que não rezarem pela mesma cartilha, no impressionante filme Jesus Camp, de 2006, dirigido por Heidi Ewing e Rachel Grady. E essa mesma prática, adaptada à realidade brasileira, visando à expansão proselitista objetivando o poder de manipulação com viezes políticos é mesmo denunciada por lúcidos pastores portestantes mais coerentes com os evangelhos e mais equlibrtados. Veja-se, por exemplo, a bela explanação do Pastor Ed. René Kivtiz, apresentado no blog do Pastor Théo Mendonça, no seu texto "O Evangelho dos Evangélicos".

Veja o texto completo deste artigo sobre o Encontro da Nova Consciência clicando aqui

Veja uma apresentação em vídeo do Encontro da Nova Consciência clicando aqui:
http://www.youtube.com.br/ongnovaconsciencia.

Veja também os site do Centro de Referência de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para a Diversidade Religiosa.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Pa$tor Malafia e seu jatinho de U$ 12 milhões

O lúcido e combativo jornalista Hélio Fernandes (irmão do não menos lúcido e combativo Millôr) escreveu no site de seu jornal Tribuna da Imprensa, no dia 03/01/2010:

Pastor Malafaia, compra avião de 12 milhões de dólares



Nem vou dizer que saiu na coluna do Góis, é a terceira vez que cito o colunista esta semana, acaba advertido, já que citado por mim não é nada divertido.

Só que considero humilhação o pastor poder comprar avião de 12 milhões, mesmo de dólares. A “fúria” e a forma “avassaladora” com que “pede” dinheiro aos “companheiros da fé”, mereceriam um jato muito mais abrangente e dominador dos ares.

Palavras preferenciais (repetidas de forma autoritária) do pastor: “Vocês precisam nos ajudar com suas contribuições, pois só assim podemos ajudá-los. Este programa é nosso, vocês contribuem para que eu possa levá-los no caminho de Deus”. Agora, com o avião, esse caminho será percorrido em muito menos tempo.

E o que se pode dizer disso? Parece que “bom” Pa$tor, além de paladino do televangelisto, demostra bastante altruismo. Repetindo o grande Frei Betto: ele está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista…e pagar por ele!

Pessoalmente, me espanta a forma pouco cristã e arrogante do citado evangélico nos horários pagos da televisão comercial. Ele não debate, impõe "verdades". Além disso, seguindo na esfera dos fundamentalistas (veja-se o artigo de Frei Betto em http://www.voltairenet.org/article122917.html), ele não apresenta argumentos, mas vocifera; não propõe, determina; não opina, ajuíza; não sugere, ordena; não discorda, censura; não advoga, condena e fala muito mais em Satanás - no fim o grande aliado de quem quer dominar mentes pelo medo - que na bondade de um Deus Pai compreensivo e amoroso.

Mas vivemos em tempos surreais… Onde as pessoas de bem estão presas enquanto a marginália (de tantas modalidades diferentes, desde o assaltante de rua até os grandes ladrões da nação) estão soltas, onde, como dizia Einstein, é mais fácil quebrar um átomo que acabar com um preconceito e onde, em nome do Deus universal – que recebe tantos nomes e é compreendido de tantas formas conforme a capacidade de cada cultura – agora surgem auto-entendidos "novos" representantes demagógicos, a quem causa repulsa palavras como tolerância, compreensão, ecumenismo e fratenidade, e fazem de sua suposta sapiência profissão a ser paga, e bem paga, à maneira dos sofistas.
Enquanto um Doutor precisa ter ao menos um curso supererior e suficiente bagagem intelectual, e passa desapercebido nesse nosso pais, para ser um Pastor conhecido basta saber tanger e manipular um rebanho que, diante das mazelas da modernidade, têm medo de pensar…

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Hipácia de Alexandria





Hipácia, 370-415 d.C.



“Proteja seu próprio direito de pensar. Mesmo pensar erroneamente é melhor do que não pensar”

Hipácia de Alexandria


Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães

A cidade de Alexandria, no Egito, fundada por Alexandre Magno, sempre foi retratada, com justiça, como o farol intelectual do mundo antigo por haver, por séculos, patrocinado a maior biblioteca e centro de pesquisas em ciências da antiguidade.

Mesmo nos primeiros séculos a era Cristã, Alexandria, apesar dos ataques contra sua fabulosa biblioteca nos períodos de Cleópatra e do Império Romano, ainda era um marco da intelectualidade até finalmente, em inícios do século VI, ser totalmente vilipendiada por fanáticos do movimento crescente do cristianismo, segundo a doutrina dos pais da Igreja atrelados ao bispado de Roma.

Foi exatamente nesse período que brilhou a última e mais bela luz da sabedoria grega clássica encarnado em corpo de mulher: Hipácia (ou Hipátia, 371 – 415) que era a filha do diretor da biblioteca de Alexandria, o matemático e também filósofo, Têon.

Este esclarecido diretor estabeleceu um lar saudável, com forte ênsfase no desenvolvimento intelectual, não esquecendo o ideal de que a uma mente sã é mantida e equilibrada em um corpo igualmente sadio. Assim, Têon, muito ligado à filha, que igualmente o idolatrava, não poupou esforços para bem educar a bela menina, que cresceu em graça, inteligência e encanto. 

Hipácia nasceu em 370 exatamente no melhor lugar do mundom, à época, para desenvolver os dotes intelectuais, mas provavelmente no tempo errado, já que a cidade estava se tornando o foco de batalha entre intelectuais, muitos espiritualizados, que seguiam, como Hipácia, o Neoplatonismo de Plotino e Jâmblico, e “cristãos” que, estimulados pelo Imperador Teodósio, jugavam ser seu dever esmagar todo e qualquer traço de filosofias entendiadas como nocivas – embora viessem a adotar muitos dos conceitos neoplatônicos posteriormente. O ódio dos “convertidos” mais se exaltavam diante das discussões racionais dos filósofos tradicionais que apontavam furos na teologia ortodoxa, estranha em vários pontos à mensagem original de Cristo, e que estava se formando, misturando o judaísmo do antigo testamento com elementos da própria tradição pagã para formar o ritual e a interpretação salvífica cristã, que alguns pagãoes mais ilustrados diziam não encontrar mesmo nos que se expressava nos evangelhos. Infelizmente, o fundamentalismo evangélico e da corrente mais tradicionalista da Igreja Católica parece estar se repetindo nos dias de hoje em muitas "novas" seitas...

Todos os registros sobreviventes falam do grande carisma e extraordinária inteligência de Hipácia, mas seus escritos foram caçados pela Igreja nascente, que não via com bons olhos o fato de uma mulher ser culta, instruída e, acima de tudo, crítica de uma teologia que se afastava a olhos vistos dos ideais espirituais de seu fundador. Têon, seu pai, não pareceu se destacar no âmbito filosófico, mas era um bom matemático e elaborou um estudo dos trabalhos em geometria de Euclides que serviu de base para as edições posteriores dos seus “Elementos”, até os dias de hoje.

Também Hipácia tinha brilho intelectual próprio, provavelmente ainda mais que seu pai, já que ao lado de seu talento matemático ela possuia extraorinários dotes filosóficos. Já vimos que todos os seus escritos foram brutalmente destruídos, embora, séculos depois, tenha sido encontrada na Biblioteca do Vaticano uma cópia de seu comentário sobre o matemático Diofanto, e vários comentários de seus alunos -muitos deles cristãos, sendo alguns posterioremente bispos e teólogos de roneme - são enfáticos em destacar o brilho da jovem mestra.

Hipácia era uma cientista. Tinha grande talento para o estudo da física, além da matemática, tendo escrito, segundo fragmentos de seus alunos, como Sirenius e Hesíquio, e historiadores como cristãos, Sócrates Escolástico, livros sobre questões de geometria e do movimento dos corpos. Ela possivelmente foi a responsável por melhorias técnicas em instrumentos de medição, como o astrolábio e diferentes modalidades de hidrômetros. Ciente de sua singularidade intelectual – e de sua beleza cobiçada por muitos -, Hipácia tinha plena consciência de que vivia em um tempo difícil, onde a sabedoria pagã antiga estava sendo cercada por uma interpretação infantil baseada, não na liberdade responsável da ética cristã, mas na mitologia pueral do antigo testamento dos hebreus afetadas por elementos do paganismo romano. Receosa de que uma vida doméstica comum a impedisse de dar sua própria contribuição à preservação dos tesouros da sabedoria acumulada na Biblioteca e Museu de Alexandria, ela resolveu permanecer solteira, casada apenas com a ciência. Suas aulas eram concorridas e sua competência como filósofa e professora ficam claras nessa passagem de um autor cristão, Sócrates Escolástico:

“Havia em Alexandria uma mulher chamada Hipátia, filha do filósofo Têon, que fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos de seu tempo. Tendo progredido na escola de Platão e Plotino, ela explicava os princípios da filosofia a quem a ouvisse, e muitos vinham de longe para receber seus ensinamentos.”

Vale lembrar que Hipácia havia concluído seus estudos em Atenas, onde também chamara a atenção dos membros remascentes da antiga Academia de Platão, do Liceu de Aristóteles e dos celebrantes dos mistérios órficos e pitagóricos. Com toda essa bagagem, antes mesmo dos trinta anos Hipacia já era a nova – e infelizmente, a última – diretora da Grande Biblioteca de Alexandria. Hipácia se tornou célebre tanto por sua inteligência quanto por sua beleza. Precisamos destacar que Hipácia era tolerante para com a corrente religiosa crescente do cristianismo. Entre seus alunos estavam pagãos e cristãos, alguns destes últimos renomados, como Sinesius de Cirene, que se tornou bispo e teólogo conhecido, entre outros que sempre, em suas cartas, expressaram grande admiração por sua jovem professora.

As inevitáveis disputas religiosas e conflitos políticos entre lideranças de Alexandria, especialmente entre o pagão neoplatônico e amigo de Hipácia, Orestes, e o novo e fanático bispo de Alexandria, Cirilo, acabariam por envolver Hipácia involuntariamente. Por ser sábia, mulher e pagã, sua luz inflamou a ira de Cirilo e de seus seguidores mais fanáticos, à semelhança com o que aconteceria séculos depois na Renascença, em Florença, onde o fanatismo de um Savonarola iria levar à destruição pública de livros e quadros dos lumiares do renascimento italiano.

Por fim, o discurso venenoso de Cirilo levou a insuflar e estimular um ataque fatal e cruel contra Hipácia. Os registros dizem que em uma manhã, no período da quarema do ano 415 – onde teoricamente os cristãos deveriam manter-se longe do pecado – um grupo de exaltados seguidores de Cirilo cercaram a liteira de Hipácia, que vinha vindo da Biblioteca em direção à sua casa.
A multidão enfurecida arrancou-lhe os cabelos e a roupa, esfolou a sua pele com carapaças de ostras, arrancaram-lhe os seus braços e pernas, e queimaram o que restou do seu corpo. Atitude de um verdadeiro furor bárbaro. Logo depois, a própria Biblioteca seria o alvo dos ataques ensandecidos dos seguidores de Cirilo. Este, como recompensa, foi declarado santo pouco depois de sua morte pelos maiorais da Igreja de Roma.


Em 2009, o diretor espanhol Alejandro Amenábar dirigiu um filme maravilhoso chamado Ágora. O papel de Hipácia foi desempenhado pela bela atriz inglesa Rachel Weisz. Sobre este filme, escreve lucidamente Frei Betto:



Difícil arte de ser mulher 


Frei Betto 



Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi “Ágora”, direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”, dirigido por Fernando Meirelles. 


Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural. 

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma. 

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes. 

Onde há oferta de produtos – TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas – o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição. 

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem”. Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável. 

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia” etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).
Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo). 

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos. 

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade? 
Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.  

Bibliografia
Dzielska, Maria. Hipatia de Alexandria. Editora Siruela, Madrid, 2009.
Miranda, Herminio Correia. Guerrilheiros da Intolerância. Hipácia, Giordano Bruno e Annie Besant. Publicações Lachatre, Niterói, 1999.
Verbete Hipátia, da Wikipédia: pt.wikipedia.org/wiki/Hipátia
Entrevista do Diretor Alejandro Amenábar sobre o filme Ágora, no Youtube em http://www.youtube.com/watch?v=6tYfRWN1fJA
e em http://www.youtube.com/watch?v=mBokDBqU1Vk&NR=1




João Pessoa, 08/01/2010