Carlos Antonio Fragoso Guimarães
A partir de uma entrevista divulgada pela revista Época com o pesquisador do cristianismo, professor e conferecista Bart D. EhrmanProfessor da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos
“Há muitos erros na Bíblia e, mais importante que isso, há diferentes pontos de vista teológicos e isso precisa ser reconhecido”.
(Uma resposta aos fundamentalistas evangélicos)
O pesquisador americano Bart D. Ehrman nasceu e cresceu em meio a uma família e comunidade religiosas do chamado "Cinturão bíblico" no sul dos Estados Unidos, a região mais religiosa e conservadora aquele país. A características da igrejas desta região é a de tomar literalmente a Bíblia como sendo, de fato, uma obra divina, inquestionável, a ser "aceita" ao pé da letra. Quando adolescente, por conta deste meio, Ehrman havia se tornado um evangélico radical fervoroso. Isso o levou a querer se aprofundar no estudo da Bíblia. Diz ele, no prefácio de seu livro "Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?":
"Cheguei ao Seminário Teológico de Princento em agosto de 1978, saído da faculdade (de Teologia no Moody Bible Institute, de Chicago) e recém-casado. (...).
"Como um convicto cristão confiante na Bíblia, eu tinha certeza de que ela, em todas as suas palavras, tinha sido inspirada por Deus (...). Assim, eu fui para o Seminário Teológico de Princenton jovem e pobre, mas apaixonado, preparado para enfrentar todos aqueles liberais com sua visão aguada da Bíblia. Como bom 'cristão' evangélico, estava pronto para demolir quaisquer ataques à minha fé bíblica. Eu podia responder a qualquer aparente contradição e solucionar qualquer potencial discrepância da Palavra de Deus (...). Eu sabia que tinha muito a aprender, mas não iria aprender que meu texto sagrado tinha algum equívoco.
"Algumas coisas não aconteceram como planejado. O que realmente aprendi em Princeton me fez mudar de idéia sobre a Bíblia. Não mudei a minha maneira de pensar de boa vontade - fui derrotado gritando e esperneando (...) mas ao mesmo tempo pensei que, se tinha um verdadeiro compromisso com Deus, tambpém precisava ter um compromisso real com a verdade. E após um bom tempo ficou claro para mim que minha antiga visão da Bíblia como a revelação inequívoca de Deus era absolutamente equivocada. Minha escolha era me agarrar a uma visão que eu tinha descoberto estar errada ou seguir em frente até onde acreditava que a verdade estava me levando (...)".
De fato, Ehrman nada mais fez do que mergulhar nos estudos de competentes experts acadêmicos que, há quase duzentos anos, vêm efetuando um estudo histórico-crítico, baseado em documentação e análise de discurso, bem como em elementos históricos e arqueológicos de campo, sobre o que sabemos sobre os relatos bíblicos.
"Em todos os principais seminários protestates e católicos(dos EUA e Europa), a Bíblia é abordada segundo o método chamado de "histórico-crítico". É algo completamente diferente da interpretação 'devocional' da Bíblia aprendida na Igreja", diz Ehrman no primeiro capítulo de seu citado livro, e ele se pergunta por que tais estudos dificilmente são transmitidos pelos líderes das igrejas ao povo, em geral. Autores conhecidos, como Marvin Meyer, James H. Charlesworth, John Dominic Crossan, Elaine Pagels e outros são pesquisadores que seguem um caminho de divulgação desta área de pesquisas de forma semelhante à de Ehrman.
Atualmente professor de estudos religiosos na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e conferencista disputado em várias universidades, sendo figura constante em documentários do History Channel, do National Geographic e do Discovery Channel, Ehrman já escreveu 21 artigos e livros sobre religião, incluindo Verdade e Ficção em O Código Da Vinci, sobre o best-seller de Dan Brown, e O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? – Quem mudou a Bíblia e por quê, que esteve meses entre mais vendidos na lista do jornal The New York Times. Agora, em Jesus, Interrupted (no Brasil, Quem foi Jesus? Quem Jesus não foi?, Ed. Ediouro), já lançado no Brasil, Ehrman tenta revelar as contradições da Bíblia, que provam, segundo ele, que o livro não foi enviado à humanidade por Deus, mas foi fruto de tradições orais postas no papel décadas apos os eventos ocorridos com o Jesus histórico, cujo núcleo da mensagem ainda visível é composto de um pacifismo fraternal universal e não exclusivista e uma apelo por uma mudança de percepção da realidade e de atitudes que levassem a uma sociedade de igualdade, proto-socialista (o Reino de Deus na Terra), mas cujos traços essenciais foram retocados, encobertos ou distorcidos por seguidores posteriores e escribas, o que só piorou ao longo dos séculos, por cópias manipuladas, em contextos históricos diversos, dos evangelhos e outros escritos constituintes do cânone que formaram o Novo Testamento, e que, assim, acabaram por perder muito de sua historicidade.
As divulgações destas pesquisas por Ehrman e outros autores, como os acima citados, têm atraído a reação esperada - e por vezes violenta - de evangélicos ultra-conservadores. Logicamente, eles repetem um comportamento que existe desde os primeiros séculos do cristianismo: tentam diminuir o incômodo da dissonância congnitiva de terem seus pontos de vista, por eles considerados os únicos verdadeiros, questionado pelas evidências, acusando essas demonstrações de serem obra do demônio - no final, o curinga irreal e de pouco valor que eles usam para tudo que não conseguem argumentativamente ou por meios de provas, refutar ou explicar.
Mesmo na internet é possível ver a reação de fundamentalistas brasileiros que esperneiam contra livros como "Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?", ou contra revistas, como no caso da revista Galeleu, que touxe uma reportagem de capa sobre as informações do livro "O que Jesus disse? O que Jesus não disse", de Ehrman junto com uma entrevista com ele, em 2006. Ainda assim, a caravana passa enquanto os cães ladram, trazendo informações úteis que, em muitos casos, mais aumentam o fascínio sobre o Jesus de Nazaré histórico e reduzem a nocividade de certas seitas conservadoras atuais, muitas delas verdadeiros comércios da fé mediante promessas de ganhos bem pouco espirituais e espetáculos midiáticos de gosto duvidoso, apresentados pelos novos "fariseus".
Vejamos trechos de uma entrevista dada por Bart D. Ehrman e publicadas na revista Época:
De um tempo para cá temos visto um crescimento do número de títulos com críticas às religiões. O que está motivando os leitores?
Bart Ehrman – Há uma reação contra a direita conservadora do mundo religioso. Aqui nos Estados Unidos há vários líderes desse tipo (televangélicos poderosos) que tiveram muita atenção da mídia por muito tempo, e as pessoas que estão do lado esquerdo deste espectro começaram a se incomodar. Muitos desses livros escritos por essas pessoas chamadas de “neo-ateístas” são uma representação deste movimento.
Alguns dos principais representantes do “neo-ateísmo” são Sam Harris e Richard Dawkins. Em um artigo recente da revista Time, o senhor reconheceu que compartilha leitores com eles. Mas o senhor se considera parte deste movimento?
Bart Ehrman – Não me considero um ateu e não acho que estou fazendo a mesma coisa que esses autores. Eles têm feito coisas boas, mas estão atacando a religião sem conhecer muito. Quando eu escrevo, faço isso como alguém que já esteve profundamente envolvido com a Cristandade, mas que agora a rejeitou tal como se apresenta. Por isso, a minha perspectiva é completamente diferente.
O que fez o senhor passar de um fiel cristão a um “agnóstico feliz”?
Bart Ehrman – Fui criado na Igreja Protestante e fui um cristão muito ativo por vários anos. Mas eu deixei a cristandade não por conta dos meus estudos históricos sobre a Bíblia, mas por não conseguir mais acreditar que poderia haver um deus no comando deste mundo cheio de dor e sofrimento.
Qual é o motivo de o livro se chamar Jesus, Interrupted [em tradução livre: Jesus, interrompido. Na versão brasileira: "Quem Jesus foi? quem Jesus não foi?"] ? Quando e como ele foi interrompido?
Bart Ehrman – O título significa que há inúmeras vozes diferentes falando no Novo Testamento. São autores diferentes, que possuem pontos de vista diferentes e que, muitas vezes, são conflitantes. Com tantas vozes assim falando no mesmo livro, muitas vezes é impossível escutar a voz do Jesus histórico, porque ele foi interrompido por outras pessoas.
E é possível definir qual é a maior contradição da Bíblia?
Bart Ehrman – São muitas discrepâncias, mas é possível destacar duas. O apóstolo Paulo, por exemplo, acha que a pessoa chega a Deus apenas pela fé, e não pelo que faz. No capítulo 24 de Mateus, no entanto, nós lemos que boas ações levam ao reino dos céus. Essas duas visões são excludentes em um assunto determinante, que é a salvação. Também há visões diferentes sobre quem era Jesus. No evangelho de João, Jesus é Deus, mas nos textos atribuídos a Marcos, Mateus e Lucas não há nada sobre isso. No evangelho de Mateus fica claro que ele acredita que Jesus é um ser humano, e que é o Messias. A Igreja acabou juntando essas duas visões, de que ele é humano e divino, e criou um conceito que não está escrito nem em João e nem em Mateus.
O senhor acha que essas discrepâncias fazem da Bíblia uma história falsa?
Bart Ehrman – Eu diria que os diferentes autores da Bíblia tem versões diferentes da história e por isso é errado tentar fazer com que eles digam a mesma coisa. Há muitos erros na Bíblia e, mais importante que isso, há diferentes pontos de vista teológicos e isso precisa ser reconhecido.
Desde quando a Bíblia começou a ser questionada? De que maneira isso enfraquece a Cristandade?
Bart Ehrman – As pessoas só começaram a notar essas diferenças na época do Iluminismo, no século XVIII. Antes disso, os estudioso da Bíblia eram teologicamente comprometidos com ela e não imaginavam que poderia haver erros. Essas descobertas são problemáticas especialmente para quem acredita que a Bíblia foi entregue a nós diretamente por Deus. Se isso ocorreu, por que não temos a Bíblia original? Por que temos apenas manuscritos escritos mais tarde e que não são iguais? Essas diferenças mostram que não existe um livro com inspiração divina que foi entregue a nós.
E como isso afeta especificamente a Igreja Católica?
Bart Ehrman – Existem estudiosos na Igreja Católica que concordam com quase tudo o que está escrito em "Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?". Mas na tradição católica a fé nunca foi sobre a Bíblia, mas sobre os ensinamentos da Igreja e sobre acreditar que Jesus é o filho de Deus. E isso não muda se a pessoa perceber ou não os erros da Bíblia. É bem diferente do fundamentalismo cristão que é tão poderoso onde eu vivo, no sul dos Estados Unidos. Aqui as pessoas acham que você só poder ser cristão se acreditar totalmente na Bíblia.
Alguns críticos do seu trabalho, especialmente o líder evangélico James White, dizem que você quer destruir a fé cristã. O que você acha disso?
Bart Ehrman – Estou tentando destruir o tipo de fé cristã de James White! (risos). Mas na verdade nada que eu faça pode destruir o Cristianismo. O problema é que há um certo tipo de fé cristã que diz que a Bíblia não tem erros e é infalível, e eu não concordo com isso. Eu não sou o único que pensa assim. As opiniões que estão descritas no meu livro são as mesmas da maioria dos estudiosos da Bíblia há muitas e muitas décadas, mas eles não costumam falar disso em público. Meu livro apenas pega o que os estudiosos dizem há muito tempo e torna disponível para os leitores normais.
Você recebeu muitas críticas de leitores por conta do livro?
Bart Ehrman – Recebi e-mails de pessoas bravas e sei que na internet há muita gente contrariada. Dizem que quero destruir sua fé, que sou o anti-Cristo. Mas a maior parte dos que escrevem ficou grata pelo livro e feliz por eu ter dito essas coisas, já que suspeitavam desses erros, mas não tinham base teológica para questionar a Bíblia.