domingo, 29 de novembro de 2015

O capitalismo destrutivo de culturas e da natureza será derrotado pela Terra





  "A fúria da acumulação capitalista alcançou os níveis mais altos de sua história. Praticamente 1% da população rica mundial controla cerca de 90% de todas as riquezas. 85 opulentos, conforme a séria ONG Oxfam Intermon, de 2014, têm dinheiro igual a 3,5 bilhões de pobres do mundo. O grau de irracionalidade e também de desumanidade do sistema falam por si. Vivemos tempos de explícita barbárie." - Leonardo Boff

   Segue, para reflexão e séria meditação, artigo do teólogo, ecologista e filósofo Leonardo Boff:

O capitalismo será derrotado pela Terra


Há um fato incontestável e desolador: o capitalismo como modo de produção e sua ideologia política, o neoliberalismo, se sedimentaram globalmente de forma tão consistente que parece tornar qualquer alternativa real inviável. De fato, ele ocupou todos os espaços e alinhou praticamente todos os países a seus interesses globais. Depois que a sociedade passou a ser de mercado e tudo virou oportunidade de ganho, até as coisas mais sagradas como órgãos humanos, água e a capacidade de polinização das flores, os chefes de Estados, em sua grande parte, são forçados a gerir a macroeconomia globalmente integrada e menos atender ao bem comum de seu povo.
O socialismo democrático em sua versão avançada de eco-socialismo representa uma opção teórica importante, mas com pouca base social mundial de implementação. A tese de Rosa Luxemburgo em seu livro Reforma ou Revolução de que “a teoria do colapso capitalista é o cerne do socialismo científico” não se verificou. E o socialismo, na sua pior forma como ditadura do Estado, ruiu.
A fúria da acumulação capitalista alcançou os níveis mais altos de sua história. Praticamente 1% da população rica mundial controla cerca de 90% de todas as riquezas. 85 opulentos, conforme a séria ONG Oxfam Intermon, de 2014, têm dinheiro igual a 3,5 bilhões de pobres do mundo. O grau de irracionalidade e também de desumanidade do sistema falam por si. Vivemos tempos de explícita barbárie.
As crises conjunturais do sistema ocorriam até agora nas economias periféricas. Mas a partir de 2007/2008 a grande crise explodiu no coração nos países centrais, nos EUA e na Europa. Tudo parece indicar que se trata não de uma crise conjuntural, sempre superável, mas desta vez, de uma crise sistêmica, pondo fim à capacidade de reprodução do capitalismo. As saídas encontradas pelos países que hegemonizam o processo mundial são sempre da mesma natureza: mais do mesmo. Vale dizer, continuar com a exploração ilimitada dos bens e serviços naturais, orientando-se por uma medida claramente material (e materialista) que é o PIB. Ai dos países cujo PIB não cresce cada ano. Condenam-se à falência, com consequências sociais desastrosas.
Esse crescimento piora  o estado da Terra, diminuindo ainda mais o que resta de sua reserva biótica O preço das tentativas de manter e de aumentar o crescimento é, aquilo que seus corifeus chamam de “externalidades” ( o que não entra na contabilidade dos negócios). Elas são fundamentalmente duas: uma degradante injustiça social com níveis altos de desemprego e crescente desigualdade; e uma ameaçadora injustiça ecológica com a degradação de inteiros ecossistema, erosão da biodiversidade (com o desaparecimento entre 30-100 mil espécies de seres vivos, por ano, segundo dados do biólogo E. Wilson), crescente aquecimento global, escassez de água potável e insustentabilidade geral do sistema-vida e do sistema-Terra.
Estas duas injunções estão pondo de joelhos o sistema capitalista. Se ele quisesse universalizar o bem-estar que propicia aos países ricos, precisaríamos, pelo menos, de três Terras iguais a esta que dispomos, o que evidentemente é impossível. O nível de exploração das “bondades da natureza” como são chamados pelos andinos os bens e serviços naturais são de tal ordem que em setembro deste ano se verificou “o dia da ultrapassagem” (the Earth overshoot Day). Em outras palavras, a Terra não possui mais a capacidade, por si mesma, de atender as demandas humanas. Ela precisa de um ano e meio para repor o que lhe subtraímos durante um ano. Ela se tornou perigosamente insustentável. Ou refreamos voracidade da acumulação de riqueza e de consumo para permitir que ela descanse e se refaça ou devemos nos preparar para o pior.
Por se tratar de uma super-Ente vivo (Gaia), limitado, com escassez de bens e serviços e agora doente, mas sempre combinando todos os fatores garantindo as bases físicas, químicas e ecológicas para reprodução da vida, tal processo de degradação despropositada pode impossibitar a reprodução do sistema e  gerar um colapso ecológico-social de proporções dantescas.
A consequência seria que a Terra teria derrotado definitivamente o sistema do capital, subtraindo-lhe a capacidade de se reproduzir junto com sua cultura materialista de consumo ilimitado e individualista. O que não temos conseguido historicamente por processos histórico-sociais alternativos (era o propósito do socialismo), o conseguirão a natureza e a Terra. Esta, na verdade, se livraria de uma célula cancerígena que está ameaçando de metástase todo o organismo de Gaia.
Nesse entretempo a nós cabe a tarefa de desde dentro do sistema, alargar as brechas, explorar todas as suas contradições para garantir especialmente aos mais humildes da Terra o essencial para sua subsistência: a alimentação, o trabalho, a moradia, a educação, os serviços básicos e um pouco de lazer. É o que vem sendo feito no Brasil e em muitos outros países. Do mal tirar o mínimo de bem necessário para a continuidade da vida e da civilização.
E no mais, é rezar e se preparar para o pior.
Leonardo Boff é articulista do Jornal do Brasil on line,membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

sábado, 28 de novembro de 2015

Reflexões do professor Vladimir Safatle, da USP, sobre como o ocidente produz um atentado terrorista do oriente médio




  Com ou sem crise econômica, um estado de tensão permanente produz uma paranóia de guerra permanente, que é muitíssimo benéfica tanto para a indústria bélica quanto para bancos e especuladores das bolsas e à ideologia que lhes é mais benéfica...


Como se produz um atentado


Texto do sociólogo e professor da USP Vladimir Safatle, publicado na Folha de São Paulo

Muito já foi dito a respeito dos terríveis atentados em Paris, mas talvez ainda seja necessário insistir em uma questão que alguns lutam com todas as forças para distorcer: "Como chegamos até aqui?". Pois estamos tão envenenados por teorias rocambolescas de choques de civilização, tão anestesiados pelo medo como motor de coesão social e como força de justificativa para delírios militaristas que ficamos paralisados diante da exigência urgente de reconstruir a sequência de nossos passos até o abismo.

Para produzir uma aberração como o Estado Islâmico é preciso um verdadeiro sistema de erros e cegueiras reiterados por anos a fio. É claro que, nessas horas, aparecem os trombeteiros do Apocalipse de sempre, com seus preconceitos rasos a respeito do mundo árabe e de uma religião que eles sequer conhecem. Com suas explicações que mais parecem saídas da era medieval das Cruzadas, e fazem de tudo para não deixar ver como o "arcaísmo" é algo que se constrói a ferro e fogo no presente.

Vejam, por exemplo, a história de Hasna Ait Boulahcen. Francesa "de origem árabe", 26 anos, moradora da periferia pobre de Paris, ela, segundo seus amigos, "adorava festas, namorados e bebidas". Antes dos últimos seis meses, ela preferia chapéus de cowgirls a burcas. Da mesma forma, há até bem pouco tempo, ela não lera nenhuma linha do Corão. No entanto, Hasna participou dos atentados em Paris que mataram barbaramente 130 pessoas.

Ninguém precisa de PhD em psicologia social para compreender como sua conversão a membro de uma organização terrorista que leva o nome de uma religião nada tem a ver com arcaísmos ligados à pretensa resistência de modos de vida tradicionais aos nossos valores liberais. Ou seja, esses jovens urbanos europeus não abraçaram o Estado Islâmico por estarem enraizados em tradições refratárias e sistemas rígidos de hábitos. Ao contrário, eles procuravam arcaísmos exatamente porque não havia mais tradição alguma.

Eles adotaram uma tradição fabricada para expressar a violência contra promessas de modernização social que, para eles, não haviam dado a integração prometida. Há de se conhecer a periferia de onde vieram para perceber como a miséria, a falta de horizonte, as batidas policiais diárias, o racismo ordinário travestido de "luta pela defesa de nossos valores" rondam.

Presos em um vazio no qual não havia nem tradição nem modernidade, eles acharam uma organização que unia o espírito de gangues de delinquentes que conheciam bem, violência bruta e uma narrativa gloriosa que mistura bricolagens religiosas e redenções de um passado épico capaz de deixar para traz o sentimento de humilhação social. Alguns poderiam ver, com tal explicação, uma tentativa de vitimizar assassinos dementes. Melhor seria lembrar, como Hannah Arendt, que o caráter aterrador de nossa situação está no fato de não ser necessário ser monstro para produzir monstruosidades.

O Estado Islâmico conhece bem os afetos de pessoas como Hasna, seu ressentimento e humilhação, sabe muito bem como vampirizá-los. Afinal, ele é filho de outro vazio, este produzido pela catástrofe político-social resultante das invasões criminosas ao Afeganistão e ao Iraque. Mas o Estado francês e toda a camarilha de loucos por fronteiras, fortalezas, identidades e balas "de autodefesa" que aparecem nessas horas não querem saber de nada disso. Por isso, suas respostas foram todas as que o Estado Islâmico previu e pediu.

Quanto mais as respostas forem militares, com direito a repetir alianças coloniais, quanto mais o racismo, ou melhor, esse "conflito de valores que não é racismo", dá o tom dos debates, quanto mais se produzem amálgamas entre acolhimento de refugiados fugindo da destruição de seus países e laxismo com terroristas potenciais, mais o Estado Islâmico pode dizer aos jovens que procura vampirizar: "Vocês não têm lugar nessas sociedades, seu ressentimento justifica tudo".

Por isso, uma invasão militar no Oriente Médio para destruir o EI não significará absolutamente nada. Ninguém estará mais seguro, como ninguém ficou mais seguro depois que Bin Laden foi morto ou que o Afeganistão e o Iraque foram invadidos e destroçados. Depois da desestruturação da Al Qaeda veio algo pior. Depois da destruição do EI virá algo pior. O problema não é "destruir" o Estado Islâmico, mas parar de produzir aquilo que o alimenta, seja no Oriente Médio, seja na Europa.

No entanto, talvez todos esses "erros" cometidos pelos governos ocidentais não sejam um acaso: para eles, melhor do que a árdua tarefa da construção da segurança real é a gestão contínua da insegurança e do medo. Para certos governos, a melhor maneira de governar é gerindo a desordem e criando uma situação de guerra permanente.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O interesseiro mito da "autossuficiência" atribuída ao "deus" Mercado



  Aos poucos, Estados transferem poder de regulamentar vida econômica e financeira aos “mercados”. Se não for freada, tendência destruirá direitos sociais e natureza

Por George Monbiot, do jornal britânico The GuardianTradução: Gabriel Filippo Simões Imagem:Jack Livine | Fonte: Outras Palavras
O que os governos aprenderam com a crise financeira? Eu poderia escrever uma coluna falando sobre isso. Ou poderia explicar com uma única palavra: nada.
Na verdade, nada é muito generoso. As lições aprendidas são contra-lições, anticonhecimento, novas políticas que dificilmente poderiam ser melhor concebidas para assegurar a recorrência da crise, dessa vez com acréscimo de impulso e menos remédios. E a crise financeira é apenas uma das múltiplas crises – de arrecadação, gasto público, saúde pública e, acima de todas, ecológica – que as mesmas contra-lições fazem acelerar.
Volte um pouco atrás e você verá que todas essas crises têm origem na mesma causa. Atores com grande poder e alcance global são liberados do império das leis. Isso acontece devido à corrupção fundamental no núcleo da política. Em quase todas as nações, os interesses das elites econômicas tendem a pesar mais na balança dos governos do que os interesses do eleitorado. Bancos, corporações e proprietários de terras exercem um poder enigmático, operando silenciosamente entre os membros da classe política. A governança global está se tornando algo semelhante a uma reunião infinita do Clube de Bilderberg1.
O professor de direito Joel Bakan, num artigo no Cornell International Law Journal, argumenta que dois movimentos alarmantes estão acontecendo simultaneamente. De um lado, os governos vêm revogando leis que restringem a ação de bancos e corporações, sob o argumento de que a globalização enfraquece os Estados, tornando impossível uma legislação efetiva. Como alternativa, eles dizem, nós devemos confiar na autorregulação daqueles que exercem o poder econômico.
Por outro lado, os mesmos governos concebem novas leis draconianas para fortalecer o poder da elite. Às corporações são dados os direitos de pessoas físicas. Seus direitos de propriedade são reforçados. Aqueles que protestam contra elas estão sujeitos ao controle e à vigilância policial. Ah, o poder do Estado continua muito bem a existir – quando é conveniente…
Muitos de vocês já terão ouvido falar sobre a Parceria Transpacífica (TPP) e da proposta da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). São, supostamente, acordos de comércio – mas pouco têm a ver com comércio e, sim, com poder. Ampliam o poder das corporações, enquanto reduzem o poder dos parlamentos e do Estado de Direito. Tais acordos dificilmente exacerbar e universalizar melhor nossas múltiplas crises – financeira, social e ambiental. Mas algo ainda pior está por vir, o resultado de negociações conduzidas, mais uma vez, em segredo: um Acordo sobre o Comércio de Serviços (TiSA), cobrindo a América do Norte, a União Europeia, Japão, Austrália e muitas outras nações.
Apenas através do Wikileaks temos alguma ideia do que está sendo planejado. Este acordo poderia ser usado para forçar nações a aceitar novos produtos financeiros e serviços, a aprovar a privatização de serviços públicos e a reduzir os padrões de precaução e provisão. Esta parece ser a maior agressão à democracia arquitetada nas últimas duas décadas. O que significa muito.
O Estado, em sua autoflagelação, proclama que não tem mais poder. Ao mesmo tempo, aniquila sua própria capacidade de legislar – doméstica e internacionalmente. Como se a última crise financeira não tivesse ocorrido, e como se não estivesse ciente de sua causa, o chancellor of the Excequer [ministro das Finaças] britânico, George Osborne, em seu mais recente discurso na Prefeitura de Londres, disse à sua plateia de banqueiros que “a principal exigência na nossa renegociação é que a Europa interrompa a regulação onerosa e prejudicial”. O primeiro-ministro David Cameron vangloriou-se de comandar “o primeiro governo na história moderna que, ao fim de sua legislatura, possui menos regulações em prática do que havia no começo”.
Isso, num mundo de crescente complexidade e onde crescem os crimes corporativos, é pura imprudência. Mas não tenha medo, eles dizem: o poder econômico não precisa se sujeitar ao Estado de Direito. Ele consegue se regular por si próprio.
Alguns de nós há tempos suspeitamos que isso seja uma grande tolice. Mas até agora, a suspeita era tudo que tínhamos. Esta semana, foi publicada o primeiro estudo global sobre autorregulação. Tal estudo foi encomendado pela Britain’s Royal Society for the Protection of Birds2, mas se estende a todos os setores, desde agentes de pequenos empréstimos até criadores de cães. E ele mostra que em quase todos os casos – 82% dos 161 projetos avaliados, medidas voluntárias fracassaram.
Por exemplo, quando a União Europeia buscou reduzir o número de pedestres e ciclistas mortos por veículos, a instituição poderia ter simplesmente votado uma lei instruindo os fabricantes de automóveis a mudar o design dos para-choques e capôs, a um custo aproximado de€30 por carro. Ao invés disso, confiou-se num acordo voluntário com a indústria. O resultado foi um nível de proteção 75% menor do que uma lei teria induzido.
Quando o governo do País de Gales introduziu uma cobrança de 5 centavos para sacolas plásticas, o seu uso foi reduzido em 80% de um dia para outro. O governo inglês afirmou que a autorregulação por parte dos varejistas apresentaria o mesmo efeito. O resultado? Uma grande redução de… 6%. Depois de sete anos desperdiçados, o governo sucumbiu à lógica óbvia e introduziu a cobrança.
Projetos voluntários para coibir a publicidade de junk food para crianças na Espanha, para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa no Canadá, para economia de água na California, para salvar albatrozes dos barcos de pesca na Nova Zelândia, para a proteção de pacientes de cirurgias plásticas no Reino Unido, para impedir o marketing agressivo de remédios psiquiátricos na Suécia: apenas fracassos. O que o Estado poderia ter feito com uma simples canetada, com baixo custo e de maneira eficiente é deixado de lado em prol de ações desastradas das indústrias que, mesmo quando sinceras, são minadas por aproveitadores e oportunistas.
Em diversos casos, as empresas imploraram por novas leis que elevassem os padrões na indústria. Por exemplo, aqueles que produzem embalagens plásticas para silagem para fazendeiros tentaram fazer com que o governo do Reino Unido elevasse a taxa de reciclagem. Empresas de jardinagem queriam regulamentações para eliminar gradualmente o uso de turfa. Os governos recusaram. Teria sido o resultado de ideologia cega ou escusos interesses próprios – ou ambos? Os maiores doadores de partidos políticos tendem a ser os piores empresários, usando seu dinheiro para manter as más práticas legais (vide o caso Enron).
Como os partidos que eles financiam se curvam aos seus desejos, todos são forçados a adotar seus baixos padrões. Eu suspeito que os governos, assim como qualquer um, sabem que a legislação é mais eficiente e eficaz que a autorregulação e que por isso mesmo não a empregue.
Imobilizar o eleitorado, liberar os poderosos: essa é a fórmula perfeita para uma crise multidimensional. E nós estamos colhendo seus frutos.
1N. T.: As reuniões do Clube de Bilderberg acontecem anualmente com o objetivo de fomentar os diálogos entre EUA e Europa. A conferência conta com a presença de líderes políticos, acadêmicos, empresários discutindo informalmente tendências globais. A lista dos participantes é divulgada, mas ninguém tem acesso ao conteúdo da conferência. Ver mais em: http://ow.ly/V5rzK.
2 N. T.: Sociedade Real Britânica de Proteção dos Pássaros

George Monbiot

Jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Diante do consumismo, exploração do capEtalismo, violências mercadológicas e ameaças de guerras feitas por "cristãos" contra inimigos por eles mesmos produzidos, o Papa Francisco afirma: "as festas de Natal são uma farsa!"


       No momento em que homens se matam por conta da fé ou do dinheiro produzido pela fé caberia ao Cristão "comemorar" a festa natalina? Para o mais popular papa da história recente do Catolicismo a resposta é "não!" Para ele, as festas de Natal são uma farsa na medida em que o cristão se preocupa com presentes, cartões, comida farta e presépios enquanto ignora a dor de milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente das vítimas da intolerância. Francisco diz que os Cristãos deveriam orar e manter discrição nas festas natalinas. Leia.




Orar no Natal por paz e espiritualidade é o pedido do papa aos cristãos



Papa Francisco: "as festas de Natal são uma farsa!"

Da Redação do Conexão Jornalismo

O Papa afirmou, esta quinta-feira, numa homilia no Vaticano, que as festas de Natal tornam-se vazias e soam a falso perante um mundo que escolheu "a guerra e o ódio, noticia a AFP.

"Estamos perto do Natal: haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios. mas é uma farsa. O mundo continua a fazer as guerras. Não escolheu o caminho da paz", lamentou o Francisco, na homília da missa matinal.

"Hoje há guerras em toda a parte e ódio. (...) E o que resta? Ruínas, milhares de crianças sem educação, tantos mortos inocentes, tantos. E tanto dinheiro nos bolsos dos traficantes de armas", denunciou o Papa, após o pior ataque terrorista na história francesa, a explosão de um avião russo, um duplo atentado suicida no Líbano e uma série de outros ataques mortais.

O Sumo Pontífice defendeu que a guerra é a escolha de quem prefere as "riquezas" ao ser humano.

"Devemos pedir a graça de chorar por este mundo, que não reconhece o caminho para a paz. Para chorar por aqueles que vivem para a guerra e que têm o cinismo de o negar", acrescentou o Papa, dizendo que "Deus chora, Jesus chora".

O Papa falava no dia em que foi instalado na praça de São Pedro, em Roma, um grande pinheiro para as festividades de Natal.

O pinheiro com 25 metros de altura é oriundo da terra natal do anterior Papa e atual Papa Emérito Bento XVI, o estado da Baviera, no sul da Alemanha.

A árvore, que estará pronta a tempo do início do ano santo (Jubileu da Misericórdia) a 8 de dezembro, será enfeitada com ornamentos feitos por crianças com cancro que estão internadas em vários hospitais italianos.

Este ano, o presépio do Vaticano será composto por 24 figuras em tamanho natural, esculpidas em madeira e pintadas à mão.

Ao lado das figuras habituais da história do nascimento de Jesus, a composição terá também esculturas de pessoas comuns, como um homem a ajudar uma pessoa idosa.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Contra o terrorismo e a guerra, a necessidade de uma cultura da paz, uma reflexão de Leonardo Boff



Texto de Leonardo Boff

Os fatos recentes de terrorismo e a declaração de guerra dos países ocidentais ao Estado Islâmico suscita de forma tenebrosa o fantasma da guerra moderna com grande capacidade de destruição. Nestas guerras apenas 2% dos mortos são soldados. Os demais são civis, especialmente mulheres e crianças inocentes. o que mostra o nível de barbárie a que chegamos. Os aviões militares atuais parecem figuras apocalípticas, carregadas de bombas que matam pessoas, destroem construções e danificam a natureza.

Precisamos ter presente que a cultura dominante, hoje mundializada, se estrutura ao redor da vontade de poder que se traduz por vontade de dominação da natureza, do outro, dos povos e dos mercados. Essa é a lógica dos dinossauros que criou a cultura do terrorismo, da guerra, da insegurança e do medo.

Por causa do terrorismo, atualmente, os EUA e a Europa são reféns do medo. A persistirem as atuais tensões, nunca mais terão paz. Todos necessitam sentar juntos, dialogar, chegar a convergências, por mínimas que sejam, convergências nas diferenças, caso quisermos desfazer os mecanismos que geram permamentemente espírito de vindita e de atos de terror ou de guerra.

Praticamente em todos os países as festas nacionais e seus heróis são ligados a feitos de guerra e de violência. Os meios de comunicação levam ao paroxismo a magnificação de todo tipo de violência, bem simbolizado nos filmes de Schwazenegger como o “Exterminador do Futuro”. Grande parte das películas atuais abordam temas de violência a mais absurda; até o contos infantis são contaminados pela ideia de destruição e de guerra.

Nessa cultura o militar, o banqueiro e o especulador valem mais do que o poeta, o filósofo e o santo. Nos processos de socialização formal e informal, ela não cria mediações para uma cutura da paz. E sempre de novo faz suscitar a pergunta que, de forma dramática, Einstein colocou a Freud nos idos de 1932: é possivel superar ou controlar a violência? Freud, realisticamente, responde: “É impossível aos homens controlar totalmente o instinto de morte…Esfaimados pensamos no moinho que tão lentamente mói que poderíamos morrer de fome antes de receber a farinha”. Mas não se entregava à resignação. Afirmava que os processos civilizatórios, a educação, a democracia, o esporte, o respeito aos direitos humanos e o cultivo de valores éticos podem diminui-lhe a destrutividade.


Sem detalhar a questão, tentemos aprofundar um pouco a questão da violência, um desafio para toda a inteligência. Diríamos que por detrás da violência funcionam poderosas estruturas. A primeira delas é o caos sempre presente no processo cosmogênico. Viemos de um caos originário, uma incomensurável explosão, o big bang. E a evolução é um processo que procura pôr ordem neste caos destrutivo e fazê-lo generativo na medida em que se dá o processo cosmogênico no decorrer de bilhões de anos. O próprio universo, por isso, comporta violência em todas as suas fases, embora sempre criando sistemas mais ordenados que permitem ascensões rumo a formas mais elevadas e harmônicas de organizão.

São conhecidas cerca de 15 grandes dizimações em massa, ocorridas aa Terra, há milhões de anos atrás. Na última, há cerca de 65 milhões de anos, pereceram todos os dinossauros após reinarem, soberanos, 133 milhões de anos. A expansão do universo possui também o significado de originar ordens cada vez mais complexas e, por isso também menos violentas. Possivelmente a própria inteligência nos foi dada para pormos limites à violência e conferir-lhe um sentido construtivo.

Em segundo lugar, somos herdeiros da cultura patriarcal que instaurou a dominação do homem sobre a mulher e criou as instituições do patriarcado assentadas sobre mecanismos de violência como o Estado, as classes, o projeto da tecno-ciência, os processos de produção como objetivação da natureza e sua sistemática depredação.

Em terceiro lugar, essa cultura patriarcal gestou a guerra como forma de resolução dos conflitos. Sobre esta vasta base se formou a cultura do capital, hoje globalizada; sua lógica é a competição e não a cooperação, por isso, gera guerras econômicas e políticas e com isso desigualdades, injustiças e violências.       Todas estas forças se articulam estruturalmente para consolidar a cultura da violência que nos desumaniza a todos.

A essa cultura da violência há que se opôr a cultura da paz. Hoje ela é imperativa pois há cerca de 80 focos de guerra, de maior ou menor intensidade, no mundo, a ponto de o Papa Francisco ter se referido, por várias vezes, que estamos dentro de uma terceira guerra mundial que acontece parceladamente.

É imperativa, porque as forças de destruição estão ameaçando, por todas as partes, o pacto social mínimo sem o qual regredimos a níveis de barbárie. É imperativa porque o potencial destrutivo já montado pode ameaçar toda a biosfera e impossibilitar a continuidade do projeto humano. Ou limitamos a violência e fazemos prevalecer o projeto da paz ou conheceremos, no limite, o destino dos dinossauros.

Onde buscar as inspirações para cultura da paz? Mais que imperativos voluntarísticos, é o próprio processo antroprogênico a nos fornecer indicações objetivas e seguras. A singularidade do 1% de carga genética que nos separa dos primatas superiores reside no fato de que nós, à distinção deles, somos seres sociais e cooperativos. Ao lado de estruturas de agressividade, comparecemos como seres de cuidado, principalmente da vida; temos capacidades de afetividade, com-paixão, solidariedade e amorização. Hoje é urgente que desentranhemos tais forças para conferir rumo mais benfazejo à história. Toda protelação é insensata.

O ser humano é o único ser que pode intervir nos processos da natureza e co-pilotar a marcha da evolução. Ele foi criado criador. Dispõe de recursos de re-engenharia da violência mediante processos civilizatórios de contenção e uso de racionalidade. A competitividade continua a valer mas no sentido do melhor e não de destruição do outro. Assim todos ganham e não apenas um.

 Há muito que filósofos da estatura de Martin Heidegger, resgatando uma antiga tradição que remonta aos tempos de César Augusto, vêem no cuidado a essência do ser humano. Sem cuidado ele não vive nem sobrevive. Tudo precisa de cuidado para continuar a existir. Cuidado representa uma relação amorosa para com a realidade. Onde vige cuidado de uns para com os outros desaparece o medo, origem secreta de toda violência, como analisou Freud.

A cultura da paz começa quando se cultiva a memória e o exemplo de figuras que representam o cuidado e a vivência da dimensão de generosidade que nos habita, como Francisco de Assis, Gandhi, Dom Helder Câmara, Luther King Jr, o Papa Francisco e outros. Importa fazermos as revoluções moleculares (Gatarri), começando por nós mesmos. Cada um estabelece como projeto pessoal e coletivo a paz e os sentimentos de paz. Els resulta dos valores da cooperação, do cuidado, da com-paixão e da amorosidade, vividos cotidianamente.

Fonte riquíssima de paz é o cultivo da espiritualidade como vem expressa na belíssima oração pela paz de São Francisco de Assis. As religiões, não raro, produzem guerras. As espiritualidades, paz e convivência pacífica entre os povos. Elas trabalham mais experiências fundamentais interiores de encontro com a Divindade, com o Sagrado, ou pouco importam os nomes, com uma Realidade Suprema de sentido. As doutrinas e as instituições religiosas gozam de valor secundáro, às vezes mais dificultam a experiência profunda do que a promovem.

A paz não é apenas uma meta a ser buscada mas também um caminho a ser seguido. Só um caminho de paz gera paz serena e permanente. Ao se “queres a paz prepara a guerra” devemos com determinação opor: “se queres a paz prepara a paz”.

 Leonardo Boff é teólogo, escritor e autor de A oração de S.Francisco, uma mensagem de paz para o mundo atual.

domingo, 22 de novembro de 2015

O Dalai Lama sobre as causas (e ganâncias ocidentais) que, com o tempo, resultaram nos atentados de Paris e na banalização mundial da violência, adverte: "Não esperem ajuda de Deus"


foto: Getty Images - Terra

"Nossos problemas vão aumentar se não posicionarmos princípios morais à frente do dinheiro", disse o líder espiritual budista e Prêmio Nobel da Paz

Segue notícia divulgada pelo Terra.com.br:



Após os ataques terroristas em Paris, o líder espiritual tibetano disse à Deutsch Welle que não se pode esperar que Deus resolva os problemas criados pelos homens, e pede mais atenção a valores humanistas do que ao dinheiro.

Para seus milhões de devotos no mundo todo, o Dalai Lama, líder espiritual do povo tibetano, é a personificação da humanidade e da compaixão. Hoje aos 80 anos, Tenzin Gyatso, o atual Dalai Lama, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1989 e é conhecido por suas décadas de luta pela autonomia do Tibete.

Ele acredita que a sua tática do "caminho do meio", que evita extremismos, é a melhor maneira de resolver pacificamente a questão tibetana e promover a coexistência entre tibetanos e chineses. Dalai Lama fugiu para a Índia em 1959 e, desde então, vive no exílio em Dharamsala, uma cidade no estado indiano de Himachal Pradesh.

Em entrevista à DW, ele fala sobre seu papel como o Dalai Lama, a questão tibetana e o aumento da violência global.

DW: Como você avalia os ataques terroristas em Paris? 







Dalai Lama: O século 20 foi violento, mais de 200 milhões de pessoas morreram devido a guerras e outros conflitos. Vemos agora o sangue derramado no século passado transbordar para este. Se dermos mais ênfase à não violência e à harmonia, poderemos proclamar um recomeço. A menos que façamos sérios esforços para alcançar a paz, continuaremos a ver uma reprodução do caos que a humanidade vivenciou no século 20.

As pessoas querem levar uma vida pacífica. Mas os terroristas têm vista curta, e esta é uma das causas dos desenfreados atentados suicidas. Não podemos resolver esse problema apenas através de orações. Eu sou budista e acredito na oração. Mas foram os seres humanos que criaram esse problema, e agora estamos pedindo a Deus para resolvê-lo. É ilógico. Deus diria: resolvam-no sozinhos porque vocês mesmos o criaram.

Precisamos de uma abordagem sistemática para fomentar valores humanistas, que promovam unidade e harmonia. Se começarmos agora, há esperança de que este século possa ser diferente do anterior. É do interesse de todos. Por isso, vamos trabalhar pela paz em nossas famílias e na sociedade, em vez de esperar pela ajuda de Deus, de Buda ou de governos.

DW: Sua mensagem principal sempre foi de paz, compaixão e tolerância religiosa, mas o mundo parece estar indo na direção oposta. A sua mensagem não ressoou nas pessoas? 

Dalai Lama: Eu discordo. Acho que apenas uma pequena porcentagem das pessoas adotaram o discurso da violência. Nós somos seres humanos, e não há base ou justificativa para matar outras pessoas. Se você considera os demais como irmãos e irmãs, e respeita seus direitos, não resta espaço para a violência.

Além disso, os problemas que estamos enfrentando hoje são resultado de diferenças superficiais entre crenças religiosas e nacionalidades. Somos um só povo.

DW: Vemos líderes políticos obcecados com o crescimento econômico, mas que não se importam com a moralidade. Você se preocupa com essa tendência? 

Dalai Lama: Nossos problemas vão aumentar se não posicionarmos princípios morais à frente do dinheiro. A moralidade é importante para todos, inclusive para religiosos e políticos.

DW: Você diz que a abordagem do "caminho do meio" ("middle way") é a melhor maneira de resolver a questão tibetana. Você acha que sua estratégia acabará sendo bem sucedida? 

Dalai Lama: Eu acredito que seja o melhor caminho. Muitos dos meus amigos, incluindo líderes indianos, americanos e europeus, acreditam que seja o caminho mais realista. No Tibete, ativistas políticos, intelectuais e estudantes chineses apóiam a nossa política do "caminho do meio".

Quando encontro estudantes chineses, digo-lhes que não estamos buscando a independência da China. Eles entendem a nossa abordagem e sentem-se próximos da nossa causa. Não é apenas no caso do Tibete; vivemos no século 21, e todos os conflitos devem ser resolvidos pelo diálogo, e não pela força.

DW: Quem vai sucedê-lo como Dalai Lama? 

Dalai Lama: Eu não estou preocupado com isso. Em 2011, anunciei oficialmente que seria uma escolha dos tibetanos manter ou não a instituição do Dalai Lama. Se as pessoas acharem que essa instituição deixou de ser relevante, ela deve ser abolida. Eu não estou mais envolvido em questões políticas, estou apenas preocupado com o bem-estar do Tibete.

DW: A Índia está passando por um aumento da intolerância religiosa. O que pensa sobre isso? 

Dalai Lama: Não é a imagem real da Índia. Apenas alguns indivíduos estão causando esse problema. As eleições no estado de Bihar provam que a maioria dos hindus acredita na harmonia e na coexistência.

Jânio de Freitas sobre François Hollande e o pretexto para a tentação totalitária: o terrorismo que o ocidente icentivou, com Bush, e a guinada para o fascismo de direita



A Tentação Totalitária


artigo de Jânio de Freitasm publicado na Folha

Desde os atentados em Paris, as únicas palavras aproveitáveis nos pronunciamentos de François Hollande são estas: "Vive la République" e "Vive la France". Mas a República está sendo por ele negada. E a França já está encaminhada por Hollande e seu governo a práticas próprias de estados totalitários. Deformação tão mais inquietante quanto a França, embora decadente como centro de poder político, preserva a atração encantada que projeta no mundo, há séculos.

As decisões autocráticas de Hollande repetem-se desde a noite mesma dos atentados. Já o seu primeiro pronunciamento declarava o estado de guerra, precipitação não admissível em um presidente, por sua insensatez agravada pelo desprezo às vozes autorizadas e autorizativas da República, situadas no Parlamento e no Judiciário. A França nem foi atacada por uma nação, como o estado de guerra requer. Hollande é que atribuiu esta alta condição a um movimento político-religioso, o Estado Islâmico, quando apenas presumia tratar-se do responsável pelo ataque.

Consideradas as condições emocionais da França, era improvável que o Parlamento e, se ocorresse o caso, o Judiciário deixassem de subscrever as intenções de Hollande. Foi quase unânime a aprovação, seis dias depois, da prorrogação desejada por Hollande para o estado de emergência, de 12 dias para três meses. Com liberdades de ação policial que só não são absolutas porque excluem magistrados, parlamentares, advogados e jornalistas das escutas telefônicas por simples decisão da polícia. Ninguém diz, mas a verdade é que os direitos civis estão suprimidos na França.

Nada nada, indicou a necessidade de ataques assim extremados aos direitos da cidadania. A precariedade dos grupos terroristas na Europa está comprovada no fácil e rápido encontro e extermínio dos seus integrantes pela polícia. Nem sequer têm logística para evitar pistas anteriores e segurança posterior aos atos. O que sugere que também não têm dinheiro. São pouco mais do que livre-atiradores, reunidos entre parentes e amigos. Em sentido técnico, não têm êxito: o que parece o seu êxito é o vergonhoso fracasso da Europol, o organismo da União Europeia incumbido do antiterrorismo, e dos caríssimos serviços de informação nacionais, os europeus e os americanos.

Potenciais terroristas continuam por lá, do mesmo jeito. Nem por isso Hollande promove o grande inquérito para tornar eficientes os seus serviços preventivos. O que lhe ocorre são prisões a granel para retirar suspeitos da circulação — suspeitos de quê, de quem, por quê? De fundamentalismo muçulmano, pelos serviços ineficazes, por serem jovens na exclusão social.

Mas Hollande não os quer retirar à toa, senão para os recolher a "casas de reeducação". É uma concepção que já teve períodos de glória. Por exemplo, quando aplicada no regime nazista, até a partir da infância, o que pode sugerir algo a Hollande e a seu primeiro-ministro Manuel Valls. Mas há também, a inspirá-los, o modelo do totalitarismo stalinista, que partia da infância e, quando aplicado a adultos, fez-se conhecido no Ocidente sob o nome genérico de gulag.

Há ainda os antecedentes da coerência. Antes dos ataques, Hollande já mandara militares franceses para Mali e a República Centro-Africana, e para o Iraque; encabeçara o ataque à Líbia e iniciara a intervenção na Síria. Além disso, incorporara a França à coalizão de ataques aéreos ao Estado Islâmico. E despachara o porta-aviões Charles De Gaulle para atacar o Estado Islâmico.

Tudo isso tem um custo institucional maior e mais perigoso do que se pode imaginar. Não só para a França. Tem também um custo econômico muito pesado, para uma França cuja economia está bastante insatisfatória. Mas François Hollande ganha, como ganhou sem fazer mais do que um desfile depois do havido no Charlie Hebdo. Agora, melhora sua má posição contra Sarkozy e Marine Le Pen, para a eleição presidencial e já para as eleições regionais em dezembro.

França com ares totalitários é uma aberração. Mas os franceses estão aturdidos. François Hollande, não. "A tentação totalitária" é o título de livro já antigo do francês Jean-François Revel. Fica muito bem outra vez.

Janio de Freitas
No fAlha

sábado, 21 de novembro de 2015

O Ocidente escolheu o pior caminho: a guerra



Segue, para reflexão, texto de Leonardo Boff

Seguramente são abomináveis e de todo rejeitáveis os atentados terroristas perpetrados no último dia 13 de novembro em Paris por grupos terroristas de extração islâmica. Tais fatos nefastos não caem do céu. Possuem uma pré-história de raiva, humilhação e desejo de vingança.
Estudos acadêmicos feitos nos USA evidenciaram que as persistentes intervenções militares do Ocidente com sua geopolítica para a região e a fim de garantir o suprimento do sangue do sistema mundial que é o petróleo, rico no Oriente Médio, acrescido ainda pelo fato do apoio irrestrito dado pelos USA ao Estado de Israel com sua notória violência brutal contra os palestinos, constituem a principal motivação do terrorismo islâmico contra o Ocidente e contra os USA (veja a vasta literatura assinalada por Robert Barrowes: Terrorism: Ultimate Weapon of the Global Elite en seu site: War is a Crime.org).
A resposta que o Ocidente tem dado, a começar com George W. Bush, agora retomado vigorosamente por François Hollande e aliados europeus mais a Rússia e os EUA é o caminho da guerra implacável contra o terrorismo seja interno na Europa seja externo contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Mas esse é o pior dos caminhos, como criticou Edgar Morin, pois guerras não se combatem com outras guerras nem o fundamentalismo com outro fundamentalismo (o da cultura ocidental que se presume a melhor do mundo e com o direito de ser imposta a todos).
A resposta da guerra que, provavelmente, será interminável pela dificuldade de derrotar o fundamentalismo ou grupos que decidem fazer de seus próprios corpos bombas de alta destruição, insere-se ainda no velho paradigma pré-globalização, paradigma enclausurado nos estados-nações, sem se dar conta de que a história mudou e tornou coletivo o destino da espécie humana e da vida sobre o planeta Terra. O caminho da guerra nunca trouxe paz, no máximo alguma pacificação, deixando um lastro macabro de raiva e de vontade de vindita por parte dos derrotados que nunca, na verdade, serão totalmente vencidos.
O paradigma velho respondia guerra com guerra. O novo, da fase planetária da Terra e da Humanidade, responde com o paradigma da compreensão, da hospitalidade de todos com todos, do diálogo sem barreiras, das trocas sem fronteiras, do ganha-ganha e das alianças entre todos. Caso contrário, ao se generalizar as guerras cada vez mais destrutivas, poderemos pôr fim a nossa espécie ou tornar a Casa Comum inabitável.
Quem nos garante que os terroristas atuais não se apropriem de tecnologias sofisticadas e comecem a usar armas químicas e biológicas que, por exemplo, colocadas nos reservatórios de água de uma grande cidade, acabe produzindo um dizimação sem precedentes de vidas humanas? Sabemos que estão se habilitando para montar ataques cibernéticos e telemáticos que podem afetar todo o serviço de energia de uma grande cidade, dos hospitais, das escolas, dos aeroportos e dos serviços públicos. A opção pela guerra pode levar a estes extremos, todos possíveis.
Devemos tomar a sério o que sábios nos alertaram como Eric Hobswbam ao concluir seu conhecido A era dos extremos: o breve século XX (1995:562):”O mundo corre o risco de explosão e implosão; tem que mudar…a alternativa para a mudança é a escuridão”. Ou então do eminente historiador Arnold Toynbee, depois de escrever dez tomos sobre as grandes civilizações históricas, nos vem esta advertência em seu ensaio autobiográfico Experiências(1969:422):” Vivi para ver o fim da história humana tornar-se uma possiblidade intra-histórica, capaz de ser traduzida em fato não por um ato de Deus mas do próprio homem”.
O Ocidente optou pela guerra sem trégua. Mas nunca mais terá paz e viverá cheio de medo e refém de possíveis atentados que são a vingança dos islâmicos. Oxalá não se realize o cenário descrito por Jacques Attali em seu Uma breve história do futuro (2008): guerras regionais, numa espécie de balcanização do mundo, são cada vez mais destrutivas a ponto de ameaçarem a espécie humana  . Aí a humanidade, para sobreviver, pensará numa governança global com uma hiiperdemocracia planetária. Será a última oportunidade que impedirá no mergulho num abismo que não conhece volta.
O que se impõe, assim nos parece, é o reconhecimento da existência de fato de um Estado Islâmico e em seguida formular uma coligação pluralista de nações e de meios diplomáticos e de paz para criar as condições de um diálogo para pensar o destino comum da Terra e da Humanidade.
Receio que a arrogância típica do Ocidente, com sua visão imperial e ao se julgar em tudo melhor, não acolha esse percurso pacificador mas prefira a guerra. Então torna a ganhar significado a sentença profética de M. Heidegger, conhecida depois de sua morte:” Nur noch ein Gott kann uns retten: então somente um Deus nos poderá salvar”.
Não devemos ingenuamente esperar a intervenção divina, pois o nosso destino está entregue à nossa responsabilidade. Seremos o que decidirmos: uma espécie que preferiu se auto-exterminar a renunciar à sua vontade absurda de poder sobre todos e sobre tudo ou então forjarmos as bases para uma paz perpétua (Kant) que nos conceda viver diferentes e unidos, na mesma Casa Comum.
Leonardo Boff é articulista do Jornal do Brasil on line, ecoteólogo e escritor.

Crise econômica foi alimentada artificialmente, diz diretor do Le Monde Diplomatique Brasil


Silvio Caccia Bava participou de um debate sobre a atual conjuntura econômica e política do país, no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Silvio Caccia Bava participou de um debate sobre a atual conjuntura econômica e política do país, no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Marco Weissheimer

Fonte: Sul 21
“Em toda a minha vida eu cresci em crises. Não há crise econômica no Brasil. O País tem US$ 370 bilhões de reservas em dinheiro”. A declaração de Abílio Diniz, um dos mais conhecidos empresários brasileiros, surpreendeu muita gente no último dia 2 de novembro e ajudou a colocar lenha na fogueira do debate sobre a real natureza da crise econômica que atinge o Brasil neste momento. Afinal, qual é o principal elemento causador dessa crise? Esta semana, uma declaração do economista Arminio Fraga, apontado como ex-futuro ministro da Fazenda, caso Aécio Neves tivesse ganho a eleição em 2014, disse em entrevista que a solução para a crise é de natureza política. Segundo ele, o impeachment de Dilma Rousseff seria “uma forma de destravar a crise”. Se é assim, qual é o elemento político que define e ilumina o atual momento econômico que vive o país?
Essa questão atravessou toda a palestra do sociólogo Silvio Caccia Bava, diretor e editor chefe do Le Monde Diplomatique Brasil, que participou nesta quarta-feira (18) de um debate sobre a atual conjuntura econômica e política do país, no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. Organizado pelo Fórum21 e pelo Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), com apoio do SindBancários, o debate se concentrou em tentar entender melhor o foco político da crise que marca a conjuntura nacional hoje. Silvio Caccia Bava concordou com o diagnóstico de Abílio Diniz sobre a natureza política da crise e identificou um processo de construção artificial de uma crise econômica, a partir de um conjunto de vozes na mídia e na academia, iniciado ainda no final de 2014, logo após o final das eleições presidenciais que garantiram a reeleição de Dilma Rousseff.
“Objetivo real da crise é rebaixar o custo do trabalho”
“No final de 2014, começamos a vivenciar um clima de terrorismo econômico para forçar uma mudança de rumos na política econômica. Esse clima era alimentado por alertas sobre a iminente perda de controle da inflação e o não cumprimento do superávit primário, entre outras teses que passaram a ser repetidas diariamente nos meios de comunicação”, assinalou Silvio Caccia Bava. O verdadeiro objetivo desse movimento, acrescentou, era um só: o Brasil precisa promover uma recessão para rebaixar o custo do trabalho. Esse objetivo, destacou ainda o diretor do Le Monde Diplomatique Brasil, faz parte de uma agenda global de recuperação de perdas do capital financeiro após a crise internacional de 2008. Quem pagou o pato neste processo é a economia real e todos aqueles que vivem da renda do próprio trabalho. Já o capital financeiro tratou de recuperar o terreno perdido.
“Os grandes fundos de investimento praticamente dobraram de tamanho depois da crise de 2008. No caso o Brasil, o país virou uma plataforma de exploração rentista internacional, com taxas de juros que não têm paralelo no mercado”, observou o sociólogo.
“É preciso lembrar que cerca de 70% da dívida pública brasileira está nas mãos do sistema financeiro. Não é a toa que o lucro dos bancos tem aumentando em média 20% ao ano, apesar de a economia estar estagnada." Foto: Guilherme Santos/Sul21
“É preciso lembrar que cerca de 70% da dívida pública brasileira está nas mãos do sistema financeiro. Não é a toa que o lucro dos bancos tem aumentando em média 20% ao ano, apesar de a economia estar estagnada.”
Foto: Guilherme Santos/Sul21
É preciso contextualizar a crise atual, disse ainda Caccia Bava, com o cenário que o Brasil viveu pós-crise de 2008. “É preciso lembrar que cerca de 70% da dívida pública brasileira está nas mãos do sistema financeiro. Não é a toa que o lucro dos bancos tem aumentando em média 20% ao ano, apesar de a economia estar estagnada. Em 2012, a presidenta Dilma baixou os juros da Selic para a casa dos 7%, o que desagradou o sistema financeiro. Dilma mandou os bancos públicos baixarem os juros e, com essa medida, eles expandiram sua atividade no mercado, chegando a ter em torno de 55% do mercado de crédito. O BNDES tornou-se o grande financiador da indústria naval brasileira”. Para Caccia Bava, é neste contexto que devem ser entendidas as raízes da crise atual. “A origem dessa crise é política. O poder do sistema financeiro foi desafiado por uma política econômica que não estava mais no seu controle”.
“Houve a construção sistemática de uma narrativa da crise”
No final de 2014, defendeu, os indicadores internos da economia não eram ruins, considerando o cenário da economia mundial. Os 370 bilhões de dólares em reservas, citados por Abílio Diniz, são um exemplo disso. “Houve a construção sistemática de uma narrativa na mídia e na academia defendendo que era preciso um remédio amargo para enfrentar uma crise que seria profunda. Mas qual era um dos grandes riscos que corríamos: um aumento de 3 ou 4% na inflação, o que não seria nenhuma catástrofe”.
A contraofensiva do capital financeiro estabeleceu uma agenda clara, apontou o sociólogo. “A agenda é recuperar o valor da Selic, abrir o capital dos bancos públicos para que eles não sejam mais indutores de desenvolvimento e reduzir o papel do BNDES nesta mesma direção. Ainda dentro dessa agenda, as cadeias produtivas do petróleo e da indústria naval estão sendo comprometidas. Não interessa nenhum um pouco às multinacionais do petróleo que o Brasil refine petróleo aqui, como está previsto”. No plano internacional, disse ainda Caccia Bava, o objetivo é enfraquecer a Unasul, os BRICS, o banco de desenvolvimento dos BRICS e outras iniciativas dessa natureza.
No plano político, esse movimento do sistema financeiro é acompanhado por um Congresso Nacional onde cerca de 70% dos parlamentares eleitos foram financiados por apenas dez grandes grupos econômicos. Esse perfil resultante do modelo de financiamento empresarial das campanhas eleitorais, implantado a partir de 1997, destacou o sociólogo, deu origem a um sistema político que é capaz mais de dialogar com os diferentes setores da sociedade e processar os problemas políticos. “Os partidos, de modo geral, deixaram de representar esses interesses porque seus parlamentares passaram a responder a interesses privados, de seus financiadores de campanha”.
Citando o sociólogo francês Edgar Morin, Caccia Bava afirmou que é possível que tenhamos que fazer frente ao imponderável, algo que ainda vai acontecer. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Citando o sociólogo francês Edgar Morin, Caccia Bava afirmou que é possível que tenhamos que fazer frente ao imponderável, algo que ainda vai acontecer. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Antídoto para a crise é mais democracia e debate com a sociedade”
Um dos aspectos mais graves da crise atual, destacou Caccia Bava, é que, sob o pretexto do ajuste fiscal, direitos da população estão sendo violados. Só na área da Saúde, exemplificou, temos R$ 12,9 bilhões em recursos contingenciados pelo ajuste fiscal. “A atual política econômica vai aprofundar a recessão e podemos chegar a um desemprego na casa dos 14% em 2016. Além do desemprego, vivemos um processo de polarização social crescente, com a proliferação de ideias conservadoras e reacionárias como a de fazer justiça com as próprias mãos”.
O antídoto para esse quadro, defendeu, é mais democracia e o aprofundamento do debate na sociedade sobre o que está acontecendo no país, quais os agentes que estão atuando e construindo as narrativas da crise. “Estamos vivendo o fim de um ciclo, mas há um fato positivo acontecendo, que é a formação de novas frentes de luta como a Frente Brasil Popular. No entanto, elas ainda não demonstraram capacidade de produzir uma narrativa adequada sobre a crise”. Citando o sociólogo francês Edgar Morin, Caccia Bava afirmou que é possível que tenhamos que fazer frente ao imponderável, algo que ainda vai acontecer. “Apesar de todos os problemas, há coisas novas e interessantes acontecendo, como o Syriza, na Grécia, o Podemos, na Espanha, e a guinada à esquerda do Partido Trabalhista inglês. Em São Paulo temos coisas interessantes acontecendo na periferia, mas ainda são muito moleculares. O que precisamos fazer agora é multiplicar por todo o país debates como este que estamos fazendo aqui no Sindicato dos Bancários”, defendeu.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Por Compaixão, poderíamos transformar a dor que ataca o mundo humano e natural em real solidariedade




  Ocorre que o ser humano possui dimensões sociais, políticas, culturais e espirituais sobre as quais há parca preocupação e isuficiente reflexão, o que dificulta encontrar uma solução consistente à grave crise que assola a Casa Comum. Considerando a amplitude destas dimensões, devemos ir além de uma análise meramente tecnico-científica. Devemos, sim, utilizar a pesquisa científica imprescindível, mas importa “deixar-nos tocar por ela em profunidade e dar uma base de concretude ao percurso ético e espiritual daí derivado” - Leonardo Boff


Segue texto de Leonardo Boff  intittulado "Transformar em sofrimento pessoal o que acontece no mundo"

Atualmente há uma fecunda discussão filosófica, também entre nós com Muniz Sodré (As estratégias sensíveis, 2006) e F. J. Duarte (O sentido dos sentidos, 2004) no sentido de resgatar a razão sensível como enriquecimento imprescindível da razão intelectual. Esta diligência é necessária, porque é através dela que nos comprometemos afetiva e efetivamente com a salvaguarda da vida no planeta e com a humanização das relações sociais. Curiosamente o Papa Francisco, neste ponto, em sua encíclica sobre o cuidado da Casa Comum (2015) nos trouxe valoriosa contribuição.  

      Ele analisa com espírito científico e crítico “o que está acontecendo com a nossa Casa”(nn.17-61). Logo adverte que, numa perspectiva da ecologia integral que é o tema fundamental de seu texto, estas categorias são insuficientes (n.11). Temos que abrir-nos “à admiração e ao encanto…. e falar a linguagem da fraternidade e da beleza na nossa relação para com o mundo”(n.11. Portanto, não nos podemos restringir à ecologia ambiental, pois ela atende apenas à relação do ser humano com a natureza, esquecendo que ele é parte dela. Essa relação unilateral constitui o vício do antropocentrismo, criticado em seu texto (nn.115-121).

Ocorre que o ser humano possui dimensões sociais, políticas, culturais e espirituais sobre as quais há parca preocupação e isuficiente reflexão, o que dificulta encontrar uma solução consistente à grave crise que assola a Casa Comum.

Considerando a amplitude destas dimensões, devemos ir além de uma análise meramente tecnico-científica. Devemos, sim, utilizar a pesquisa científica imprescindível, mas importa “deixar-nos tocar por ela em profunidade e dar uma base de concretude ao percurso ético e espiritual daí derivado”(n.15). Mais ainda “devemos transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo”(n.19). Isso vale também com referência às vitimas dos atos terroristas acontecidos rcentemente em Paris sem esquecer também das vítimas feitas pelos pesados bombardeios de forças militares ocidentais, com dezenas de vítimas, sobre um hospital de médicos sem fronteiras e de uma escola cheia de crianças. A compaixão não pode ser seletiva. Ricos e pobres carregam a mesma dor que deve se transformar em nosso própria dor.

O Papa Francisco tem clara consciência de que por detrás das estatísticas há um mar de sofrimento humano e muitas feridas no corpo da Mâe Terra. Como somos parte da natureza e tudo está inter-relacionado (tema sempre recorrente na encíclica, nn. 70, 91,117, 120, 138,139 etc) e nós nunca estamos fora da “trama das relações”(n.240) que a todos envolve, participamos das dores da crise ecológica. Chega a advertir que “as previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia…o estilo de vida atual, por ser insustentável, só pode desembocar em catástrofes, como aliás estão acontecendo periodicamente em várias regiões”(n.161).

Mas o Papa não se deixa intimidar por esse cenário. Dá um voto de confiança no ser humano, em sua criatividade e em sua capacidade de regenerar-se e de regenerar a Terra (n. 205) e muito mais, confia no Deus que, segundo as palavras da tradição judeo-cristã,“ é o soberano amante da vida”(Sab 11, 24 e 26: nn. 77, 89). Ele não permitirá que nos afundemos totalmente (n.163). Ainda faremos “uma conversão ecológica”(n. 217) e introduziremos “a cultura do cuidado que permeará toda a sociedade”(n.231).

Disso nascerá um novo estilo de vida (alternatriva repetida 35 vezes na encíclica), fundado na cooperação, na solidariedade, na simplicidade voluntária e na sobriedade compartida que implicará um novo modo de produzir e de consumir e, por fim, nos dará “a consciência amorosa de não estarmos separados das outras criaturas mas que formamos com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal”(n.220).

Como se depreende, aqui não fala mais somente a inteligência intelectual, tecnico-científica, mas a inteligência emocional e cordial como o tenho detalhado nos meus dois livros Saber Cuidar e O Cuidado Necessário (Vozes). O Papa em suas palavras de afeto e de carinho para com todos, especialmente para com os pobres e os mais vulneráveis dá claro exemplo do exercício deste tipo de inteligência tão urgente e necessária para superarmos a profunda crise que recobre todos os âmbitos da vida.

Em razão desta inteligência emocional, pede que devemos “ouvir tanto o grito da Terra como o grito dos pobres”(49). As agressões sistemáticas, feitas nos últimos dois séculos, “provocam os gemidos da irmã Terra que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo”(n.53). Por isso importa “cuidar da criação… e tratar com desvelo os outros seres vivos”(n. 211), pois todos possuem um valor intrínseco, independente do uso humano (n.69) e, a seu modo, até as ervas silvestres (n.12), louvam o Criador (n.33). Chega dizer que devemos “alimentar uma paixão pelo cuidado” por tudo o que existe e vive.

Enfatiza o fato de que “nós com todos os seres do universo, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde”(n. 89).

Somente quem tem desenvolvido em ato grau a inteligência sensível ou cordial poderia escrever: ”tudo está relacionado e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma de suas criaturas e que nos une também, com terna afeição ao irmão Sol, à irmã Lua, ao irmão rio e à Mãe Terra”(n. 92).

Tais sentimentos e atitudes hoje constituem uma demanda geral, para afastar as tragédias ecológico-sociais que já se anunciam no horizonte de nosso tempo e também a violência das guerras no Norte da África e a resposta tresloucada do terrorismo islâmico.

Leonardo Boff é colunista do JB on line, eco-teólogo e escritor Fonte do texto: Leonardo Boff

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Por fazer críticas à má fé da grande mídia, apresentador da Globo News é demitido pelos Marinhos...



  “Há uma má vontade dos colegas que se especializaram em política e economia. A obsessão em ver no Governo o demônio, a materialização do mal, ou o porto da incompetência, está sufocando a sociedade e engessando o setor produtivo”, escreveu o jornalista, até então um dos âncoras do canal de notícias da Globo" - Sidney Rezende
(Veja também:  Em artigo (reproduzido no Brasil pela UOL), New York Times diz que a Globo é a TV que ilude e manipula o Brasil)

Antes de ser demitido da GloboNews, Sidney Rezende criticou “demonização” do governo


Por Redação da Revista Fórum 

Um dia antes de ser demitido da GloboNews, onde atuava desde 1997, o jornalista Sidney Rezende, âncora do Jornal GloboNews, divulgou em seu perfil no Facebook texto no qual critica a “má vontade dos colegas que se especializaram em política e economia” com a gestão de Dilma Rousseff. “A obsessão em ver no Governo o demônio, a materialização do mal, ou o porto da incompetência, está sufocando a sociedade e engessando o setor produtivo”, afirmou Rezende. As informações são do blog do Mauricio Stycer.

“Uma trupe de jornalistas parece tão certa de que o impedimento da presidente Dilma Rousseff é o único caminho possível para a redenção nacional que se esquece do nosso dever principal, que é noticiar o fato, perseguir a verdade, ser fiel ao ocorrido e refletir sobre o real e não sobre o que pode vir a ser o nosso desejo interior. Essa turma tem suas neuroses loucas e querem nos enlouquecer também”, argumentou Rezende no artigo, publicado na última quinta-feira (12) e intitulado “Chega de notícias ruins”. “Se pesquisarmos a quantidade de boçalidades escritas por jornalistas e ‘soluções’ que quando adotadas deram errado daria para construir um monumento maior do que as pirâmides do Egito. Nós erramos. E não é pouco. Erramos muito.”

Rezende continuou: “O Governo acumula trapalhadas e elas precisam ser noticiadas na dimensão precisa. Da mesma forma que os acertos também devem ser publicados. E não são. Eles são escondidos. Para nós, jornalistas, não nos cabe juízo de valor do que seria o certo no cumprimento do dever”. De acordo com ele, é “hora de mudar” da imprensa mudar sua postura. “O povo já percebeu que esta “nossa vibe” é só nossa e das forças que ganham dinheiro e querem mais poder no Brasil. Não temos compromisso com o governo anterior, com este e nem com o próximo. Temos responsabilidade diante da nação.”

Após demitir o jornalista na sexta-feira (13), a Globo disse, em nota, que “só tem elogios à conduta profissional de Sidney, um jornalista completo”.

Confira a íntegra do texto clicando aqui.